Margarida Balseiro Lopes. ‘O PSD já está pacificado’

Líder da JSD admite que os partidos correm o risco de se tornarem ‘obsoletos’ e que precisam de mudar. E conta que entrou para a JSD por causa de uma discussão com uma militante comunista

No discurso que fez aqui no Parlamento, no 25 de Abril, disse que os políticos nem sempre ouvem o que o povo reclama. Estava a pensar em algum assunto em concreto?

Para mim, o maior exemplo disso é o combate à corrupção. Na altura, as pessoas falavam sobre corrupção, mas a classe política estava completamente alheada. O tema não tinha entrado na agenda política. A verdade é que temos assistido a uma mudança. Ainda não é suficiente, mas pelo menos o elefante na sala já é notado. Uma das coisas que mais me incomoda é quando as pessoas dizem que os políticos são todos iguais. Não quero essa generalização que é uma nuvem que afeta todos e que só serve os prevaricadores e os menos sérios. Aqueles que são sérios não querem ser confundidos com a parcela pequena daqueles que não se dão ao respeito. Nós temos vários casos. 

Os portugueses têm uma ideia negativa dos políticos?

Isso é uma evidência. Quem quiser contrariar isso está muito desfasado da realidade.

Acha que há uma diferença…

Uma diferença entre o país político e o país real? Muitas vezes existe. Por vezes, os interesses partidários e as dinâmicas partidárias não são coincidentes com aquilo que é a perceção da opinião pública. É muito importante não haver essa dissonância. Nós estamos aqui a representar pessoas e se aquilo que lhes estamos a comunicar não lhes chega ou não é percecionado da forma correta é porque não estamos a cumprir o nosso papel. 

Como vê o aparecimento de fenómenos como o de Bolsonaro no Brasil?

É a falência do regime que leva ao aparecimento de fenómenos como o Bolsonaro. Foi a falência do PT que levou a que o candidato da extrema-direita tivesse a vitória que teve. E acho que aqui em Portugal também temos de ter essa noção. Não tivemos, felizmente, o aparecimento de fenómenos populistas ou extremistas, mas a verdade é que a abstenção demonstra que há um grande desencantamento e descontentamento com a classe política. Esse alerta deve ser percebido.

Como se muda isso?

Credibilizando o sistema e sei que esse também é um compromisso que o presidente do partido tem. Foi uma das principais bandeiras que apresentou. 

A forma como os partidos funcionam não ajuda a criar essa ideia negativa?

Os partidos continuam a funcionar como funcionavam há quarenta anos. O PSD está a trabalhar no sentido da modernização do partido e há o reconhecimento de que temos de acompanhar essa mudança. Se os partidos não seguirem esse caminho correm o risco de serem ultrapassados e considerados obsoletos. 

Foi aprovado esta semana o último Orçamento do Estado do Governo socialista. Acreditava que esta solução política entre o PS e os partidos à sua esquerda pudesse cumprir a legislatura?

Julgo que muito pouca gente adivinhava que fosse este o desfecho e que conseguissem levar a legislatura até ao fim. A verdade é que muitos poucos de nós acreditávamos que o Bloco de Esquerda e o PCP vendessem as suas convicções em troca de algumas medidas.

Todos os partidos que entram numa coligação são obrigados a fazer cedências. Não é natural que a esquerda também faça cedências?

Há diferenças profundas que separam o Bloco de Esquerda, o PCP e o PS. A questão da permanência na União Europeia, a questão do euro… Há divergências que vão muito além de questões pontuais. A grande surpresa foi o facto de o Bloco e o PCP terem sido bastante pragmáticos e abdicado de parte daqueles que eram os seus princípios.

Não é bom para o sistema político ter a esquerda disponível para participar em soluções governativas? 

Não é bom para o país. Isso nota-se neste orçamento. Como estes partidos têm divergências profundas, o orçamento é uma espécie de leilão de medidas. São dispersas e não têm coerência. Nunca o investimento público teve um corte tão acentuado em mais de quarenta anos de democracia. E depois temos medidas avulsas como a questão das propinas. 

Não concorda com a redução das propinas?

A consequência da redução da propina em 212 euros, que é para aqueles que pagavam propina máxima e importa dizer que a maior parte das instituições não aplicava a propina máxima, vai levar a que milhares de estudantes bolseiros percam o acesso à sua bolsa de estudo. Do ponto de vista social é uma injustiça tremenda. O principal problema que nós temos no ensino superior, que é a questão do alojamento, não teve nenhuma resposta. Uma família de classe média não tem 400 ou 500 euros para dar por um quarto e a verba do Governo neste orçamento para o alojamento é zero. A consequência é, em alguns casos, abandonarem o ensino superior.

