Ao contrário do que é habitual, a proposta do PS para baixar o IVA das touradas não foi negociada, nem articulada, entre Carlos César e António Costa. O primeiro-ministro não foi avisado por César de que os deputados socialistas tinham preparado uma alteração ao Orçamento que choca com a intenção do Governo de excluir a tauromaquia da redução do IVA para 6%.
A polémica à volta das touradas parecia um fait divers, mas acabou por tornar-se num assunto sério. Ao ponto de António Costa assumir publicamente que existe uma «divergência» com o grupo parlamentar. A decisão de Carlos César deixou o primeiro-ministro irritado e provocou uma polémica inédita. Costa assumiu mesmo que votaria contra num recado claro para os deputados de que não devem apoiar a proposta do seu próprio partido. «Não me lembro de um problema com esta gravidade. Nem sei como vamos sair disto», confessa um deputado socialista.
Tendo em conta que se trata de uma matéria sensível, Carlos César decidiu dar liberdade de voto aos deputados, caso o tema seja chamado a plenário para votação. Mas António Costa já deixou claro que não concorda com a opção, defendendo que não se trata de uma questão de «consciência», mas sim orçamental. «O que está em causa é saber se relativamente a esse tipo de atividade deve ou não haver um benefício fiscal. O entendimento do Governo é, claramente, que não», explicou o primeiro-ministro.
A bancada socialista está dividida e é difícil prever qual será o resultado deste braço de ferro entre Costa e César.
Já foram vários os deputados do PS que garantiram que vão votar contra a medida proposta pelo próprio partido. É o caso de Pedro Delgado Alves. O socialista disse ao SOL que discorda da medida e que pretende demonstrá-lo no seu voto. «Foi dada liberdade voto e, portanto, eu votarei contra», assegurou, não querendo fazer mais comentários. Outros deputados usaram o Facebook para anunciar o voto negativo. Tiago Barbosa Ribeiro sublinhou não estar de acordo com a inclusão dos espetáculos tauromáquicos no mesmo lote dos espetáculos culturais que terão redução do IVA e anunciou o voto contra «em linha com a liberdade de voto estabelecida». Hugo Carvalho classificou como errada a proposta do PS e garantiu que votará contra «com a convicção que são muitos os socialistas que isso esperam». Já Paulo Trigo Pereira escreveu que, tal como António Costa, espera o chumbo da proposta, acrescentando que irá votar contra. E Isabel Moreira reiterou: «Uma maioria de deputados do grupo parlamentar do PS subscreve esta proposta. Votarei contra. Adiante».
Por outro lado, há nomes sonantes do PS, além de César, que subscrevem a proposta, como a deputada Helena Roseta, o antigo ministro Jorge Lacão, o antigo secretário de Estado Ascenso Simões ou o presidente da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros, Sérgio Sousa Pinto. Um dos deputados que também esteve na base da proposta do PS foi Luís Testa. O socialista explica ao SOL que o objetivo da medida é apenas impedir que haja uma «exclusão de uma atividade cultural [as touradas] relativamente às demais». E garante que, apesar da divergência nesta questão, o Governo «goza de apoio pleno e constitucional por parte do grupo parlamentar do PS».
Manuel Alegre – que criticou a posição do Governo em relação ao IVA das touradas numa carta aberta ao primeiro-ministro, publicada no Público – também ficou «satisfeito» com a proposta do grupo parlamentar e afirmou ao SOL que se trata de «uma manifestação do funcionamento democrático do PS». «Acho que isto fortalece o PS e fortalece a democracia e o pluralismo interno do PS», sublinhou. Para o histórico socialista, «o primeiro-ministro não sai fragilizado» desta história. «Ele disse que não era contra a liberdade. E até se pronunciou a favor da liberdade de cada um decidir como entender», explicou.
PS desautoriza ministra
A polémica sobre as touradas começou com a recém-nomeada ministra da Cultura, Graça Fonseca, a defender no Parlamento que a redução do IVA dos espetáculos tauromáquicos «não é uma questão de gosto, é uma questão de civilização». A proposta agora anunciada pelo PS contraria esta visão da governante. Mas Graça Fonseca garante que nada muda: «A proposta do Governo está em discussão na Assembleia da República. Não mudou. Mantemos a nossa proposta, que é boa e equilibrada».
Os números da tauromaquia
No ano de 2017 realizaram-se 181 espetáculos tauromáquicos, como consta do Relatório da Atividade Tauromáquica 2017, elaborado pela Inspeção Geral das Atividades Culturais. 85,1% tiveram lugar em praças fixas e 14,9% em recintos ambulantes. Albufeira e Lisboa receberam o maior número de corridas de toiros. Vila Franca de Xira e Évora também estão entre as zonas do país com mais espetáculos tauromáquicos. O relatório revela ainda que assistiram a corridas de toiros no ano de 2017 quase 378 mil aficionados. A praça de toiros do Campo Pequeno é aquela que no país tem mais espetadores. Quase 62 mil pessoas assistiram a corridas em Lisboa. Segue-se a praça de toiros de Albufeira, com mais de 25 mil pessoas. Vila Franca de Xira (20.102), Nazaré (18.303), Coruche (15.060) e Moita também estão entre as praças do país com mais espetadores. O mês de Agosto é aquele em que se realizam mais corridas de toiros. O número de espectáculos tauromáquicos têm vindo a diminuir desde 2009. Nesse ano, realizaram-se 313 corridas de toiros em todo o país.