A maratona de debates para aprovar o Orçamento do Estado de 2019 terminou ao fim de 36 horas, com o PS a fazer contas ao custo das alterações à proposta inicial do Governo no último Orçamento do Estado da legislatura, a executar em pleno ano de eleições legislativas.
Na última semana os socialistas dramatizaram o cenário de alterações profundas ao Orçamento, com valores estimados de 5,7 mil milhões de euros, o que poria em causa metas, compromissos e objetivos para o próximo ano. O primeiro-ministro chamou-lhe uma «catástrofe eleitoral». A tragédia não chegou e as coligações negativas, em que o PS votou isolado contra a corrente, cifraram-se em 100 milhões de euros de impacto negativo para o Orçamento do Estado de 2019.
João Paulo Correia, vice-presidente da bancada do PS e coordenador para a área das Finanças, considerou ao SOL que o resultado final «não sendo um saldo positivo, está em linha [com as alterações feitas] em orçamentos anteriores».
O Orçamento prevê um défice de 0,2 % em 2019, qualquer coisa como 385 milhões de euros, e as medidas aprovadas, sem o aval do PS, representam mais 100 milhões de euros, quase um terço do bolo de défice inicial. De qualquer forma tanto os socialistas como o Governo acreditam que as metas serão cumpridas, quer pelo via do alívio de juros, com reflexos da dívida paga ao FMI, quer pelo aumento das exportações, além de outros indicadores económicos. Ou seja, no PS confia-se no cenário macroeconómico preparado pela equipa do Ministério das Finanças. Resta saber se convence também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
O chefe de Estado já disse que está na «expectativa» para receber o Orçamento e espera que lhe chegue até dia 18 de dezembro, com tempo para o avaliar. O Presidente quer verificar as redações finais de várias propostas ao milímetro, com tempo para poder ter uma decisão antes do Natal, tal como assegurou ao i na passada quinta-feira.
As contas de 2019 foram aprovadas com os votos de toda a esquerda e do PAN e tanto o primeiro-ministro, António Costa, como o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, saíram do Hemiciclo a mostrar a sua satisfação perante as câmaras de televisão, com os quatro dedos de uma mão: quatro orçamentos aprovados com a geringonça. Mas, o processo não foi fácil com substituições de várias propostas e uma negociação feita quase ao cêntimo.
O travão ao aumento da derrama estadual para as empresas com lucros entre 20 e 35 milhões de euros foi o dossiê mais difícil nas negociações de última hora entre PS e os parceiros de esquerda, com a análise das propostas que se arrastaram até quarta-feira. O processo foi mais penoso por comparação com o chumbo a alterações para a energia ou a chamada ‘taxa robles’, de combate à especulação imobiliária, exigida pelo Bloco de Esquerda. O Governo nunca aceitou bem a medida.
O último dia de debate no Parlamento serviu, sobretudo, para fazer balanços, a pensar nas legislativas de 2019. As referências ao ano eleitoral foram fugazes, mas o Bloco de Esquerda não quis deixar passar o momento em branco.
A campanha eleitoral não começava ali e o partido de Catarina Martins ainda tinha umas contas a ajustar até ao final da Legislatura. O Bloco de Esquerda lembrou a António Costa que existem matérias como a legislação laboral ou a nova de lei de bases da Saúde que devem ser negociadas. O primeiro-ministro não deu resposta aos reparos do Bloco, e evitou falar do ano eleitoral, deixando esse papel para o líder parlamentar do PS, Carlos César. «É natural que, quer o BE, quer o PCP, procurem diferenciar-se do PS. Nós também faremos o mesmo», declarou César aos jornalistas no final da discussão, insistindo num ponto da sua intervenção. Um PS «forte» contribuirá «muito para a estabilidade governativa no país numa próxima legislatura». Já António Costa preferiu dizer, por três vezes, que a aprovação de quatro orçamentos «valeu a pena» com todos os partidos da esquerda. E enumerou-os, um a um, por ordem decrescente de peso eleitoral no Parlamento.
