A construção da sede da Polícia Judiciária está a ser investigada pelo Ministério Público. Em causa estão suspeitas de graves irregularidades na execução da obra, que, a confirmarem-se, poderão ter lesado o Estado em vários milhões de euros. Ao que o SOL apurou, o inquérito foi aberto na mesma altura em que o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) foi incumbido pelo IGFEJ de fazer uma análise profunda aos alegados desfasamentos. Segundo denúncias feitas – e que estiveram na base do inquérito-crime – o construtor, a Opway, não respeitou o que foi contratualizado. E qual o resultado final? As fiscalizações realizadas pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) – instituto do Ministério da Justiça dono da obra – de pouco ou nada serviram e o Ministério da Justiça não confirma se o edifício foi entretanto formalmente entregue ao Estado – após um período em que seria suposto apurar-se se a obra estava ou não de acordo com o pretendido. No caso de ter sido entregue, nada foi imputado aos responsáveis pela obra. Ao que o SOL apurou a Equipa da PJ de Acompanhamento de Projeto e Obra da Nova Sede recusou dar o seu aval, mas isso não impede que o IGFEJ tenha aceitado.
Quando em 2014 o edifício foi inaugurado as desconformidades foram elencadas em seis os volumes, que continham 20 mil itens com irregularidades. O problema é que no caso de o edifício já ter sido recebido pelo IGFEJ, tutelado por Francisca Van Dunem, nenhuma responsabilidade foi assacada à empresa Opway, que entretanto faliu.
A investigação pretende agora perceber se durante o período em que era possível responsabilizar a construtora foi dado conhecimento destes problemas à hierarquia da Judiciária, então dirigida por Almeida Rodrigues, e quais as medidas tomadas a posteriori para denunciar ou reportar a situação a quem tinha responsabilidades. Caso se conclua que houve conhecimento e nada foi feito, o IGFEJ e os dirigentes máximos da Judiciária à data também poderão vir a responder pelas ilegalidades que venham a ser detetadas.
Contactado ontem, Almeida Rodrigues garantiu que tudo o que era denunciado pela equipa de acompanhamento à direção era depois reportado ao IGFEJ. E negou ainda que a equipa lhe reportasse diretamente a si os problemas. «A casa não é minha nem nunca foi, a haver alguma anomalia a responsabilidade é do dono da obra e da empresa», disse ontem.
«O dono da obra era o IGFEJ, que tinha funcionários em fiscalização. Havia também uma empresa paga para fiscalizar a obra e, para além disso, destaquei três funcionários da PJ, dois inspetores e um especialista superior, todos com formação em arquitetura ou engenharia civil, para acompanharem os trabalhos. A obra ficou mais barata do que o previsto e foi concluída dentro do prazo. A equipa da PJ dependia da Diretora da Unidade de Administração Financeira e Patrimonial da PJ e todas as disfuncionalidades, anomalias ou irregularidades que lhe foram comunicadas ou de que eu tive conhecimento foram sempre comunicadas ao IGFEJ, enquanto dono da obra», acrescentou.
O antigo diretor nacional da PJ disse ainda ter conhecimento de que o IGFEJ iria confirmar ao SOL oficialmente que tudo lhe fora reportado pela PJ, mas até à hora de fecho desta edição o Ministério da Justiça não enviou qualquer resposta às várias questões colocadas na quinta-feira. Às 18h46 de ontem fonte oficial do ministério tutelado por Francisca Van Dunem afirmou, aliás, não ter ainda qualquer resposta: «Aguardo informações para lhe responder».
As desconformidades
Problemas nas janelas, portas e ombreiras que se partem, materiais de construção de qualidade inferior ao que foi comprado. Estes são alguns dos exemplos recolhidos pelo SOL dos problemas que o recente edifício apresenta e que estão a ser passados a pente fino pelos investigadores. E mesmo que agora se pretenda responsabilizar o infrator, isso será difícil, uma vez que a empresa já faliu e a garantia bancária que teve de prestar para o caso de haver problemas já foi desbloqueada. Ou seja, o Ministério da Justiça já não a pode acionar.
Há muito que existem denúncias de que a obra não respeitou o caderno de encargos, como em 2016 o SOL chegou a noticiar e já há cerca de um ano e meio o caso começou a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa. Em causa estarão suspeitas dos crimes de burla ao Estado e gestão danosa.
E para essa investigação será fundamental o que o LNEC apurou, mas também analisar a forma como decisores e hierarquia da PJ foram acompanhando estas alegadas irregularidades.
Como o SOL revelou em 2016, mais de dois anos após a inauguração do edifício, alguns dos problemas passam pela não execução de obras específicas necessárias ao bloco do laboratório, alguns detalhes do heliporto e mesmo a ligação do novo edifício ao antigo (na rua Gomes Freire, em Lisboa). Se alguns casos foram ultrapassado, a empreiteira Opway não terá aceitado fazer obras mais complexas, nomeadamente as que eram necessárias à fixação do Laboratório de Polícia Científica, que estando no caderno de encargos, não constava no projeto.
Mas mais do que as obras que ficaram por fazer, existem fortes suspeitas de que o que foi feito foi com recurso a materiais de menor qualidade – é o caso dos vidros do edifício e mesmo dos ares condicionados. A temperatura e a renovação do ar é mesmo um problema apontado por diversas fontes ao SOL, que explicam que os níveis de humidade estão longe de ser os ideais e que as grandes diferenças de temperatura entre as diversas salas têm feito com que muitos inspetores acabem doentes.
Outras fontes contam ainda que nas camaratas de piquete é preciso aguardar 20 minutos para que chegue a água quente – o que se traduz num grande desperdício diário. E referem que apesar de o heliporto poder funcionar sem respeitar as regras comuns, dado tratar-se de uma instalação policial, neste caso são muitas as desconformidades. Um dos exemplos dados é que na hipótese de um derrame de combustível o mesmo acabaria por escorrer pelo prédio abaixo, por não existirem reservatórios para onde pudesse escoar.
Além disso, em mais de 60 salas é impossível fazer a manutenção do filtro do ar condicionado, o que aumenta, dizem, o risco de proliferação da legionela.
Em abril de 2017, o Ministério da Justiça rejeitou qualquer suspeita de irregularidade, tendo justificado ao SOL o pedido de auditoria ao LNEC como «pura prudência».
«Face à magnitude da obra em causa, torna-se necessário assegurar que, no momento da receção, se verifica a total conformidade entre o que foi contratado e o executado. Os procedimentos que estão a ser implementados relevam de pura prudência e justificam-se para defesa do interesse público e proteção da posição de todos os envolvidos. Todas as eventuais desconformidades serão identificadas, apuradas as causas e adotados os procedimentos idóneos à reparação», disse na altura o gabinete da ministra Francisca Van Dunem.