O valor da venda do fundo da Herdade da Comporta vai ser usado quase na totalidade para pagar a dívida à Caixa Geral de Depósitos (CGD), que já ultrapassa os 119 milhões de euros, aos quais se somam mensalmente juros de 850 mil euros, e que já está incumprimento há mais de dois anos. Um crédito em falta que tem merecido toda a atenção do banco público. Ainda esta semana, o presidente da Caixa garantiu que quer ver «os seus interesses defendidos».
«A Comporta é um assunto muito sério que a CGD está a acompanhar com muita atenção e, em primeiro lugar, a Caixa viu com satisfação o facto de ter havido, por parte da sociedade gestora […] um acordo», indicou Paulo Macedo, lembrando que «é preciso que [o acordo] seja aprovado na assembleia de participantes».
Isto significa que, face a esta atenção acrescida por parte da Caixa, tudo será feito para evitar que haja alguém que queira «impugnar ou fazer qualquer espécie de ato menos adequado no sentido de prejudicar os interesses dos credores e o próprio desenvolvimento do projeto». E caso isso aconteça Macedo deixou um recado: «tiramos daí as devidas consequências porque esta é uma situação essencial para os interesses da Caixa».
Mas além da regularização desta dívida, terá ainda de ser pago cerca de um milhão de euros à Deloitte, entidade que supervisionou o processo concursal iniciado em 22 de agosto. Aliás, o contrato de promessa de compra e venda entre o consórcio Vanguard Properties/ Amorim Luxury e a Gesfimo foi assinado, a 23 de outubro, nas próprias instalações da consultora.
A esta soma há que juntar ainda o pagamento na ordem dos seis milhões de euros a fornecedores e outros 30 milhões à Rio Forte que detém cerca de 58% deste fundo. E apesar de não ser conhecido o valor oficial apresentado por este consórcio, o SOL sabe que os pequenos acionistas do fundo – que no total rondam os 80 – vão sair prejudicados com esta venda, uma vez que, a verba já está toda canalizada para os maiores credores.
No anterior concurso a proposta de Claude Berda e Paula Amorim totalizava 147,4 milhões: 28 milhões em dinheiro e a assunção dos 119,4 milhões de dívida à CGD (à qual o fundo não paga juros há quatro anos). Este consórcio dizia que a proposta valia, na verdade, 156,4 milhões, porque não incluía os créditos do fundo sobre a DCR & HDC (avaliados em 8,2 milhões) nem os lotes das Casas da Encosta (avaliados em 852 mil euros).
A decisão de venda caberá agora aos acionistas que vão estar reunidos em Assembleia-geral no final de novembro. Mas até lá será divulgada aos participantes do fundo o valor final da oferta. Esse acordo também terá de ser divulgado ao Ministério Público e ao Tribunal Central de Instrução Criminal, uma vez que os ativos da Comporta estão arrestados pelo Estado português e, para que sejam vendidos, o Ministério Público terá de autorizar o levantamento desse arresto.
Se essa autorização não for concedida e a venda não se concretizar, a herdade corre o risco de entrar em insolvência. Aliás, isso já aconteceu em outubro do ano passado depois do empresário Pedro Almeida ter feito uma oferta, nesse verão. Na altura, o Ministério Público não levantou o arresto da Herdade da Comporta – à época, a avaliação era de 420 milhões de euros -, rejeitando a venda da propriedade por considerar que o processo não reunia condições de «isenção, transparência e objetividade». O empresário pretendia transformar a Comporta num «resort exclusivo e altamente atrativo para o mercado internacional». E tinha como objetivo passava por comprar também a Herdade da Comporta – Atividades Agrossilvícolas e Turísticas, a empresa que gere os arrozais da zona.
Um desfecho que não agradou a todos os pequenos acionistas. O SOL sabe que, caso a alienação tivesse sido concretizada, estes continuariam ligados ao projeto. Em cima da mesa estava a venda apenas dos 58% detidos pela Rio Forte, os restantes 42% continuariam nas mãos dos participantes do fundo, ao contrário do atual processo em que a alienação será de 100%.
História de impasses
A venda que ficou sem efeito ao empresário Pedro Almeida não foi o único impasse que este processo sofreu. Os problemas económicos têm vindo a agravar-se e o cenário de insolvência tem-se tornado cada vez mais real no caso de não ser encontrado um desfecho favorável. Aliás esse risco chegou a ser admitido pela Gesfimo e pelos responsáveis da insolvência da Rioforte. Também a caducidade das licenças camarárias ditaram vieram agilizar este processo de venda.
Todos estes obstáculos, a par da pressão dos credores, levaram a sociedade gestora a convocar uma Assembleia-Geral para 18 de dezembro do ano passado. A ideia era que todos os participantes se pronunciassem sobre a necessidade de um aumento de capital de forma a evitar a curto prazo a insolvência do fundo. Esta AG acabou por ser adiada para 4 de janeiro deste ano por falta de quórum, mas ficou decidido que se iria realizar nesse dia, independentemente do número de participantes, tal como está previsto nos estatutos.
Mas o SOL sabe que desde aí a AG foi sendo sucessivamente adiada a pedido do Novo Banco _ que detém 15% do fundo – até que a 20 de abril revela que não tem interesse em levar a cabo um aumento de capital. Só a partir dessa altura é que surgem os três interessados na compra da herdade. O consórcio Oakvest/Portugália/Sabina, o consórcio de Paula Amorim que assinou agora o acordo e uma terceira proposta apresentada pelo francês Louis-Albert de Broglie.
O primeiro chegou a ser escolhido pela sociedade gestora por apresentar o valor mais alto (na ordem dos 160 milhões de euros), mas em AG realizada a 27 de julho, mas os participantes do fundo imobiliário acabaram por aprovar o adiamento desta decisão.
Segundo a Rio Forte e o Novo Banco – os dois maiores participantes no fundo, já que juntos representam 74% das unidades de participação – este adiamento deveu-se à falta de «elementos de informação inequívocos para valorar e hierarquizar as propostas recebidas» e do facto de nenhuma das ofertas contemplar «a globalidade dos ativos» à venda nem atingir os valores apontados pelos avaliadores independentes.
As duas entidades «consideram também que só com a imposição de regras claras, transparentes e profissionais se poderá concluir com sucesso este processo». Desta forma, foi dado um novo prazo até 20 de setembro para a formulação das suas ofertas que não só teriam de ser todas vinculativas como também teriam de estar cobertas por cartas de conforto dos bancos. Só o consórcio Amorim/Vanguard é que avançou. Os anteriores interessados desistiram e o consórcio que integrava a Portugália acabou por desistir, alegando que as regras do novo concurso não lhe foram comunicadas, «apesar dos esclarecimentos pedidos junto da sociedade gestora».
Essa desistência foi anunciada em setembro e, na altura, revelou que ia fazer valer «os seus direitos legais» e explicou que não estava.disponível para entrar num novo processo, «do qual não conhece o caderno de encargos e não oferece o mínimo de garantia de que nele não venha a suceder um mesmo desfecho do concurso anterior com acrescidos e significativos custos» para esta parceria.