A polémica relacionada com a presença de Mário Machado, ex-líder da Frente Nacional, nos programas da TVI Você na TV e SOS 24 de quinta-feira – para falar sobre o tema ‘Precisamos de um novo Salazar?’ – começou nas redes sociais, mas rapidamente suscitou reações políticas do lado do PS e do Bloco de Esquerda. E nem o ministro da Defesa, João Cravinho, ficou indiferente. Através do Twitter, o governante comparou a TVI aos incendiários. «Vivemos tempos complexos, e é preciso ter a noção que uma atitude destas por parte da estação em causa não é muito diferente de quem ateia incêndios pelo prazer de ver as labaredas», escreveu.
Mário Machado já foi condenado por vários crimes de ódio racial. Um desses crimes está relacionado com o assassínio de Alcindo Monteiro, um cidadão português de origem cabo-verdiana que foi espancado até à morte em1995, no Bairro Alto, em Lisboa, pelo grupo de skinheads Hammerskins Portugal. E foi através de uma foto de Alcindo Monteiro que o deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro reagiu à polémica. «Por causa da cor da sua pele foi espancado até à morte por um grupo de assassinos onde estava aquele ‘com ideias polémicas’ que foi hoje de manhã à TVI», escreveu na legenda da imagem, na sua página de Facebook.
A mesma fotografia foi partilhada pela deputada Isabel Moreira. Mas a socialista foi mais dura nas palavras e acusou mesmo a estação de Queluz de estar a fomentar os ideais fascistas e nazis. «Em memória de Alcindo Monteiro – contra a normalização do fascismo e de nazis que hoje mesmo está a ser feita em Portugal na TVI», pode ler-se na publicação feita no Facebook.
Já Porfírio Silva defendeu, na mesma rede social, que a TVI deu «espaço publicitário aos defensores dos ditadores, aos admiradores de Salazar». E, para o deputado socialista, quem faz isso «não é malta tonta, são mesmo é nossos inimigos, inimigos da liberdade, da democracia, dos direitos».
O convite do programa apresentado por Manuel Luís Goucha e Maria Cerqueira Gomes feito a Mário Machado também causou revolta no Bloco de Esquerda. Através de um texto publicado no jornal Expresso, o deputado José Soeiro afirmou que a TVI tornou «banal» a cruz suástica, um símbolo associado ao nazismo. E, num tom irónico, acusou o canal de televisão de estar a empunhar «todas as armas» para vencer a «guerra de audiências» nos programas da manhã contra Cristina Ferreira.
Para o deputado Luís Monteiro, «a presença de um dos líderes da extrema-direita portuguesa, fiel seguidor da doutrina salazarista, devoto do regime hitleriano» num programa de televisão é muito mais do que uma luta entre apresentadores famosos. É «um sinal dos tempos» e, por isso, «é mais preocupante ainda». Através do Twitter, o bloquista defendeu que a Comunicação Social «alimenta o monstro» e «procura nele a polémica». E lembrou o artigo da Constituição dedicado à liberdade de expressão, que proíbe «organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista».
ERC investiga queixas
A presença de Mário Machado nos programas da TVI deu origem a várias queixas na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). E o regulador já anunciou que as reclamações vão ser agora apreciadas «nos trâmites normais».
O antigo vice-presidente da ERC Alberto Arons de Carvalho defende ao SOL que, «do ponto de vista ético», o convite ao ex-líder da Frente Nacional foi «um momento de grande infelicidade por parte da TVI». Já «do ponto de vista legal» o ex-Secretário de Estado da Comunicação Social vai esperar pela deliberação do regulador.
Apesar de defender que não deve haver um «silenciamento ou apagamento propositado de algumas pessoas com ideias radicais», Arons de Carvalho referiu que é necessário ter em conta «a sensibilidade da opinião pública e os valores democráticos e constitucionais». E referiu que é essencial que seja feito um «enquadramento», com «muitas cautelas e sempre com o contraditório».
«Para uma pessoa com aquele cadastro e com aquele passado, eu penso que lhe foi dado um palco desmesurado em relação à sua importância e relevância. E isso está a chocar muita gente», acrescentou.
Atitude ‘inqualificável’
Também o Sindicato dos Jornalistas vai apresentar uma queixa contra a TVI junto da ERC e da Assembleia da República. Num comunicado intitulado «Em nosso nome não!», publicado no site oficial, o sindicato considerou «inqualificável o tempo e o espaço concedido pelo canal de televisão» ao ex-líder da Frente Nacional. E acusou a estação de Queluz de branquear o passado de «um racista explícito e um salazarista assumido», em «sinal aberto e para um grande público, com pouco ou nenhum contraditório».
O sindicato fez ainda referência ao facto de Bruno Caetano, o responsável pela entrevista a Mário Machado, ser descrito pela TVI como «repórter», quando, na verdade, não tem carteira profissional de jornalista. E exige que o canal pare de usar o termo indevidamente.
A presença de Mário Machado nos programas da TVI levou também a associação SOS Racismo a exigir às autoridades responsáveis pela supervisão da Comunicação Social, bem como à tutela, que tomem medidas.
Com o adensar da polémica, a estação de Queluz viu-se obrigada a lançar um comunicado. No documento, o diretor de informação, Sérgio Figueiredo, e o diretor-geral de antena e programas, Bruno de Lima Santos, afirmam que estão comprometidas com a emissão de «uma programação diversificada» e que «o debate entre diferentes correntes de opinião faz parte de uma sociedade democrática, plural e tolerante». E referem que a TVI «não incita ao ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela deficiência».
Os responsáveis defendem ainda que as opiniões expressas por Mário Machado «foram enquadradas por visões alternativas às por si sustentadas» e que «as contradições entre a sua vida pretérita e os valores por si ora defendidos foram assinaladas». Além disso, os diretores de informação e de programas da TVI salientam que «o histórico criminal» e «os contornos do projeto político» de Mário Machado foram abordados, «tendo os riscos do extremismo político sido devidamente assinalados».