Secretário de Estado do Interior teve parcerias com amigo de Sócrates

Em 2011, João Paulo Catarino realizou várias viagens a Cabo Verde e ao Brasil para avançar, em parceria com Carlos Santos Silva, com negócios na área da construção. Além disso, durante o seu mandato como autarca de Proença-a-Nova, a Câmara fez dois negócios com o grupo Lena e deu uma avença a Sofia Fava.

As ligações de João Paulo Catarino, secretário de Estado para a Valorização do Interior, a Carlos Santos Silva, o homem que o Ministério Público considera ser o testa de ferro de José Sócrates, vão além-fronteiras.

O governante que António Costa escolheu na semana passada para dinamizar a economia no interior esteve envolvido numa parceria com Carlos Santos Silva para a concretização de vários  projetos de negócio em Cabo Verde e no Brasil, revelam documentos da investigação da Operação Marquês, a que o SOL teve acesso. 

A parceria decorreu enquanto João Paulo Catarino estava à frente da Câmara de Proença-a-Nova, eleito pelo PS, e depois de o governante ter passado seis meses, em 2005, pelo Executivo de José Sócrates, com funções de adjunto do então secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas, Ascenso Simões.  

De acordo com documentos que constam da investigação da Operação Marquês, João Paulo Catarino viajou várias vezes a Cabo Verde, nomeadamente entre 20 e 23 de fevereiro de 2011 e 9 e 12 de outubro de 2011, para tentar desenvolver negócios naquele país. Posteriormente, em novembro do mesmo ano, o secretário de Estado da Valorização do Interior viajou a São Paulo na companhia de Carlos Santos Silva, onde terão sido recebidos pelo empresário Luís Martins.

 

Governante assume viagens

Contactado pelo SOL, João Paulo Catarino assume que viajou «várias vezes para o Brasil e para Cabo Verde». Viagens que foram realizadas «quer em representação da câmara municipal, quer em representação de outras entidades que representei por inerência do cargo de presidente da câmara, quer a título pessoal». 

Sobre os negócios que constam dos autos da Operação Marquês,  o secretário de Estado garante que «nunca» teve e não tem «qualquer tipo de negócio» com Carlos Santos Silva – acusado de 33 crimes no processo entre os quais corrupção ativa e passiva e, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e falsificação de documentos – «nem em Portugal nem em qualquer parte do mundo» e que «nunca ele me pagou qualquer viagem».  

João Paulo Catarino refere ainda ao SOL ter uma relação de amizade com o engenheiro Luís Martins, explicando que se trata de um «descendente de proencenses», considerando ser «um dos maiores benfeitores do concelho e ilustre empresário que vive no Brasil».   

 

Habitação social em Cabo Verde

O propósito das viagens de João Paulo Catarino a Cabo Verde seria desenvolver um negócio com Carlos Santos Silva, que à data trabalhava para o grupo Lena, para construir habitação social com rendas controladas, com o nome Prohabit, de acordo com os documentos a que o SOL teve acesso. O negócio não chegou a avançar.

Os bilhetes de avião da TAP, que constam do processo da Operação Marquês, estão em nome de Paulo Catarino com o custo de 789 euros, a que se soma uma taxa de excesso de bagagem de 115 euros e outra de 230 euros de alteração da data de voo.  A despesa da viagem foi suportada pela Proengel II – a sociedade administrada por Carlos Santos Silva e que foi constituída a 10 de Outubro de 2005, seis meses depois de Sócrates tomar posse -, tendo sido Isabel Viegas, a ex-contabilista da empresa, a tratar do assunto. Entre 2009 e 2015, a Proengel II conseguiu um total de faturação de 23.164.004,97 euros, dos quais 77,92% foram para o grupo Lena. Ou seja, através da Proengel II o grupo Lena terá recebido mais de €18 milhões em ‘luvas’.

 

Viagem ao Brasil

Poucas semanas depois das viagens a Cabo Verde, a 26 e 27 de novembro de 2011, João Paulo Catarino terá viajado ao Brasil com a companhia de Carlos Santos Silva para reunirem com o engenheiro Luís Martins, que queriam convidar para criar uma sociedade, também na área da construção. Posteriormente à viagem ao Brasil, Carlos Santos Silva terá enviado uma carta ao engenheiro brasileiro a agradecer a receção em São Paulo e sublinha que o amigo em comum, Paulo Catarino, estava presente em todos os projetos internacionais e que também ficaria ligado à parceria no Brasil, de acordo com a documentação que consta do processo da Operação Marquês. Mas, também este negócio não chegou a avançar. 

 

Negócios em Proença-a-Nova

As viagens a Cabo Verde e ao Brasil aconteceram anos depois de a Câmara de Proença-a-Nova  – que foi presidida por João Paulo Catarino entre outubro de 2005 e março de 2016 – ter feito dois negócios com o grupo Lena, também durante o seu mandato como autarca, e que também constam dos autos da Operação Marquês. 