À direita, o vice-presidente da bancada do PSD, Adão Silva, tomou as rédeas do discurso social-democrata para falar das «marca do eleitoralismo mal disfarçado». E exemplificou que «uns, como o BE e o PCP, levantam cartazes em praças e avenidas. O primeiro-ministro, mais intimista, faz comícios à conta do erário público. Todos com o mesmo propósito: caçar votos».
Do lado do CDS, Assunção Cristas não evitou o tema das eleições e assinalou a sua ambição de vir a ser primeira-ministra, um registo que lhe valeu muitos risos à esquerda.
Passes e ISP
O Orçamento do Estado de 2019 fecha a legislatura da geringonça com o alargamento dos passes únicos a todo o país, e não só a Lisboa ou o Porto, com um reforço de 21 milhões de euros. A medida foi apresentada como um sinal de apoio às famílias mas só entrará em vigor a partir de 1 de abril, porque é preciso negociar com as autarquias e as várias operadoras de transportes. O PSD e o CDS queriam que fosse eliminado o adicional ao Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, mas a esquerda travou-lhes a proposta. Assim, em 2019 só haverá uma descida de três cêntimos nos impostos sobre a gasolina. O gasóleo fica fora da lista de alterações.
Manuais grátis, turmas, propinas e bolsas no Superior
Na Educação, o Orçamento prevê manuais gratuitos até ao 12º ano de escolaridade, mas só para quem está na escola pública. A direita ainda tentou que a medida fosse alargada ao setor privado, mas sem qualquer êxito. No próximo ano letivo também está prevista a redução de alunos por turma a partir do 10 º ano.
No ensino superior, as propinas vão baixar no setor público para os 856 euros, menos 212 euros face a 2018, o que representa uma perda de 50 milhões para o erário público. A proposta foi umas das bandeiras do Bloco de Esquerda nas negociações orçamentais. Uma das novidades que surgiu durante as votações de especialidade no Orçamento, foi a manutenção do valor de referência nas bolsas de apoio aos alunos, mantendo-se nos 1068 euros.
IVA na Cultura
A Cultura foi a maior dor de cabeça para o PS, que se dividiu na descida do IVA para as touradas, uma proposta do próprio partido. A versão que vingou inclui o IVA de 6% nas touradas, festivais, dança, teatro, canto, ou seja, todos os espetáculos culturais. O Estado vai perder 24 milhões de euros de receita com esta alteração à versão inicial do Orçamento para 2019. Acrescem-se 30 milhões da dispensa automática do Pagamento Especial por Conta para pequenas e médias empresas, negociada pelo PCP na versão inicial do Orçamento.
O Governo também perdeu a guerra na tributação autónoma dos veículos. O executivo queria aumentar as taxas para as empresas na compra de viaturas, mas perdeu a guerra na especialidade. Neste caso, o ministro das Finanças, Mário Centeno, terá de contar com menos 39 milhões de euros de receita.
AIMI e IMI
No capítulo de imóveis, a primeira prestação de IMI deverá ser paga a partir de maio, e não em abril, sendo que o valor mínimo baixa para os 100 euros. Atualmente uma família tem de pagar o IMI por inteiro em abril até aos 250 euros. Os proprietários poderão pagar ainda o IMI em três prestações quando o valor supera os 500 euros.
Uma das novidades das negociações de última hora foi a aprovação de um terceiro escalão do Adicional ao IMI (AIMI), para imóveis avaliados acima de dois milhões de euros. Em 2019, será criado uma taxa de 1,5 por cento aplicada a estes imóveis de luxo. O Governo estimou um encaixe de 30 milhões de euros com esta proposta aprovada em concertação como o PCP e o Bloco.
As reformas antecipadas, sem cortes, para quem tem 60 anos de idade e 40 de descontos, também estão contempladas no Orçamento para entrar em vigor em outubro do próximo ano, sendo a medida aplicável tanto à Segurança Social como à Caixa Geral de Aposentações.