Portugal tem conseguido crescer nos últimos tempos, mas as boas notícias parecem não fazer parte das projeções para os próximos anos. De acordo com o Banco de Portugal (BdP), que reviu em baixa as perspetivas de crescimento para Portugal, o Produto Interno Bruto (PIB) deverá aumentar 2,1% este ano e 1,8% no próximo, desacelerando progressivamente o ritmo de crescimento até aos 1,6% em 2021.
No Boletim Económico de dezembro, divulgado esta semana, o banco central antecipa que a economia portuguesa cresça 2,1%, menos 0,2 pontos percentuais do que o esperado em outubro, e abaixo dos 2,3% estimados pelo Governo, com as previsões do crescimento das exportações a caírem também dos 5% (de outubro) para os 3,6%.
Já o Banco Central Europeu (BCE), nas projeções que fez para o conjunto da área do euro, garantia que, no período 2018-2020, a economia portuguesa deveria prosseguir uma trajetória de crescimento da atividade, embora «em desaceleração». Agora, as projeções macroeconómicas do BdP vão de encontro a estas estimativas.
Projeta-se assim que o PIB cresça 2,1% em 2018 e 1,8% em 2019 – contra as previsões do Governo de crescimento de 2,3% em 2018 e 2,2% em 2019 – e prossiga depois para os 1,7% em 2020 e 1,6% em 2021. Para este cenário menos positivo, o regulador avança que pesará um travão no crescimento das exportações: «O abrandamento do PIB no horizonte 2018-21 reflete, em larga medida, um contributo progressivamente menor das exportações em termos líquidos de conteúdos importados».
Ao SOL, Pedro Amorim, gestor da XTB, explica que «houve uma redução do consumo e das exportações em Portugal nos últimos meses» e acrescenta: «Não acontece só em Portugal esta redução de crescimento. Estamos a sofrer um pouco com o enfraquecimento do crescimento económico na Zona Euro».
Já ao nível do emprego, é de esperar que retome, em média, no horizonte de projeção, uma evolução mais em linha com a sua relação histórica, o que permitirá a continuação das descidas da taxa de desemprego, embora de forma muito mais mais moderada. Os dados avançados pelo Banco de Portugal apontam assim para uma taxa de desemprego a situar-se em 5,3% no final do horizonte da projeção.
Nova crise à porta?
Recorde-se que, se o foco for olhar para os próximos anos, há quem adivinhe uma nova crise financeira. Em setembro deste ano, o ex-presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, garantiu que a atual situação financeira mundial está num terreno muito tão perigoso como o que foi vivido em 2007, ano em que antecedeu a maior falência financeira: Lehman Brothers. Nouriel Roubini, conhecido por ter previsto a última crise financeira, prevê uma nova já em 2020.
Em entrevista ao i, António Bagão Félix admitiu que, «apesar de tudo, Portugal está melhor preparado para uma nova crise. Uma coisa é partir para uma crise com um saldo positivo em termos nominais. E há melhores condições do ponto de vista do sistema financeiro. Agora, estas condições não irão contrariar uma situação negativa forte que possa aparecer. Aparece é numa base melhor do que aquela que Portugal tinha, por exemplo, em 2008/2009. O défice foi de 11,2%».
Já Eduardo Catroga, no final do verão, sublinhara que, «olhando para a história económica, facilmente se vê que as crises são cíclicas». Para o economista, «vamos a assistir a uma nova crise, não se sabe é quando»: «Há crises que são resultado de falhas de mercado, falhas de Estado, de euforia económica que normalmente cria bolhas».
A este leque de economistas junta-se João Duque, que já tinha dado o alerta sobre o problema dos créditos e dos riscos associados: «O dinheiro abunda e é barato. Se não houver prudência por parte de quem empresta, isso pode trazer problemas para essas instituições. Estamos a ver o crédito ao imobiliário aumentar e o crédito ao consumo a disparar. Também os Estados continuam a endividar-se e esse foi um dos fatores que espoletaram a crise».
A verdade é que os últimos dados do Banco de Portugal mostram que o montante de crédito ao consumo voltou a aumentar durante o mês de outubro. Só nesse mês foram concedidos quase 640 milhões de euros, o que representa uma subida de 14,9% face ao mês anterior.
No que diz respeito aos cartões de crédito, linhas de crédito, contas correntes bancárias e facilidades de descoberto, por exemplo, foram concedidos 98,4 milhões de euros em outubro, 16,4% acima do verificado em setembro e 3,8% superior ao mesmo mês de 2017.
Mas o crédito está longe de ser o único risco a que devemos dar atenção. Nas projeções que fez para os próximos anos, o banco central refere que o enquadramento externo (política comercial e monetária dos EUA, tensões geopolíticas e incerteza a nível global, impacto do ‘brexit’, entre outros) está na origem dos principais fatores de risco e incerteza que rodeiam a atual projeção, contribuindo para riscos descendentes para a atividade e ligeiramente ascendentes para a inflação. Até porque as projeções para a inflação, por sua vez, mantêm-se relativamente inalteradas relativamente às anteriormente publicadas, com os preços no consumidor a crescer 1,4% em 2018 e em 2019, 1,5% em 2020 e 1,6% em 2021, traduzindo um quadro de algumas pressões inflacionistas internas originadas pelos custos salariais, que aumentam com a subida do salário mínimo em 2019.
Para o BdP, a economia portuguesa continua ainda a enfrentar «constrangimentos específicos ao crescimento» no médio/longo prazo, apesar dos progressos dos últimos anos ao nível do funcionamento dos mercados e da redução do endividamento dos diversos setores da economia.
«O processo de redirecionamento dos recursos para setores mais expostos à concorrência internacional, por natureza mais permeáveis à inovação, deverá prosseguir, potenciando efeitos de composição favoráveis à evolução da produtividade total dos fatores», refere o documento.
População envelhecida
À margem destes pontos, o Banco de Portugal ressalva ainda que é importante ter em linha de conta o envelhecimento da população, que cria limitações ao contributo do fator trabalho para o crescimento, apesar de a evolução dos fluxos migratórios poder vir a compensar esta dinâmica negativa. «Neste quadro, a aposta no capital humano afigura‐se essencial para promover o crescimento no longo prazo», diz o BdP.
Mas afinal o que correu mal?
Segundo Pedro Amorim, «Portugal não se preparou para arranjar ‘um escudo de segurança’» e pôs «demasiado foco nas políticas de crescimento de consumo interno e fraca atratividade de investimento estrangeiro. No entender dos investidores, não existe visão e estabilidade fiscal em Portugal».