Tem a mesma opinião sobre a decisão de oferecer os manuais escolares a todos os alunos?

Em primeiro lugar, não é para todos. É uma medida para os alunos da escola pública e há muitos alunos carenciados que não estão na escola pública. Estão, por exemplo, nos colégios com contratos de associação. É uma medida discriminatória. Em segundo lugar, aquilo que, do ponto de vista ideológico, fazia sentido era que se oferecesse a quem precisava. Não faz sentido nenhum estar a gastar dinheiro para oferecer manuais a quem não precisa. Quem fica prejudicado é quem mais precisa. É obviamente uma medida simpática, mas, do ponto de vista social, não é justa. Estamos a dar e a gastar recursos públicos com quem não precisava dessa ajuda e podia continuar a pagar esses manuais.

O PSD, se for para o Governo, acabará com os manuais gratuitos?

A discussão que nós devíamos estar a fazer era sobre o investimento nas escolas e os conteúdos digitais. Este Governo e os partidos que o apoiam estão completamente a leste desta discussão. Era claramente necessário investir em escolas. Há salas de aulas em que continua a chover. Estamos a falar de escolas que volta e meia são encerradas por falta de condições.

A degradação dos serviços públicos não é o preço a pagar por cumprir as regras europeias?

Não. Não é obrigatório dar manuais aos ricos e aos pobres. Se não dessem aos ricos o dinheiro podia ser canalizado para este tipo de coisas. Há opções políticas.

Também não concorda com o aumento dos salários dos funcionários públicos?

O aumento dos funcionários públicos é uma medida de elementar justiça. Foram dos principais prejudicados durante a crise. A minha mãe é funcionária pública e recorda-se do aumento feito antes das eleições e depois do corte de 10% que levou. Aqui a preocupação passa por garantir que não se está a repetir aquilo que aconteceu há dez anos, porque, de facto, os funcionários públicos tem sido muito massacrados devido a más opções. 

Se nenhum partido conseguir a maioria absoluta encara a possibilidade de uma aliança entre o PSD e os socialistas?

O PSD não deve ir para o Governo a todo o custo. Não deve fazer aquilo que o PS fez e que o PSD, na altura, criticou. O PSD tem de mostrar que tem uma alternativa para voltar a ganhar as eleições legislativas. Tem de lutar para ter os votos suficientes para conseguir exercer o seu mandato no Governo sem estarmos reféns do PS.

Não simpatiza com o Bloco Central.

Não. Eu associo, muitas vezes, o Bloco Central a um bloco de interesses e acho que é a última coisa que o PSD deve fazer. O PS tomou uma opção muito clara há três anos que foi mudar-se drasticamente para a esquerda e abandonar o centro político. O PSD está no sítio onde sempre esteve, mas o PS escolheu outro caminho. Se assistir a várias intervenções de vários deputados do partido socialista, um deles [João Galamba] até foi agora para o Governo, há muito poucas diferenças entre o discurso do PS ou do Bloco de Esquerda.

O PSD está a fazer uma boa oposição ao Governo socialista ou ainda não conseguiu ultrapassar as divergências internas que surgiram na sequência da saída de Pedro Passos Coelho?

Nos meses que se seguiram à eleição do atual presidente do partido houve a necessidade de arrumar a casa e constituir a equipa. Houve alguns episódios que não correram tão bem, mas acho que agora as coisas estão a correr bem.

Houve muita gente dentro do PSD a colocar em causa a estratégia de Rui Rio.

Houve tempos mais conturbados. Isso foi público. Mas acho que as coisas já estão pacificadas.

Julga que já é claro para todos no PSD que Rui Rio é a pessoa certa para se candidatar a primeiro-ministro daqui a um ano?

Creio que ninguém terá dúvidas relativamente a isso.

Independentemente do resultado do PSD nas eleições europeias?

Sim. 

As sondagens não são boas para o PSD. 

Um ano antes das eleições de 2015 era impensável o PSD ganhar as eleições e ganhou-as. Um ano em política é muito tempo. Houve mais greves em três anos deste Governo do que em quatro anos do anterior. São sinais que deixam tudo em aberto para as eleições do próximo ano. Há cada vez mais a noção da degradação dos serviços públicos. Há escolas sem funcionários, as pessoas estão dois ou três anos à espera de uma consulta… Isso são coisas que as pessoas sentem. Ainda falta muito tempo para as eleições. 

Não apoiou o atual líder do PSD nas eleições internas…

Não apoiei ninguém mas assumi publicamente que tinha votado em Santana Lopes.

Ficou desiludida por Santana Lopes ter abandonado o partido tão pouco tempo depois de se ter candidato à liderança?

