A semana ficou marcada pela polémica gerada em torno de um inquérito feito a alunos de nove anos numa escola no Porto. Uma das perguntas dizia respeito à orientação sexual das crianças.
«Namoras atualmente?», «já namoraste anteriormente?», «sinto-me atraído por: homens, mulheres ou ambos». Foram estas as questões colocadas aos alunos do 5.º ano, da Escola Francisco Torrinha, no Porto, no âmbito da disciplina Cidadania, e que têm gerado controvérsia.
As opiniões sobre a situação são claras: os pais mostram-se preocupados, já os psicólogos consideram o inquérito inadequado.
Mário Cordeiro, pediatra, diz ao SOL que o inquérito tem várias vertentes, «todas elas erradas». O especialista classifica o inquérito como «totalmente disparatado» porque a orientação sexual de uma pessoa só se estabelece no final da adolescência, ou seja, alunos de nove anos ainda não atingiram essa etapa da vida. Por isso, «perguntar isso [a crianças desta idade] é completamente inútil, não faz sentido».
O pediatra duvida até que fazer este tipo de perguntas seja constitucional.
«Estar a introduzir elementos com perguntas ineficazes, estar a introduzir elementos de perturbação em crianças desta idade, ainda muito novas, é estarmos a contribuir para perturbar o seu percurso normal de vivência da sua sexualidade», acrescenta.
Este tipo de questões, segundo o pediatra, são «uma agressão» porque invadem o espaço íntimo: «As pessoas não têm que andar a fazer perguntas sobre a intimidade dos outros, sobretudo numa relação professor-aluno».
vCordeiro deixou no entanto a ressalva de que felizmente, no seu entender, as crianças são capazes de não ligar a estas perguntas: «Na cabeça delas deitam o inquérito para o lixo».
Para o especialista agora é necessário perceber qual era o objetivo da escola com a realização deste inquérito: «As crianças respondem e depois? Tiram conclusões e quê? Não se percebe». No seu entender, a situação é muito grave e as autoridades competentes devem agora atuar para esclarecer toda a situação, para que não se volte a repetir uma situação deste género.
Leandra Cordeiro, psicóloga e professora universitária, explicou ao SOL que as questões colocadas não influenciam as crianças, mas deixam-nas baralhadas. Porquê? Porque estas questões confundem «identidade de género e orientação sexual» – elementos fundamentais «na consolidação e estabilidade da identidade geral e na forma como cada um se relaciona consigo próprio e com os outros».
Segundo a especialista, é na adolescência que estes dois fatores adquirem força e relevância. «Nesse sentido, devemos respeitar com cuidado todo este processo, não adiantar respostas nem antecipar perguntas. Não devemos potenciar dúvidas e incongruências, sobretudo em crianças que ainda não vivem nem experimentam internamente essa realidade», completou.
Leandra Cordeiro considera ainda que este tipo de questionários «não respeita processos fisiológicos de maturação sexual».
Quando as escolas se comprometem a abordar temas desta natureza, que são «importantes» e «delicados», são obrigadas a «fazer um trabalho cuidado, fundamentado, científico e adaptado à faixa etária das crianças ou adolescentes porque senão» estão «a prestar um desrespeito para com as crianças e as suas famílias».
Ministério da Educação pede explicações
Na quarta-feira, o Ministério da Educação (ME) fez saber que, apesar de desconhecer a situação, já tinha pedido explicações à escola para averiguar o caso. No dia seguinte, a tutela revelou, em comunicado, que depois de ter recolhido informação, o remeteu para a Inspeção Geral de Educação e Ciência.
Após o desencadear da polémica, a escola recusou-se a prestar quaisquer declarações sobre o assunto. Já a associação de pais da escola Francisco Torrinha, revelou ao i que «confia bastante na escola» e que este caso se trata de um «caso isolado», estando o assunto a ser «devidamente tratado».
Ao Diário de Notícias, a associação de pais disse que o professor apenas só teve conhecimento do conteúdo do documento quando o entregou, porque este foi realizado «por uma associação externa à escola».
A associação confirmou ainda que foi pedida uma autorização prévia aos pais para que os alunos frequentassem esta disciplina – que aborda temas sobre a educação para igualdade de género, entre eles, a educação sexual – mas que estes não sabiam da existência e do conteúdo deste inquérito.
Rui Martins, presidente da Confederação Independente de Pais e Encarregados de Educação (Cnipe), lamentou o sucedido: «Lamento como pai que estas coisas sejam levadas de ânimo leve e que não sejam pensadas previamente para evitar este tipo de inquéritos». Ao i, Rui Martins disse que a Cnipe não recebeu queixas idênticas por parte de outras escolas, acreditando que se trata de um assunto isolado.
Jorge Ascensão, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), esclareceu que também não recebeu denúncias de outros casos, mas disse ao i que esta situação «levantou alguma preocupação» aos pais. Perante as reações que tem recebido, o responsável diz que tudo indica que o inquérito tenha sido feito «sem conhecimento parental», e que não compreende como é que isso aconteceu.
Outro caso polémico
Este não é o primeiro inquérito escolar a causar polémica. Em setembro os pais de vários alunos de escolas de Lisboa e Porto foram confrontados com um questionário sobre a sua origem étnica – as opções de resposta eram: «portuguesa, cigana, chinesa, africana, Europa de Leste, indiana, brasileira ou outra». O caso foi denunciado ao Alto Comissariado para as Migrações, à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial e à secretária de Estado da Cidadania e Igualdade por o questionário ter sido considerado racista.