As vítimas de crimes como violência doméstica ou as testemunhas que até hoje não compareçam voluntariamente a tribunal e sejam alvo de um mandado de condução por parte da PSP são levadas para os calabouços do Campos da Justiça, onde estão também pessoas suspeitas de crimes e em prisão preventiva. A investigação do i permitiu concluir que em vez de estes casos aguardarem o início da diligência numa sala de testemunhas são colocadas numa cela, como as da fotografia ao lado.
Em resposta ao i, a PSP confirmou esta situação, defendendo que ainda assim tem alguns cuidados: “Esta situação deve-se ao facto dos calabouços serem os espaços onde os detidos, independentemente da sua natureza, aguardam o início dos procedimentos processuais. Ainda assim é sempre acautelada a situação concreta de cada detido, não sendo feita uma distribuição indiscriminada pelas celas”.
Mas sujeitar uma vítima de um crime grave ou uma testemunha às mesmas condições de um suspeito de um crime será aceitável? A resposta é clara: não, mesmo que a distribuição pelas celas seja feita com cautela.
Confrontado ontem pelo i, o juiz coordenador das varas criminais diz mesmo que desconhecia tal realidade e que vai tomar medidas.
“Não tinha conhecimento de que as vítimas ficam em calabouços. Na qualidade de coordenador vou apurar essa situação de imediato e vou tomar posição sobre ela, porque francamente acho que isso não é de todo adequado. Uma questão é a pessoa que não comparece a tribunal e tem de comparecer por isso o juiz determina que preste o seu depoimento e seja acompanhada pelo tempo indispensável para o depoimento. Outra coisa é aguardar onde estão pessoas privadas de liberdade, que estão em prisão preventiva. Isso lança sobre as vítimas uma carga…”, refere o responsável, acrescentando: “Isso não me passa pela cabeça é uma total insensibilidade”.
O juiz coordenador diz ao i que os agentes podem fazê-lo por não ver outra alternativa, mas alerta que elas existem. “Percebo que possa ser a única maneira que os senhores agentes tenham, mas posso garantir que se não descortinaram outra solução foi porque não procuraram. Estou convencido de que os meus colegas se soubessem dessa situação se encarregariam de imediato de disponibilizar umas quantas salas de testemunhas, a grande maioria não disponível, tem processos que infelizmente no juízo central são comuns. E as salas são usadas para guardar processos com centenas e milhares de volumes”, diz.
E se a questão é garantir que as pessoas não fujam, “isso também pode ser acautelado pela presença de um funcionário até à diligência”.
Do lado do Ministério Público a posição é idêntica. O magistrado coordenador do MP defende que mesmo que no limite alguma testemunha tenha de ir para uma cela não poderá nunca partilha-la com arguidos.
“Não são pessoas perigosas e aí a polícia deveria ter uma especial sensibilidade para separar o trigo do joio, não misturar uma testemunha com arguidos, nas mesmas celas. Se há várias celas, no mínimo deve haver separação”, adianta.
José Góis reitera que estas situações acontecem porque “a maioria das salas para testemunhas estão ocupadas com outras coisas que não as testemunhas, porque há falta de espaço e há processos que é preciso guardar”.
E, para explicar o porquê de haver muitos mandados de condução, descreve a dificuldade que é trazer as vítimas de violência doméstica a tribunal e pô-las a falar: “As vítimas de violência doméstica vêm conduzidas porque muitas vezes não querem vir e uma boa parte recusa-se a falar em julgamento, por isso é que depois há uma série de absolvições, até de arguidos que estiveram em prisão preventiva. Isso é relativamente frequente”.
Ao i fontes do Campus da Justiça que pediram para não serem identificadas contaram que muitas vezes as vítimas e as testemunhas ficam estupefactas quando são colocadas nas celas (onde às vezes ficam por várias horas), havendo muitas que não conseguem controlar as lágrimas.
Sobre esta situação, questionado na terça-feira pelo i, o Ministério da Justiça não fez um único comentário.
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