Ainda que esteja cada vez mais isolado no palco internacional, o Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, não deixou de desafiar, no discurso de tomada de posse para o segundo mandato Presidencial, na quinta-feira, os Estados Unidos, a União Europeia e os seus vizinhos latino-americanos: «O mundo é maior que o império norte-americano e seus satélites. Aqui esse mundo está presente». Um mundo, continuou, que «se nega a submeter aos ditames imperiais e hegemónicos de uma única nação e dos seus países satélites».
Maduro referia-se à crescente pressão, não apenas de Washington, mas do Grupo de Lima, composto por 14 países, e da União Europeia contra o seu regime, recusando-se a reconhecerem como válido o seu segundo mandato presidencial. Os EUA já anunciaram, pela voz de John Bolton, conselheiro de segurança nacional de Donald Trump, que vão continuar a «aumentar a pressão» sobre Caracas para «apoiar a Assembleia Nacional democrática», esperando-se novas sanções. No entanto, e como resposta imediata, Washington pressionou a Organização de Estados Americanos a «não reconhecer a legitimidade» de Maduro e os seus Estados-membros a cortarem relações diplomáticas com Caracas.
Posição que se junta à do Grupo de Lima, que emitiu uma dura declaração contra o regime venezuelano ao dizer que as eleições que deram a vitória a Maduro em 2018 «carecem de legitimidade» e que apoia a oposição a Maduro.
No outro lado do Atlântico, a UE, concertando-se com os seus Estados-membros, não enviou representantes à cerimónia de investidura e apelou à realização de novas eleições por as anteriores não terem sido nem «credíveis nem justas». Posições que, à luz do Direito Internacional, não deixam de representar ingerência nos assuntos internos e soberanos da Venezuela. As Nações Unidas escolheram não tomar posição na questão: «Conhecemos as decisões tomadas por vários países. O secretário-geral, o Secretariado, não se dedica a reconhecer ou não reconhecer chefes de Estado», continuando a «trabalhar com o governo da Venezuela».
O novo mandato do líder venezuelano não é reconhecido por vários Estados, mas Caracas não está sozinha, aproveitando a ocasião para reforçar as alianças já previamente firmadas com China, Rússia e Turquia. Uma movimentação que extravasa o confronto entre os EUA e a Venezuela para representar mais um episódio no realinhar do xadrez geopolítico internacional na oposição a Washington. Os três Estados têm ajudado Caracas a romper o bloqueio económico de que tem sido alvo pelos EUA e seus aliados, ora concedendo empréstimos ora investindo na economia.
«A política sem vergonha de Washington, que visa a criação inconstitucional de estruturas governamentais alternativas na Venezuela», é considerada, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, «um ataque aberto contra a soberania venezuelana». E, para os mais próximos de Maduro, a razão por trás dos ataques do Governo norte-americano, é revanchismo. por, segundo o presidente boliviano, Evo Morales, Caracas ter «derrotado o intervencionismo dos EUA» ao longo dos anos. «A Venezuela não está sozinha», garantiu. Ao seu lado, estiveram os seus homólogos Miguel Díaz-Canel (Cuba), Daniel Ortega (Nicarágua) e Salvador Sánchez (El Salvador).
Numa tentativa de criar divisões entre o Grupo de Lima, Maduro procurou o apoio do México – que se recusou a assinar a declaração por «preferir manter os canais diplomáticos abertos». O novo Presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, está encetar uma viragem na política externa, distanciando-se dos EUA, seu aliado de longa data.
No discurso de posse, Maduro não se esqueceu da oposição interna. Relembrou que a Assembleia Nacional, controlada pela oposição e que juridicamente não ‘existe’ desde que o Supremo Tribunal lhe retirou os poderes legislativos, em 2017, será extinta e substituída por um novo Parlamento depois de a nova Constituição ser aprovada. Uma ameaça que há muito se espera que venha a ser concretizada, nessa longa guerra de trincheiras entre os poderes executivo e legislativo.
A Assembleia Nacional considera o novo mandato de Maduro como «ilegítimo», resultado de eleições «fraudulentas», daí o Presidente venezuelano ter tomado posse no Supremo Tribunal de Justiça e não no órgão legislativo, como a Constituição ordena.
A tensão entre a presidência e a Assembleia Nacional voltou a subir nos dias anteriores à tomada de posse, quando o recém-eleito Presidente do Parlamento, Juan Guaidó, do Vontade Popular, que integra a coligação opositora Mesa da Unidade Democrática, apelou aos militares que «restabelecessem a democracia». Afirmações vistas como um apelo ao golpe de Estado.
Em reação, a Assembleia Nacional Constituinte pediu uma «investigação imediata por traição à pátria a todos aqueles que se vergaram à declaração do mal chamado Grupo de Lima». Se Guaidó for acusado e condenado por traição à pátria enfrenta uma pena de até 30 anos de prisão.
Maduro tenta vergar a oposição interna, mas, antes de mais, vê-se obrigado a confrontar a grave crise económica e social em que o país está mergulhado. «Temos uma guerra económica na rua. Na próxima segunda-feira anunciarei um grupo de ações económicas», anunciou, sem dar mais pormenores.
Há uns meses, o Governo apresentou um plano económico para combater a inflação: subiu o salário mínimo e os impostos às grandes fortunas e criou uma nova moeda, o bolívar soberano, ancorado na criptomoeda petro. Não teve os efeitos esperados e, segundo o FMI, a inflação chegará aos 1 800 000% em dois anos. Na vida do venezuelano comum, ser pobre tornou-se a nova normalidade, com 87% da população a viver na pobreza, dos quais 61% em pobreza extrema, segundo a ONG Coligação de Organizações pelo Direito à Saúde e à Vida. Em consequência, a fuga do país foi a alternativa encontrada por cerca de três milhões de venezuelanos desde 2014.