Há cerca de 550 escutas a Sérgio Azevedo que apanharam conversas com outros deputados e nas quais fica claro que é habitual que parlamentares do PSD e do PS recorram a ‘esquemas’ de falsas presenças e de falsas moradas de residência – através das quais recebem pagamentos indevidos, incluindo ajudas de custo para deslocações, apurou o SOL.
As escutas – que vão ao encontro das irregularidades denunciadas pelo Tribunal de Contas, cujo parecer sobre a conta da Assembleia da República relativa ao ano de 2017 aponta mesmo para a possibilidade de existência de fraude fiscal – foram recolhidas pelos investigadores que estão aos comandos do inquérito ‘Tutti Frutti’, onde são analisados alegados favorecimentos a militantes através de contratos a empresas ou de avenças.
O esquema em investigação no ‘Tutti Frutti’ teve origem em maio de 2017 e os suspeitos foram escutados durante vários meses pelos investigadores do MP.
E foi precisamente nessas escutas que os procuradores apanharam conversas entre deputados a combinar a marcação de falsas presenças no Parlamento. Também terão sido captadas conversas entre deputados para decidirem qual a morada que registavam na Assembleia da República, de forma a receberem um valor maior em subsídios de deslocação.
Fonte da investigação disse ao SOL que «as conversações vão abalar fortemente o Parlamento».
Um dos deputados alvo de escutas foi Sérgio Azevedo, do PSD, que é um dos principais envolvidos no caso ‘Tutti Frutti’. Em 2017, o social-democrata era vice-presidente da bancada parlamentar, pelo que Sérgio Azevedo terá tido conversas com vários deputados do seu partido.
Mas o SOL sabe que também deputados do Partido Socialista foram apanhados nas escutas, com conversas que revelam que recorriam aos mesmos esquemas.
Questionado pelo SOL, o deputado Sérgio Azevedo diz «é evidente» que comentou com outros deputados os casos que vieram a público sobre as moradas falsas. Mas, garante que «nunca» teve «conhecimento» de «casos concretos de deputados que tenham dado moradas falsas». Sérgio Azevedo diz ainda que estes casos «não são recentes» e recordou o caso de Inês de Medeiros, que em 2010 era deputada independente pelo PS pelo distrito de Lisboa e deu ao Parlamento a morada de residência em Paris, recebendo um subsídio semanal para as viagens de avião.
Entre deputados do PSD, Sérgio Azevedo garante que «nunca» teve conhecimento de nenhum caso de falsas moradas sustentando que não tem acesso a esses dados e que apenas soube das situações «pelos jornais».
Soube a sua morada frisa que «sempre» indicou ao Parlamento a residência em Lisboa, distrito pelo qual foi eleito.
Alerta de fraude fiscal
Na semana passada o Tribunal de Contas (TdC) divulgou um auditoria às contas de 2017 do Parlamento – avançada pelo i – onde é feito o alerta de várias ilegalidades e irregularidades na Assembleia da República.
Os juízes dizem que há o «risco elevado» de fraude fiscal por terem sido autorizados pagamentos de ajudas de custo para viagens que não foram realizadas. E se as ajudas de custo recebidas «não corresponderem a custos incorridos pelos deputados (…) essas quantias podem ser consideradas rendimentos de trabalho dependente para efeitos de tributação em sede de IRS». Tributação que, atualmente, pode não acontecer.
Perante este cenário, os juízes do TdC enviaram a auditoria para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para «se pronunciar sobre a questão fiscal referida».
O SOL questionou o Ministério das Finanças para saber se a AT vai analisar as suspeitas denunciadas no relatório, mas até à hora de fecho desta edição não houve qualquer resposta.
Pagamentos indevidos de ajudas de custo
A suspeita de fraude fiscal, denunciada pelo juízes do TdC, está associada a alegados pagamentos indevidos de ajudas de custo para as deslocações dos deputados.
O regulamento do Parlamento, em vigor desde 2004, prevê que todos os deputados recebam ajudas de custo semanais para que se desloquem às suas residências. Esta compensação em ajudas de custo é devida mesmo que os deputados não viajem e é paga sem exigência de comprovativos, a não ser que os beneficiários faltem a trabalhos parlamentares.
O valor fixado é de 0,36 cêntimos por cada quilómetro de distância entre Lisboa e a morada de residência indicada ao Parlamento pelo deputado. Os parlamentares dos Açores e da Madeira recebem por semana um subsídio fixo de 500 euros para suportar uma viagem de avião às ilhas.
Só com este subsídio fixo, os deputados das ilhas recebem, por mês, entre dois mil a 2.500 euros líquidos, que acrescem ao salário.
No total, em ajudas de custo para viagens e deslocações dos deputados, em 2017, o Parlamento pagou 3,1 milhões de euros.
Tendo em conta que as viagens são custeadas pelos deputados e que não é exigido qualquer comprovativo de tais despesas, os juízes do TdC alertam que os pagamentos das ajudas de custo para viagens que não foram realizadas são situações «insuscetíveis de serem detetadas».
Entre toda a documentação recolhida, os juízes referem no relatório que «não foram encontradas situações» em que os deputados «tenham alguma vez declarado não ter realizado as deslocações que lhes foram pagas e procedido à reposição das quantias» que receberam.
Além das ajudas de custo de 500 euros semanais, os deputados das ilhas podem ainda receber o Subsídio de Mobilidade, através do qual o Estado, nos CTT, reembolsa parte do valor do bilhete de avião. Desta forma, para a mesma viagem, os deputados podem receber uma dupla ajuda de custo.
Os deputados madeirenses pagam apenas 86 euros pela viagem de avião, caso o valor do bilhete fique abaixo dos 400 euros. Dentro deste ‘plafond’ todo o valor pago acima dos 86 euros é devolvido ao deputado. E o mesmo acontece com os deputados açorianos, com o Estado a reembolsar as despesas acima dos 134 euros, sem qualquer teto.
Falsas moradas
O pagamento indevido de ajudas de custo pode ainda estar associado ao esquema de falsas moradas. Ou seja, as moradas indicadas pelos deputados ao Parlamento podem não corresponder à residência e sim a uma morada mais distante de Lisboa para que receba um maior valor em ajudas de custo.
Os juízes detetaram que os «registos biográficos dos deputados» estão «desatualizados». Entre os dados desatualizados estão, por exemplo, os documentos de identificação fora de validade e a informação sobre dependentes, e pode estar ainda a morada de residência.
A situação já tinha sido sinalizada pela Direção de Serviços Administrativos e Financeiros, que enviou um email para os deputados e para os serviços «alertando para a obrigatoriedade de atualizar os dados de titularidade de IRS junto da entidade patronal», refere o documento do TdC.
No seguimento de todos os alertas dos juízes do TdC, o SOL questionou a PGR sobre a abertura de um inquérito.
Fonte oficial disse que a «matéria constante da auditoria do Tribunal de Contas encontra-se em análise, com vista a decidir se há algum procedimento a desencadear no âmbito das competências do Ministério Público».
Recorde-se que n início de novembro o MP anunciou que tem em curso um inquérito, conduzido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, para investigar as suspeitas de declarações falsas prestadas por deputados à Assembleia da República sobretudo no que diz respeito a moradas de residência. Na altura, o MP informou que não tinham sido constituídos arguidos.