Em mais uma decisão política que poderá colocar em causa a independência do sistema judiciário, o governo húngaro vai criar tribunais administrativos sob a tutela do ministro da Justiça, Laszlo Trocsanyi. A decisão será implementada no âmbito de uma lei aprovada ontem no parlamento húngaro, com os deputados da oposição a tentarem travar o início dos trabalhos parlamentares.
Recorde-se que em setembro o Parlamento Europeu recomendou ao Conselho Europeu a instauração de um procedimento disciplinar, ao abrigo do artigo 7.º do Tratado da União Europeia, à Hungria por violação do príncipio de separação de poderes – fundamental para a União Europeia. A recomendação teve por base um relatório da comissão parlamentar das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos que afirmou existir um risco manifesto de violação grave por parte do Estado-membro.
"[A Hungria] Perseguiu migrantes, refugiados e minorias como os ciganos. Há indivíduos no governo que beneficiam dos fundos europeus e dos contribuintes. Infelizmente nada melhorou desde que o relatório foi votado em junho na Comissão Europeia", afirmou Judith Sargentini, autora do relatório, aquando da sua divulgação. Além da preocupação com os direitos humanos, a UE já manifestou preocupação pela alteração da Constituição húngara, interferência no poder judicial e perseguição de jornalistas.
"Orban sente-se superior, está a cavalgar uma onda e sabe que não enfrentará sanções", disse Paul Ivan, analista do European Policy Center em Bruxelas, à "Bloomberg". "É uma luta que ele claramente está disponível para travar". Cabe ao Conselho Europeu deliberar se decide avançar com a suspensão dos direitos políticos de Budapeste. A decisão terá de ser por maioria qualificada.
A lei aprovada é o sinal mais recente de que o panorama político húngaro é totalmente dominado por Orban e pelo seu partido, Fidesz. O primeiro-ministro ganhou em abril a sua terceira vitória em eleições legislativas, obtendo a maioria absoluta no parlamento e reforçando o seu mandato para transformar a Hungria numa "democracia iliberal", como o líder húngaro gosta de lhe chamar.
A aprovação da lei foi uma mera formalidade parlamentar, visto a maioria de Orban garantir que qualquer lei proposta pelo governo muito dificilmente não será aprovada. Daí os deputados da oposição terem tentado interromper a abertura da sessão parlamentar.
"Há muito que passámos o ponto de não retorno no que diz respeito ao tentar salvar o Estado de direito, mas a criação destes tribunais é alarmante", afirmou Mate Szabo, advogado e diretor de programas na União de Liberdades Civis Húngara, ao média norte-americano.
Com a legislação aprovada, o supremo tribunal deixa de ter a palavra final sobre as disputas administrativas, como casos de corrupção, abusos da polícia, corrupção e impostos. Agora, será o ministro da Justiça a tê-la sobre esses casos, que, porventura, podem envolver diretamente o governo ou a força política dominante no país.