Em ano de eleições, o Governo arrisca-se a atravessar um período de forte contestação dos funcionários do Estado. É que, a partir de janeiro de 2019, o Executivo vai ter de se sentar à mesa das negociações com todos os setores da Função Pública cuja progressão na carreira depende da contagem do tempo de serviço para definir quantos anos congelados serão reconhecidos. O Parlamento forçou a reabertura deste dossiê com os professores mas os deputados insistiram que as negociações devem abranger todas as carreiras especiais do setor público.
As negociações com os sindicatos foram impostas pelas propostas de alteração ao OE/2019 apresentadas pelo PCP, pelo PSD e pelo CDS e que foram aprovadas no Parlamento, na semana passada. Nas três propostas lê-se que o Governo tem de negociar com os respetivos sindicatos para considerar tempo de serviço congelado em todas as carreiras da Função Pública cuja progressão acontece através do tempo de serviço, além dos professores do básico e secundário.
No entanto, ao SOL, tanto o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (SINTAP) como a Frente Comum receiam que as negociações não tenham resultados.
Entre médicos, polícias, militares, juízes, magistrados, inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, guardas florestais ou oficiais de justiça, são ao todo 17 setores da Função Pública com quem o Governo tem agora de negociar. Esta era, aliás, a Caixa de Pandora que o Governo temia que fosse aberta, sendo que os cálculos do Executivo apontam que seriam necessários cerca de mil milhões de euros para reconhecer todo o tempo de serviço congelado para todos os funcionários do Estado inseridos em carreiras especiais.
E, à boleia dos docentes, alguns setores da Função Pública também já estão a exigir que o seu tempo de serviço congelado seja reconhecido para efeitos de progressão na carreira, com o respetivo acerto salarial. Para alguns trabalhadores do Estado, em causa estão sete anos de tempo de serviço congelado e, para outros setores, são nove anos, quatro meses e dois dias.
Mão cheia de nada
O regresso às negociações do Governo não traz grandes expectativas aos sindicatos. Isto porque as propostas de alteração ao OE/2019 do PSD e do CDS que foram aprovadas referem que o tempo de serviço a ser reposto terá de ter «em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis».
Ou seja, tanto os sociais-democratas como os centristas impõem um travão no reconhecimento do tempo de serviço tendo em conta as verbas do Governo. E deverá ser esta a norma a ser inscrita na versão final da Lei do Orçamento do Estado para 2019.
Já a proposta do PCP que também foi aprovada não impõe qualquer travão, dizendo apenas que todos os funcionários públicos deverão ver reconhecido todo o tempo de serviço congelado a ser objeto de negociação com os sindicatos, para definir prazo e modo de concretização. A outra norma inscrita na proposta dos comunistas, que queriam ver todo o tempo de serviço contabilizado num prazo máximo de sete anos, foi rejeitada.
Também os bloquistas, que queriam que o Governo fizesse a recuperação do tempo de serviço nos próximos cinco anos (até 2023), a um ritmo de 20% ao ano, viram chumbada a sua proposta.
Desta forma, o Executivo liderado por António Costa não está pressionado por qualquer calendário. E é por isso que os sindicatos receiam que as negociações acabem numa «mão cheia de nada», alerta ao SOL o secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (SINTAP), afeto à UGT.
Para José Abraão, as normas aprovadas são apenas «uma orientação para que o Governo volte à mesa das negociações com vista a encontrar caminhos de solução para estes problemas». O dirigente sindical considera, por isso, que «é muito pouco, porque não clarifica nada», lembrando que «houve propostas com um calendário específico que foram rejeitadas e por isso o Governo não está comprometido com nenhum calendário para carreira nenhuma».
Tudo isto faz com que as expectativas de José Abraão sejam «ténues», considerando que «houve claramente um empurrar para a frente desta questão».
A mesma posição tem a coordenadora da Frente Comum, Ana Avoila, para quem o Governo «está numa postura de não considerar nada» mas, sendo este ano de eleições, «pode ser forçado a considerar alguma coisa» aos trabalhadores do Estado.
Negociações em curso
Em junho, além dos professores e do Ministério da Educação, nenhuma das outras tutelas tinha em curso qualquer negociação com os sindicatos para repor tempo de serviço. Mas desde essa altura que todos os sindicatos enviaram às respetivas tutelas propostas de reposição de tempo de serviço, com o respetivo pedido de reunião.
Só nos últimos meses, depois de greves, alguns ministérios começaram a reunir-se com os sindicatos. É o caso do Ministério da Justiça, que tem vindo a reunir com os magistrados, com os juízes e com os oficiais de justiça.
No caso dos polícias, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) enviou ao Ministério da Administração Interna um pedido de reunião para discutir o assunto, reclamando que seja adotada a mesma solução que vier a ser encontrada para os professores.
Também a Associação Nacional de Sargentos (ASN) tem vindo a reunir-se com o Ministério da Defesa, que já terá dito aos militares que aguarda o desfecho das negociações com os professores para que seja seguido o mesmo caminho nos militares.
Os professores
Com tanto avanço e recuo no último ano, o futuro dos professores está agora nas mãos do Presidente da República.
Além do regresso às negociações com o Governo, os professores aguardam a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o decreto-lei do Executivo que reconhece apenas aos docentes dois anos, nove meses e 18 dias do tempo de serviço congelado. Apenas 30% do total de tempo de serviço que os docentes viram congelado: nove anos, quatro meses e dois dias.
O diploma do Governo atira ainda os efeitos da contabilização do tempo de serviço congelado para depois de 2021, quando já estará outro Executivo em funções.
Ao i, o chefe de Estado disse que conta pronunciar-se sobre o diploma na semana antes do Natal, depois de analisar a versão final do OE/2019 que chega a Belém a 18 de dezembro. «Gostava de ver bem o texto final da redação do OE porque foram aprovadas três propostas que, embora sejam muito parecidas, não são exatamente iguais», explicou ao i Marcelo Rebelo de Sousa.
Antes de chegar a Belém, o decreto-lei do Governo, que contabiliza os dois anos, nove meses e 18 dias aos docentes, vai ser reapreciado em Conselho de Ministros na próxima quinta-feira.
De forma inédita, o decreto-lei foi submetido a consulta pública aos governos regionais dos Açores e da Madeira – processo que terminou no passado dia 21 de novembro e que mereceu parecer negativo dos governos regionais.
Enquanto decorre este processo no continente, o Governo da Madeira já aprovou a lei que reconhece aos docentes daquela região autónoma todo o seu tempo de serviço congelado.
As mesmas pisadas estão as ser seguidas nos Açores. O presidente do Governo regional, Vasco Cordeiro, já anunciou que vai abrir negociações com os sindicatos para a recuperação integral, de forma faseada, em seis anos, do tempo de carreira congelado. Isto num cenário em que, nos anos de 2008 e 2009, o Governo Regional dos Açores já tinha contabilizado aos docentes dois anos, quatro meses e dois dias do período congelado.