Fernando Haddad pediu na noite desta segunda-feira no Tuca (Teatro da Universidade Católica de São Paulo) a cada um dos seus eleitores que vire um voto. Manuela d’Ávila, candidata a sua vice, pediu mais. Pediu quatro, da varanda do edifício, perante a multidão que assistiu ao comício num telão montado na rua. “É sempre bom virar a partir da reunião aqui. Já vi muita virada aqui, e essa aqui vai ser mais uma. Com certeza”, afirmou o candidato do Partido dos Trabalhadores à presidência brasileira, que se disputa em segunda volta no próximo domingo, assim que subiu ao palanque.
“Dizer como ouvi aqui que a nossa candidatura representa hoje a luta da resistência democrática no Brasil depois de 30 anos da promulgação da nossa constituição [deixa-me] muito honrado, mas a gente não quer ser só o símbolo da resistência. A gente quer ser a vitória da democracia sobre o que o Bolsonaro representa.”
E explicou depois, num discurso em que apelidaria o militar na reserva que lidera a corrida à presidência de “soldadinho de araque”, o que Bolsonaro representa: “Em toda a lista negra de parlamentares veteranos do congresso nacional… perdão, negra não. Toda a lista do baixo clero… também não. Vamos achar uma coisa para ele minha gente, me ajuda”, sorriu. “De toda a lista fascista, ele figura como o campeão da imoralidade, o campeão do desrespeito pela democracia. São 28 anos — 28 — sem apresentar um projeto para o país em qualquer área. Nem na da segurança pública que diz representar. Uma pessoa que saiu das trevas dos 30 anos da ditadura e que sem que as pessoas consigam perceber o que ele representa — ainda, porque nós temos até domingo para demonstrar — vem galgando degraus e aparece agora como paladino da restauração de uma ordem que ninguém quer mais.”
Nas sondagens, Bolsonaro vai perdendo, mas pouco. Ou quase nada. De acordo com a sondagem que foi conhecida nesta segunda-feira, a primeira desde que rebentou a polémica da “caixa 2” de Bolsonaro, encomendada pela Confederação Nacional do Transporte ao instituto MDA, o candidato do Partido Social Liberal reúne 57% das intenções de voto dos eleitores brasileiros. Haddad está nos 43%.
A última sondagem, essa do Datafolha, feita no dia anterior à publicação da notícia em que a “Folha de São Paulo” deu conta do financiamento ilegal da campanha de Bolsonaro por um grupo de empresários através da compra de pacotes de disparo em massa de mensagens anti-PT via WhatsApp, apontava para uma diferença ligeiramente superior entre os dois candidatos às presidenciais brasileiras, cujo segundo turno é disputado no próximo domingo 28: contabilizando apenas os votos válidos, 59% contra 41% para o candidato do partido de Lula.
Haddad enumeraria ainda Jesus Cristo, Nelson Mandela, Martin Luther King, exemplos do que podem ser os ídolos de cada um. O nome de Lula não o dirá, é a multidão que assiste da rua que o grita por ele. “Tem tanta gente boa e ele tem a coragem de dizer que Ustra, Brilhante Ustra [o torturador da ex-presidente petista Dilma Rousseff] é o seu herói. Tanta gente lutou por liberdade nesse país, tanta gente morreu por liberdade. Vamos abrir mão disso?”
A Haddad, Manuela d’Ávila, a sua candidata a vice, e Guilherme Boulos, do PSOL, o único candidato derrotado na primeira volta que se discursou, antes dos dois, no comício desta segunda-feira em São Paulo a que em defesa da democracia subiram ao palanque artistas, intelectuais, juristas, estudantes, líderes de movimentos cívicos e sociais, representantes de sete religiões e ainda de 68 torcidas de futebol, Haddad recebeu o manifesto pela democracia que reúne as assinaturas de 1500 juristas.
Redigido pela advogada e professora Silvia Pimentel, o manifesto suprapartidário foi assinado pelos antigos ministros da Justiça José Carlos Dias (do governo Fernando Henrique Cardoso), Eugenio Aragão, José Eduardo Cardozo e Tarso Genro (dos governos de Lula e Dilma Rousseff), Sepúlveda Pertence, antigo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Justiça Antônio Carlos Biscaia, ex-procurador-geral da Justiça ou ainda os professores Pedro Dallari, Belisário dos Santos Jr., Celso Antônio Bandeira de Mello e Flavia Piovesan.
Antes de deixar o Tuca para se dirigir ao “Roda Viva”, um programa de entrevistas da TV Cultura, lembrou como tentou por todos os meios debater com Bolsonaro durante a campanha: “Já me dispus a ir em enfermaria, em hospital, na casa dele. Ele não aceita nenhuma regra, mas eu quero dizer para ele uma coisa: ontem ele fez um vídeo muito grave, que nunca tinha visto uma pessoa ter coragem de fazer, dizendo que no país não terão lugar os seus opositores, dizendo que será cadeia ou exílio. Disse com todas as letras. Está gravado, registrado, para a posteridade. Mas quero dizer que o Bolsonaro, esse soldadozinho de araque, como lhe costumo chamar, quero dizer para ele uma coisa muito simples: o projeto que ele representa já perdeu. Já está derrotado. Não tem chance de prosperar. A humanidade pode até num momento de delírio, de perturbação, de raiva, de ódio, querer abraçar o projeto que ele representa. Mas a gente acorda desse pesadelo e realiza a humanidade que todo o mundo tem dentro de si.”