Fiquei triste porque estamos a falar de um ex-presidente do partido, mas foi uma opção que fez e devemos respeitar.

Acha que a Aliança pode roubar votos ao PSD?

Acho que o PSD não tem de recear a Aliança como não tem de recear o CDS ou o PS. Acho que, eventualmente, pode ser útil para aqueles abstencionistas que não se têm identificado com nenhuma das alternativas. Pode eventualmente ser importante para reduzir a abstenção. 

Cavaco Silva escreveu um livro em que fala dos tempos da troika. Percebe-se que discordou de muitas medidas pensadas pelo Governo. Como viveu esses tempos como militante do PSD?

É impossível concordarmos com tudo. Do ponto de vista intelectual seria esquisito concordar com todas as opções de um determinado Governo. Mas acho que o PSD não se desviou daquela que era a sua matriz social-democrata. Estamos a falar de um Governo de emergência nacional e os portugueses perceberam o que se passou e reconheceram isso dando a vitória à coligação nas eleições legislativas.

Foi a Belém pedir a Marcelo Rebelo de Sousa para se recandidatar. Gosta do estilo do Presidente da República…

Tenho uma opinião muito boa do Presidente da República. Quando falamos da questão do afastamento entre os cidadãos e os políticos, o Presidente tem feito com que muita gente volte a acreditar nos políticos. É importante que exista essa proximidade entre as pessoas e, neste caso, o chefe de Estado.

Julga que Marcelo Rebelo de Sousa vai recandidatar-se?

Acredito que sim. Acho que era importante. Na primeira audiência que nos concedeu, logo a seguir à nossa eleição, a JSD ofereceu-lhe uma prancha de bodyboard a pedir a recandidatura dele em 2021. O balanço que fazemos é claramente positivo. 

Nasceu e cresceu na Marinha Grande. Isso teve alguma influência?

Houve algumas circunstâncias que foram importantes para o meu percurso. Desde logo o facto de ser da Marinha Grande. Acabei por me inscrever na JSD por causa das discussões que tinha no liceu com uma militante do Partido Comunista. Numa dessas discussões, quando eu tinha 15 anos, ela disse-me: ‘Com essa ideologia devias era inscrever-te na JSD’. Quando cheguei a casa fui perguntar ao meu pai, que é jornalista, como é que funcionavam os partidos. E, portanto, a Marinha Grande foi importante, porque permitiu que eu tivesse sempre uma grande tolerância à diferença. Ainda hoje sou deputada na Assembleia Municipal da Marinha Grande. Sou a única deputada do PSD. Tanto a Marinha Grande como a figura do meu pai foram muito importantes para o meu percurso. 

Tem vários familiares que pertencem ao Partido Socialista.

A maior parte é do PS. Um dos meus irmãos até é dirigente do PS.

Nunca pensou em inscrever-se no Partido Socialista?

Não. Há várias diferenças, como, por exemplo, o papel do Estado. Para o PS o Estado está presente em quase tudo e deve dizer-nos o que temos de fazer. A forma como um de nós deve ser livre nas opções que vai fazendo. Costumo dar o exemplo daquela medida de tirarem os croquetes dos hospitais. Acho que os políticos devem fazer com que as pessoas tomem essas opções em consciência, mas não devemos retirar-lhe essa opção. Há diferenças significas que fizeram com que eu optasse pelo PSD. 

Há quem não veja grandes diferenças. José Sócrates até disse uma vez que ele era o líder que a direita sempre quis ter.

Acho que hoje nem o PS gosta de dizer que foi liderado por José Sócrates. 

Foi deputada muito jovem. Adaptou-se bem ao Parlamento? 

 Nos primeiros tempos terá havido algum paternalismo, mas é uma coisa que dura pouco tempo. Nós valemos pelo trabalho que fazemos e acho que já não olham para mim como a mais nova da bancada do PSD. Gosto de ser deputada. Não apenas por aquilo que conseguimos fazer. A minha maior frustração como deputada é perceber que há propostas que nós apresentamos que são chumbadas porque são do PSD e depois o PS apresenta uma proposta idêntica e já é aprovada. Isso é frustrante. Mas também há dias felizes quando conseguimos resolver problemas concretos das pessoas. 

Gosta dos debates ou às vezes acha que são cansativos?

Gosto dos debates, naturalmente, mas às vezes não são muito produtivos. 

Os deputados são muitas vezes criticados nas redes sociais. Mesmo esta semana a deputada Isabel Moreira estava a pintar as unhas e foi muito criticada.

Não dá uma imagem de grande respeito do trabalho dos deputados, naturalmente, mas já terá havido alguma censura pública desse comportamento.