O discurso interno no PSD mudou: quem até há poucos meses assegurava que a intriga e a insatisfação não teriam consequências já não garante a permanência de Rui Rio na liderança do PSD até às legislativas. O problema? O presidente social-democrata sempre fez o discurso da ética na política e, agora, sofre mais um revés nesse campo: o seu secretário-geral, José Silvano, viu-se envolvido numa polémica com o registo de falsas presenças em duas sessões plenárias no Parlamento.
A gestão do caso deixou vários dirigentes e antigos deputados em choque, «envergonhados», segundo a versão de um ex-deputado, admitindo-se novamente a tese de um congresso extraordinário.
O líder social-democrata segurou o seu secretário-geral, alinhou o discurso de reação na passada quarta-feira, onde Silvano surgiu com o registo de homem honrado, que nada teme.
A direção nacional do PSD também acertou a estratégia, segundo apurou o SOL, com a deputada Emília Cerqueira, a autora da introdução da password do deputado no sistema do Parlamento, nos dias em que José Silvano estava ausente de Lisboa, em trabalho político. As explicações da deputada deixaram várias pontas soltas, nomeadamente, a partilha da password que estatutariamente é «pessoal e intransmissível», e o facto de ter esperado quase uma semana para assumir a responsabilidade da polémica lançada pelo semanário Expresso.
Ataque interno contra Rui Rio
Na direção social-democrata, a ordem é simples: a melhor defesa é o ataque, por isso, o discurso será sempre o mesmo.
A dimensão mediática do caso serve para atacar Rui Rio, até porque a origem do problema terá estado no interior do próprio partido. A ideia foi, aliás, verbalizada pela deputada Emília Cerqueira, na conferência de imprensa em que lamentou que alguém do PSD tenha dado um «print screen» de um computador da bancada laranja. E a tese da cabala interna é reiterada por vários membros da direção de Rui Rio.
Adão Silva como hipótese
O próprio José Silvano já assumiu as faltas no sistema, mas a sua permanência no cargo de secretário-geral só depende da vontade de Rui Rio. Entre os sociais-democratas ouvidos pelo SOL, há quem acredite que o senhor que segue é vice-presidente da bancada Adão Silva.
Esta hipótese seria uma terceira escolha para o presidente do PSD, que já teve de deixar cair Feliciano Barreiras Duarte, por causa das dúvidas no currículo. Mas o líder do PSD está apostado em manter o secretário-geral, porque, caso contrário, teria de levar a solução a Conselho Nacional.
«Uma situação destas obriga a que haja substituição em Conselho Nacional do secretário-geral. E é voto secreto. Acho que aí é arriscar muito e o Rio não tem maioria no Conselho Nacional», frisa ao SOL um destacado membro do Conselho Nacional social-democrata.
Silvano deixou um lastro de irritação dentro da bancada do PSD, porque lançou a suspeição de que alguém poderia ter usado a sua password. Agora, o debate sobe de tom, depois da assumida a responsabilidade pela deputada Emília Cerqueira. «Num mundo normal caíam os dois: Rui Rio e José Silvano», frisa ao SOL um antigo dirigente.
No PSD a agitação aumentou, com pressão junto de figuras como Luís Montenegro, Carlos Carreiras e até Miguel Pinto Luz.
O antigo líder parlamentar, Luís Montenegro, que será a solução para muitos militantes do PSD, tem, porém, insistido que não será por ele que Rio cairá. O SOL tentou contactá-lo, mas sem êxito.
De qualquer forma, em declarações à TSF, o ex-líder parlamentar não se escusou a falar sobre a hipótese até do regresso de Pedro Passos Coelho à liderança do partido, no caso de o PSD perder as próximas legislativas. «É uma reserva do PSD e é também uma reserva do país», disse. Montenegro admitiu que, «se houver uma circunstância em que o partido tenha necessidade de procurar uma referência, um líder, ele [Passos Coelho] tem idade e crédito para poder ser esse protagonista».
Já Pedro Duarte, outra personalidade com ambições de presidir ao PSD, não quis tecer qualquer comentário sobre o caso.
O silêncio também impera, aliás, entre os dirigentes distritais, que recebem, por estes dias, os vice-presidentes do partido e deputados para debater alternativas ao Orçamento do Estado. A direção, apurou o SOL, está a remeter todas as declarações sobre Silvano e a gestão do processo para David Justino, que se desdobrou ontem em declarações tanto à TSF como à SIC. A estratégia é a de cerrar fileiras.
Morais Sarmento, por exemplo, esteve na reunião da comissão distrital do PSD/Lisboa na passada quinta-feira e voltou a defender a estratégia de Rio. Ao i, chegou a dizer, durante a semana, que não iria acrescentar mais nenhuma palavra sobre o caso Silvano, face às declarações de Rio. Que o defendeu vezes sem conta e, até, em alemão, quando respondeu aos jornalistas, em Helsínquia, que não percebia do que estavam a falar. Os jornalistas de três televisões queriam saber o que pensava o presidente do PSD sobre a análise do Ministério Público às falsas presenças de José Silvano.
A reação em alemão também criou mau estar no partido. «Não gostei de ver o presidente do partido a falar em alemão», disse ao SOL a deputada Paula Teixeira da Cruz.
No grupo parlamentar, o caso tem sido tratado com pinças e o líder da bancada tem remetido o processo para a relação de José Silvano com os eleitores. Questionado pelo SOL sobre se o grupo parlamentar vai alterar as regras internas da bancada para criar sanções sobre o uso indevido de passwords, Negrão limitou-se a dizer: «Nestas situações é aconselhável evitar ruído. Correndo uma apreciação por parte do Ministério Público, deverão suster-se outras diligências a fim de evitar que todos queiram fazer tudo e no fim tudo fique na mesma!».
MP mantém ‘avaliação’
Entretanto, a Procuradoria-Geral da República, contactada pelo SOL após as explicações dadas pela deputada Emília Cerqueira na conferência de imprensa realizada no Parlamento, garantiu que vai prosseguir «os trabalhos de análise de todos os elementos que têm vindo a público» para decidir se abre ou não inquérito sobre o caso de José Silvano.
Recorde-se que o secretário-geral do PSD disse esta semana que, se o Ministério Público não estivesse a analisar este caso, ele próprio exigiria essa investigação.