Há 20 anos, o britânico Lewis Hamilton cruzou-se com Ron Dennis, patrão da McLaren. Na altura, com 10 anos, o então piloto de karts – em que se iniciou na modalidade como grande parte dos automobilistas – preparava-se para receber um prémio pela vitória alcançada no campeonato britânico da especialidade. Nesse evento ficaria muito mais para contar do que o primeiro título de uma carreira de um piloto que viria a torna-se exemplar. Corria o ano de 1995 quando Hamilton, nascido em Stevenage, a norte de Londres, não hesitou em dirigir-se a um dos homens fortes da Fórmula 1 para lhe pedir um autógrafo. E, durante esse curtíssimo encontro, Lewis Hamilton não desperdiçou a oportunidade para revelar um dos seus desejos de criança: “Um dia quero correr nos seus carros”. O desejo podia não ser mais do que uma mera manifestação de vontade, mas Dennis terá achado piada à ousadia do jovem piloto e, devolvendo a folha com a assinatura solicitada, respondeu-lhe: “Liga-me daqui a nove anos, arranjaremos qualquer coisa nessa altura”. A verdade é que a tão desejada nova conversa, desta vez telefónica, com Ron Dennis acabaria mesmo por acontecer, mas, surpreendentemente, muito tempo antes do previsto. Mais precisamente em 1998, seis anos antes. E, ao contrário do que ficara ‘acertado’, foi o patrão da McLaren quem ligou ao jovem piloto, que somava vitórias atrás de vitórias, para o contratar para o programa juvenil da construtora. Com apenas 13 anos, Lewis Hamilton tornava-se oficialmente o piloto mais jovem de sempre a ser contratado por uma equipa de Fórmula 1. “Ele já tinha tido sucesso nos karts, por isso sabia que tinha talento, mas foi mais do que isso – vi algo nos seus olhos. É como conhecer um parceiro para a vida. Conheces essa pessoa e sabes que é aquilo. Há algo na linguagem corporal, no contacto visual, na presença”, explicou Dennis em entrevista ao The Telegraph, em 2008, ano em que o britânico conquistou o seu primeiro título de campeão no ‘grande circo’, entrando mais uma vez para a história, desta feita como o mais novo campeão de todos os tempos, aos 23 anos (recorde que viria a ser batido em 2010 pelo alemão Sebastian Vettel), além de ser o primeiro negro campeão na F1. Esta é, de resto, uma história de sucesso, em que o último capítulo vitorioso aconteceu há dias, com o britânico a conquistar o pentacampeonato na categoria rainha do automobilismo e a igualar em número de títulos o lendário piloto argentino Juan Manuel Fangio (1951, 1954, 1955, 1956, 1957).
Acima de Hamilton, só Schumacher
Entre os karts e a Fórmula 1, Lewis Hamilton ainda teve tempo para vingar na Fórmula Renault, campeonato que ganhou em 2003 depois de se estrear em 2002. Seguiu-se, em 2004, a Fórmula 3 Euroseries, onde voltou a vencer no segundo ano na competição. Foi, depois, para a GP2 Series e, nesta categoria, alcançou o título logo no ano de estreia (2006). Foi, aliás, naquele ano que a McLaren anunciou Lewis Hamilton para 2007, para fazer equipa com o então bicampeão em título, o espanhol Fernando Alonso. No primeiro ano, o britânico esteve no centro das atenções, tendo perdido por apenas um ponto para o finlandês Kimi Räikkönen, depois de ter chegado à última corrida na liderança. Apesar de não ter conseguido a tão ambicionada estreia de sonho, Hamilton não demoraria a confirmar a razão da sua escolha: um ano depois, o britânico sagrava-se campeão mundial pela primeira vez na carreira. Apesar de sempre ter defendido que iria fazer toda a carreira na equipa inglesa, esse sonho já estava concretizado e, depois do título, a McLaren não era suficientemente competitiva para conservar o britânico. Mudou, por isso, de casa. Em 2013, Lewis Hamilton juntou-se à “família” Mercedes e o resto é história: sagrou-se campeão do Mundo em 2014 e 2015 e, agora, voltou a conquistar dois títulos mundiais consecutivos: 2017 e 2018. Aos 33 anos, Lewis Hamilton juntou-se ao clube dos pentacampeões, com Fangio e descolando de Alain Prost (1985, 1986, 1989 e 1993) e Vettel(2010, 2011, 2012 e 2013), ambos tetracampeões. Agora, já só há um nome acima do britânico: o alemão Michael Schumacher, rei dos títulos, com 7 mundiais de F1 conquistados (1994, 1995, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004). É de referir uma pequena curiosidade: tal como Hamilton, o alemão também tinha 33 anos quando foi campeão do mundo pela quinta vez. Igualar Schumacher parece não ser uma missão impossível, não só pelo fator idade, mas sobretudo se tivermos em conta que o britânico foi o MVP da F1 nos últimos seis anos. Confrontado com a possibilidade de atingir esse feito, o britânico confessou não viver obcecado com isso, para além de considerar o piloto alemão, do qual “é fã”, um “génio”. “Não penso chegar a esses números só por ter alcançado este título. Quem sabe se um dia conseguirei alcançar as vitórias do Michael, mas um passo de cada vez, 91 vitórias é um número muito grande. Ainda estou a 20 de distância [Hamilton soma 71 vitórias]. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas vou estar aqui por mais alguns anos, espero pelo menos chegar perto. Seja como for, Michael será sempre um génio, a forma como se implementou na Ferrari e o que conseguiu lá… Serei sempre um fã dele», declarou na conferência de imprensa após o título conquistado no Grande Prémio do México. Naquela conversa com os jornalistas, outra das declarações que mais deu que falar foi ter revelado que a dieta vegan que adotou nos últimos meses tem sido um dos segredos para o sucesso. Desportista notável, a vida de Lewis Hamilton está, porém, muito longe de ser apenas conhecida pelas suas prestações nas pistas.