Um dos negócios – já revelado pelo SOL na semana passada – diz respeito à sociedade constituída em 2007 entre a câmara e a Lena Ambiente, com a compra de uns terrenos e do edifício da fábrica Sotima, que tinha falido meses antes.

Em 2015, o Correio da Manhã escreveu que a compra da Sotima custou 893 mil euros dos quais 300 mil euros foram suportados pela autarquia.

Foi assim que nasceu o PEPA, o Parque Empresarial de Proença, onde funcionavam três empresas do grupo Lena: a VSA, a imobiliária Silviproença e a Lena Ambiente, escreveu ainda o CM. O jornal diz também que a sociedade teve origem numa empresa imobiliária, a Blanche, que pertencia ao grupo Lena e que tinha sede em Lisboa.

Mais tarde, em 2011, a autarquia acabaria por comprar a parte da Lena Ambiente na sociedade, que era de 75%, pela qual pagou 961 mil euros. Ou seja, a Lena Ambiente lucrou 68 mil euros com o negócio.

 Questionada pelo SOL, a autarquia diz que o objetivo do Parque Empresarial passava por combater a «falta de oferta de área industrial» e para atrair «empresas e consequentemente capacidade de fixação de pessoas e criação de emprego». Já a venda da quota da Lena Ambiente à autarquia, de acordo com o atual presidente da Câmara de Proença-a-Nova, também do PS, João Lobo, foi decidida depois de o grupo Lena não ter ganho o concurso para a construção da central de biomassa. Terá sido por isso que a empresa «manifestou o interesse em alienar a sua participação» sendo que o município «adquiriu a participação que a Lena Ambiente detinha no capital do PEPA, pelo seu valor nominal, não havendo qualquer ganho na transação», refere João Lobo.

O outro negócio com a Lena, e que também consta dos autos da Operação Marquês, foi o da adjudicação da obra da escola básica e jardim de infância de Proença-a- Nova, através de ajuste direto, à construtora Abrantina, que na altura era do grupo Lena e realizou muitas das obras de reconstrução das escolas básicas através da Parque Escolar. 

A data do contrato é de agosto de 2009 com o custo previsto de 1.285.965,56 euros. A autarquia diz que a obra foi executada dentro do prazo de um ano e que ficou concluída por um valor inferior em 6.406,08 euros, ou seja, um total de 1.279.559,48 euros. Na altura, diz ainda João Lobo ao SOL, foram convidadas outras duas construtoras para apresentar propostas para a obra, a MRG – Manuel Rodrigues Gouveia, S.A. e a HCI – Construções, S.A.

 

Avença a Sofia Fava

Antes dos negócios com o grupo Lena, em 2006, a Câmara de Proença-a-Nova firmou um contrato de prestação de serviços, durante nove meses, com a ex-mulher de José Sócrates, Sofia Fava, para consultoria em projetos da área do ambiente.

De acordo com o documento a que o SOL teve acesso, o contrato de avença teve início a 31 de janeiro de 2006 – quando Sócrates já era primeiro-ministro – e Sofia Fava recebeu 700 euros mensais que, no total dos nove meses, resultaram em 6.300 euros. 

Tal como os negócios com Carlos Santos Silva e com o grupo Lena, a avença da câmara com Sofia Fava têm data posterior à passagem de João Paulo Catarino pelo Governo de José Sócrates, como adjunto de Ascenso Simões. Cargo que João Paulo Catarino exerceu entre abril e outubro de 2005, assumindo, posteriormente, a presidência da câmara durante 12 anos. 

À data do contrato com Sofia Fava, a autarquia mantinha outros cinco contratos de prestação de serviços com outras pessoas e entidades e a única remuneração que ultrapassou a quantia paga a Sofia Fava, coube a uma empresa que realizou um estudo de promoção da central de energia de biomassa, com um valor de 50 mil euros.

Todos os outros contratos de prestação de serviços foram firmados com valores de menos de metade do que foi pago à ex-mulher de José Sócrates.

Uma decisão que o atual presidente da autarquia, João Lobo, disse ao SOL ter sido de «exclusiva» responsabilidade do então autarca, João Paulo Catarino.

Fontes próximas da autarquia dizem ao SOL que os funcionários não tinham conhecimento da prestação de serviços de Sofia Fava.

No entanto, o atual presidente da câmara garante que o contrato de prestação de serviços com Sofia Fava era do «conhecimento público, através do documento de prestação de contas do município».

A câmara diz ainda ao SOL que contratou a ex-mulher de José Sócrates devido à sua «formação académica» e ao «reconhecido percurso profissional», sendo que os serviços contratados diziam respeito a «colaboração no apoio de estruturação do sistema de informação geográfica, à elaboração do processo conducente ao projeto: concelho carbono 0 (zero), e à preparação de candidaturas e conceção geral de projetos de desenvolvimento local e ambiental».

O SOL sabe que João Paulo Catarino é amigo de longa data da ex-mulher de José Sócrates, tendo estudado juntos em Castelo Branco. Além disso, foram colegas de trabalho no Centro Nacional de Informação Geográfica.