As imagens da ArTv denunciaram que foi a deputada do PSD Emília Cerqueira que usou o computador onde foi registada a presença de José Silvano nos dois dias de plenário em que o secretário-geral dos sociais-democratas faltou por estar a acompanhar Rui Rio em ações no país.
Ontem, Emília Cerqueira uma conferência de imprensa, no Parlamento, e assumiu que tem a palavra-passe do secretário-geral do PSD para poder consultar documentação, e que não é a única. «Tenho a palavra-passe de José Silvano e não sou só eu», afirmou, acrescentando que «há documentação que está apenas acessível no computador dele e a que é impossível aceder no meu».
A social-democrata referiu que a troca de palavras-passe entre os deputados é uma prática comum. «Tenho as passwords de alguns colegas, como eles têm a minha, o que faz parte do trabalho de qualquer organização», explicou.
Contudo, esclareceu que, «ao contrário do que dizem», não marcou presença pelo deputado José Silvano: «Não o fiz, pelo menos propositadamente. Percebo agora que o fiz inadvertidamente». A deputada do PSD eleita por Viana do Castelo explicou que, no Parlamento, não existe uma palavra-passe para marcar presenças, mas sim para ter acesso aos computadores: «Agora percebo que, não tendo o senhor deputado entrado no computador antes de mim, isso funcionou como presença».
Como justificação para não ter falado mais cedo sobre o assunto, Emília Cerqueira afirmou que nunca pensou «que isto tivesse esta repercussão e estas consequências». E decidiu pronunciar-se ontem para impedir «que esta situação de lamaçal continue».
A social-democrata classificou a polémica como um «circo mediático». «São todos umas virgens ofendidas numa terra onde não há virgens», disse num tom nervoso e inflamado.
Para Emília Cerqueira, a polémica foi originada «provavelmente» por alguém do próprio PSD e resulta num «ataque à direção de Rui Rio». «Fico muito triste que um colega, provavelmente do PSD, tenha feito um print screen do ecrã e tenha começado esta polémica», afirmou.
Deputados negam troca de palavras-passe
O deputado do CDS João Almeida nega que a troca de palavras-passe seja comum. «No Parlamento, como em qualquer outro lugar, cada um fala por si. Ninguém tem a minha password, nem eu tenho a de ninguém. Esta é a prática que conheço», escreveu no Twitter.
No mesmo sentido, o centrista António Carlos Monteiro afirmou que não tem a palavra-passe de ninguém e que ninguém tem a sua. «As palavras passe são pessoais e intransmissíveis», sublinhou também através do Twitter.
O presidente da Assembleia, o socialista Ferro Rodrigues, também já veio a público afirmar que as passwords dos deputados são «pessoais e instranmissíveis».
O que eles disseram
Assunção Esteves
A antiga presidente da Assembleia da República prefere não se alongar nas palavras sobre a polémica em torno das faltas do deputado José Silvano por «uma questão de lealdade para com a instituição» a que presidiu. Contudo, afirma ao SOL que «os deputados não são funcionários públicos» e que, por isso, «devem ter alguma maleabilidade no exercício da política, dentro e fora, do Parlamento». E acrescenta que «a questão das faltas não é o mais importante».
Paula Teixeira da Cruz
A ex-ministra da Justiça defende ao SOL que o caso das faltas do secretário-geral do PSD lançou um «anátema sobre toda a bancada do Partido Social-Democrata». «Eu não a aceito e lamento», afirma. Apesar disso, Paula Teixeira da Cruz esclarece que acontecem vários destes «fenómenos» no Parlamento e que «não são exclusivos» da bancada laranja.
Para a deputada do PSD, a situação é «lamentável» e contribui para a má imagem que os cidadãos têm do Parlamento. «E o Parlamento dá-lhes razão nessa perceção. O que também é injusto para aqueles que trabalham, porque depois é muito fácil confundir a parte com o todo», alerta.
Questionada sobre se José Silvano se tornou um problema para o PSD, Paula Teixeira da Cruz disse que isso «depende da consciência do presidente do partido e da consciência do próprio secretário-geral». A social-democrata afirma que não sabe o que se passou ao certo e que, portanto, não pode indicar quais as consequências. «Agora que o episódio em si é um episódio desprestigiante, lá isso é», acrescenta.
A antiga ministra da Justiça afirma que esta pode ser «uma oportunidade para a Assembleia da República repensar o seu funcionamento». E deixa um recado a Rui Rio: «A ética não se apregoa, pratica-se».
Carlos Carreiras
O presidente da Câmara Municipal de Cascais garante ao SOL que o caso de José Silvano não é exemplo único de falsas presenças de deputados nos plenários na Assembleia da República, mas não adianta outros. «Acho que se trata de um bom exemplo de hipocrisia nacional, porque, tanto quanto possa saber, não foi o único, não é o único e provavelmente não será o único», atirou.
Sobre o PSD, Carlos Carreiras afirma que o caso só assume uma relevância maior devido ao «banho de ética que o presidente do partido quis impor». «Aqui fica demonstrado que o banho de ética é, afinal, uma banhada de ética. Mas não deixa de estar envolvido na hipocrisia nacional», defende.
Guilherme Silva
O antigo vice-presidente do Parlamento e ex-dirigente do PSD estranha a polémica, uma vez que afirma não ter «memória desse tipo de procedimento» – de uns deputados poderem aceder ao computador de outros. «Até estava convencido de que a informática tinha evoluído o suficiente para esse acesso estar bloqueado relativamente ao computador do deputado», refere ao SOL.
Ribau esteves
O presidente da Câmara Municipal de Aveiro diz ao SOL que espera que o caso de Silvano seja clarificado, para que se acabem com os «filmes» que são prejudiciais para a democracia. «Isto é uma telenovela, com episódios diários. Depois, o líder do partido fala alemão… Isto é um filme», afirma.
José Ribau Esteves refere ainda que «quem tiver de intervir, seja a Assembleia da República ou a Procuradoria-Geral da República» deve fazê-lo rapidamente.
O antigo secretário-geral social-democrata lembra que este caso «envolve um órgão de soberania, um deputado – que é secretário-geral do maior partido da oposição – e que pode envolver mais deputados» e, portanto, merece um esclarecimento «claro e cristalino». Quanto ao PSD, o autarca afirma que o partido deve pressionar para que as explicações apareçam o mais rapidamente possível. «A Assembleia que verifique se José Silvano fez ou não alguma coisa de incorreto e ilegal ou não. Há que haver pressão sobre a Assembleia da República e, se houver indício criminal, a Procuradoria tem de agir também», acrescenta.
Santana Lopes
O fundador do partido Aliança e antigo militante do PSD considerou que um deputado declarar uma falsa presença é «gravíssimo», ressalvando, contudo, não estar a comentar o caso concreto de José Silvano. Santana Lopes foi questionado sobre a polémica no final de uma audiência concedida pelo Presidente da República ao partido Aliança, no Palácio de Belém, na quinta-feira.
«A Aliança censura qualquer forma de comportamento indevido, nomeadamente ao nível do Estado, que se traduza na violação dos deveres de honestidade, de seriedade», reiterou.
O antigo primeiro-ministro lembrou que o próprio deputado negou ter feito algo de indevido. E salientou que agora cabe às entidades competentes averiguar. «Coitadas, não param, têm muito trabalho. Estarão a investigar», referiu.
«A mim não me passa pela cabeça – já exerci muitas funções públicas, privadas – que alguém seja remunerado ou diga que esteve presente num sítio onde não esteve. Ainda mais quando está a representar, que é algo de sagrado, os seus concidadãos», defendeu Santana Lopes.