O império para além dos carros
À parte dos carros, a vida de Lewis Hamilton tornou-se há muito motivo de interesse para os tabloides da imprensa internacional. Os amores e desamores, as paixões para além da velocidade, caso da música e da moda, são, de resto, alguns dos muitos motivos que colocam o britânico na ribalta e no centro das atenções daqueles que nem chegam sequer a acompanhar as provas do piloto na F1. “Primeiro que tudo, sou piloto de corridas, mas estou a tentar tornar-me um empreendedor e ser bem-sucedido nos negócios. Estou definitivamente a tentar construir um império”,
confessou Lewis Hamilton, em entrevista à ESPN. Muito recentemente, o britânico lançou a sua primeira coleção de roupa, em parceria com a Tommy Hilfiger, uma das muitas marcas que têm o nome de Lewis Hamilton associado. “A moda é uma forma de abraçar a minha forma individual de ser e de estar, sendo que gosto de ser arrojado e de correr riscos”, declarou na apresentação da sua linha de roupa TommyXLewis, ainda antes de se sagrar pentacampeão do mundo de F1.
Os contratos publicitários são, aliás, cada vez mais uma constante para aquele que já é considerado um influencer entre a faixa etária mais jovem.
“Estou definitivamente a plantar sementes em outras áreas para ver como elas crescem”, revelou na mesma conversa com a ESPN. “Às vezes começamos uma coisa e depois desistimos porque já não gostamos daquilo, mas vamos ver por quanto tempo essas diferentes sementes que eu plantei vão crescer. Estou definitivamente a tentar construir um império”, continuou. Este ano, Hamilton fez a estreia no álbum de Christina Aguilera, Liberation, com uma participação na música Pipe, depois de nos últimos tempos se ter dedicado a este hobbie sob o pseudónimo XNDA. “A minha ética de trabalho é a mesma das corridas. Mas aqui consigo ser eu próprio”, confessava em 2015. A vida de luxo levada pelo britânico é de resto facilmente comprovável pelas redes sociais. Seja pela presença nas semanas de moda, pelas vestes (ou acessórios, como os brincos, que já são uma das imagens de marca do piloto) ou pelas festas entre os famosos. A somar a tudo isso, os relacionamentos mais ou menos conhecidos do piloto britânico também fazem correr muita tinta. As cantoras Nicole Scherzinger e Nicky Minaj são dois exemplos. A verdade é que tudo isto coloca Lewis Hamilton num outro patamar: de tal forma que o britânico é também o piloto que mais dinheiro ganha (mesmo quando não é campeão). Este ano, segundo números da revista Forbes, aumentou o rendimento de cerca de 38,9 milhões euros para perto de 43,2 milhões de euros (tendo sido o 12.º mais bem pago em 2018, ranking onde Ronaldo foi 3.º, com 94,8 milhões). São 35,5 milhões de euros em salários e 7,6 milhões de euros em patrocínios, valores que, com este quinto título mundial, poderão voltar a disparar.
Consciente de que será para sempre conhecido como piloto de automóveis, Lewis Hamilton confessa que este desporto lhe deu a oportunidade de abrir muitas portas sem estarem relacionadas com o desporto e, no futuro, a única certeza que tem é que além do feito atingido (e do que ainda poderá vir a atingir) na F1 quer ser lembrado por ajudar crianças. “Este desporto criou uma grande base para fazer outras coisas. Sempre quis ter um impacto positivo. Se quero ser lembrado por alguma coisa, será por ajudar crianças em dificuldades a ir à escola. Seja construindo uma escola, incentivando a educação, ajudando pessoas. Não quero que o meu tempo na terra não signifique nada. Tenho a certeza que vocês todos se sentem assim”, garantiu após a vitória no México. “O meu objetivo é não desperdiçar o tempo que tenho”, concluiu o pentacampeão mundial.