Meio-dia e nem sinais do Folha nas bancas. Avenida Paulista, encontro marcado com um infiltrado num dos grupos de WhatsApp de apoiantes de Bolsonaro. Em tempo de fake news, nada como ver para acreditar no que, noutro tempo, contado pareceria mentira. Antes que seja identificado e expulso, vamos dizer que é um português a viver no Brasil, a torcer para que vença Haddad na segunda volta, marcada já para o próximo fim de semana. Para a história basta. Isso e perceber como deu com o grupo: através de um link afixado num supermercado de uma pequena cidade num estado do norte do país.
Entrar nestes grupos é fácil. Basta um convite, um clique e já lá estamos. ‘Capitão Bolsonaro’, ‘Nosso Capitão’, bandeiras do Brasil e descrições ‘patrióticas” são clássicos. O pior vem depois. Coisas como: «O assassinato de Bolsonaro: o plano para assassinar Bolsonaro será concluído caso ele e sua equipa não adotem medidas extremas de segurança. Ciro saiu do país para não levantar suspeitas, Haddad tenta desesperadamente tirá-lo de casa, as armadilhas são muitas, Bolsonaro se tornará de fato um mito.» Ou pretensas citações bíblicas justificando o uso de armas. Entramos e nem trinta segundos demora até recebermos a notificação da primeira mensagem, e por aí fora até a cadência de alertas se tornar insuportável.
O assunto do dia, quinta-feira, não é homicídio, não é o suposto “kit gay”, que Fernando Haddad, o candidato do PT, alegadamente distribui pelas escolas. O tema é a notícia do dia, da Folha de São Paulo: de que várias empresas privadas que apoiam Jair Bolsonaro contrataram serviços de marketing para a distribuição de «centenas de milhões» de mensagens com propaganda anti-PT via WhatsApp, em contratos que atingiam valores de 12 milhões de reais (2,8 milhões de euros), num país em que desde 2015 as empresas estão proibidas de financiar candidatos. “Fake news”. Se Bolsonaro é extrema-direita, então a Folha é «extrema-imprensa».
No dia seguinte, chegaria uma petição: «Em resposta ao senhor Haddad que quer saber quem banca a campanha do Jair: Somos marketeiros do Jair Messias Bolsonaro.» Mais de 100 mil assinaturas de gente que se declara «voluntária» em defesa do capitão, que se defendeu na mesma linha: «Eu não tenho controle se tem empresário simpático a mim fazendo isso. Eu sei que fere a legislação. Mas não tenho como saber e tomar providência.»
Sobre as eleições, diz-se que Bolsonaro as está a ganhar aqui, no WhatsApp. Já no início do mês, a cinco dias da primeira volta, um inquérito do Datafolha para a Globo e a Folha revelava que, entre os quatro candidatos que lideravam as sondagens, eram os eleitores de Bolsonaro os que mais usavam as redes sociais para se informarem. Os números, preocupantes, foram então mais do que repetidos: quase dois terços (61%) dos eleitores de Bolsonaro afirmavam ler notícias no WhatsApp. Entre os eleitores de Ciro Gomes, a percentagem baixava para 46%, e nos de Fernando Haddad, para 38%. No Facebook, a lógica mantinha-se e mudavam apenas os números: 57% (Bolsonaro), 50% (Ciro) e 40% (Haddad).
Ainda em dezembro de 2016, o ano do impeachment de Dilma Rousseff, o Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo da Universidade de Oxford, publicava um estudo sobre 26 países em que notava como o consumo de notícias via redes sociais aumentava no Brasil. E se 91% dos brasileiros diziam informar-se via internet, 72% faziam-no através das redes sociais, com o Facebook e o WhatsApp como plataformas de eleição. Nesse ano, entre os 26 países analisados, o Brasil era o terceiro em que as redes sociais tinham um maior peso nas fontes de informação e era aquele que mais crescia no consumo de conteúdos jornalísticos online.
Na quinta-feira, foram divulgados os resultados de uma análise liderada pelos investigadores Pablo Ortellado (Universidade de São Paulo) e Fabrício Benvenuto (Universidade Federal de Minas Gerais, onde nasceu o projeto Eleição Sem Fake), em conjunto com a agência de verificação de factos Lupa (uma entre várias) a 347 grupos de WhatsApp: apenas 8% das imagens partilhadas (muita da informação circula na forma de memes ou de vídeos) podem ser classificadas como verdadeiras. Os conteúdos analisados circularam entre os dias 16 de setembro e 7 de outubro, o dia da primeira volta das presidenciais. Período em que ao todo, entre os 18 mil utilizadores daqueles 347 grupos, circularam 846 mil mensagens, entre textos, vídeos, imagens e links externos.
Pedido de impugnação
De volta à Paulista. Porque estamos na Paulista ainda, sentados à mesma mesa, e o telefone não parou um minuto. Tudo do grupo pró-Bolsonaro. Conversa sobre a campanha e a segunda volta cada vez mais perto, daí a reação de Haddad, o pedido de impugnação da candidatura do adversário alegando a inelegibilidade do candidato do PSL por abuso de poder económico.
Diálogo entre esquerda e direita, pelo menos entre a esquerda e a direita que apoiam um e outro candidato, é coisa que não existe. É ver como entre círculos de amigos pró-Haddad é difícil encontrar um pró-Bolsonaro. E vice-versa. Os universos mal se tocam, e os algoritmos não ajudam. Só pioram. Citado pelo jornal da Universidade de São Paulo, o investigador Marcio Moretto Ribeiro lembrava já no ano passado que as redes sociais não são só causa. São também efeito da polarização do debate político. «Cada pessoa que está acompanhando o debate na rede social tem uma visão parcial do debate político todo que está acontecendo no Brasil, afirmava.
Onde encontrar apoiantes de Bolsonaro então? Há quem diga que não há quem garanta que sim, a estatística de bolso confirma: em São Paulo, difícil é encontrar motorista de Uber que não esteja por Bolsonaro. Até Diego, que não diz, mas também não precisa.
Viu as notícias? «Não vi não…» Por essa hora já Fernando Haddad tinha pedido a impugnação da candidatura do adversário do PSL, que continua na frente na corrida – segundo as últimas sondagens, contabilizando os votos válidos a diferença é 59% a 41% – , exigindo uma segunda volta frente a Ciro Gomes, do PDT, o terceiro mais votado a 7 de outubro.
«Ah é? Era só o que faltava. Mas do jeito que o Brasil é… não duvido muito, não. Só patifaria. Principalmente eles.” Eles, os petistas? Vai votar Bolsonaro? Silêncio. «Se o PT ganha de novo é palhaçada! É palhaçada. Não tem como o povo ser tão burro assim. Ou tem?» Medo de Bolsonaro? «Todo o político que entra, por mais que seja certo, acaba virando errado. Vamos lá: o Lula. O Lula era um cara mau? Ele não era um cara mau. Ele tinha o jeito dele de trabalhar. Foi tudo ele? Não foi tudo ele, lógico que não. Disso [a notícia da Folha] estou sabendo agora por você.»
E estas mensagens de que se fala, via WhatsApp? «Só recebo notícia de um candidato ou do outro, cada um falando dele, tipo anúncio. E na verdade vem de todos. Para ser sincero, nem leio. Para falar que nem leio, li uma hoje do Bolsonaro falando da história dele um pouco — não o que ele vai fazer ou o que ele não vai, só falando do começo da carreira dele, que ele era tipo soldado… Não foi uma propaganda dele, entendeu? Acho que também não pode ficar mandando mensagem assim como se fosse campanha eleitoral.»
O que pode e o que não pode, não há outro assunto por estes dias. Já é a Rua Rocha agora, no Centro de São Paulo. Ao ruído do trânsito de início de noite sobrepõe-se a voz de Haddad vinda de uma TV à entrada de um corredor de recolha de automóveis. Perguntamos se podemos entrar, o moço responde que sim. Ademar. Daqui? «Nascido em São Paulo, sim.» Mas sotaque não engana e acerta: família toda na Baía, no nordeste, onde Haddad bateu Bolsonaro. «Uma grande piada. O sr. Haddad está absolutamente desesperado porque vai perder a eleição», reage o candidato do PSL, na televisão. Mas vem Ademar falar por cima: «Acho que ele vai impugnar. Tem 30 empresários envolvidos, 30 empresários! Isso não pode não, isso aí é roubo. Votei nele mas agora não vou votar mais não!» Não vai votar Bolsonaro? «Votei. Mas tem rolo. Por isso que ele falou que tinha a mão na faixa. Ele acha que tá com a mão na faixa, não voto mais!»