Não tem jeito para aquilo

Rui Rio é um homem com muitas qualidades – mas não nasceu para liderar um partido como o PSD.

HÁ uns 15 dias, antes de rebentar a crise no PSD, eu dizia ao meu filho mais novo: «A frase que melhor define o Rui Rio é que ‘o homem não tem jeito para aquilo’».

E ele concordava: de uma forma simples, terra-a-terra, a frase exprimia o essencial. 

Por mera coincidência, dois dias depois, numa entrevista a Vítor Gonçalves, José Miguel Júdice – falando de Rio – resumia: «Ele não tem jeito para aquilo»; e acrescentava que ele próprio gostaria de ser futebolista mas não tinha o talento necessário para tal.

Exemplos não faltam.

O meu pai era um excelente professor mas nunca seria um bom (nem sequer um razoável) ministro da Educação.

AS pessoas nascem para o que nascem.  Rui Rio é um homem meritório.

É sério, honesto, verdadeiro, frontal – mas não funciona como líder do PSD.

Tenho pena que isto aconteça, pois sempre defendi uma oposição na linha da que Rio faz.

Ou seja: não falando por tudo e por nada, não criticando por criticar, evitando a demagogia, sendo capaz de elogiar o Governo quando há razões para isso.

Por outro lado, sempre defendi a estabilidade.

Acho que os mandatos são para cumprir – e é mau provocar a queda de um Governo ou de um líder a meio do mandato.

Por razões de princípio, e para as pessoas terem tempo para mostrar o que valem.

MAS a verdade é que o tipo de oposição que Rio vinha a fazer é um desastre total – e por cada dia que passava o PSD perdia eleitores. 

Das pessoas que conheço e dizem ter votado no PSD, nem uma diz que vai voltar a fazê-lo: ou vai votar em Cristas, ou em Santana, ou em nenhum.

Estão desmoralizadas e desiludidas.

Como disse Montenegro, o PSD caminhava para o abismo.

Argumentam os apoiantes do líder que, se o partido estava mal, depois do avanço de Montenegro ficou pior.

Não é verdade.

Este avanço teve uma virtude: agitou as águas e abriu uma janela de esperança  para uma possível regeneração.

Como estava, o PSD não conseguia entusiasmar ninguém.

Pode ser que este sobressalto provoque em Rui Rio um choque vital que o leve a mudar.

À FALTA de jeito para a função, Rui Rio acrescenta dois problemas.

Primeiro, não conseguiu transpor a distância que vai do Porto a Lisboa, nunca deixando de ser visto como uma figura regional.

Depois, tem um posicionamento político errado.

Assim, Rio provocou no PSD uma fratura geográfica (que a marcação deste Conselho Nacional para o Porto acentuou)  e uma fratura política.

Manuela Ferreira Leite, na sua ingenuidade, definiu o partido como «social-democrata e não de direita».

Ora, social-democrata é o PS.

E, se se situar à esquerda, o PSD não se distingue do PS.

Torna-se um segundo partido nessa área.

Uma redundância. 

Em vez de ser uma alternativa ao PS – é uma espécie de clone do PS com outra embalagem.

Em vez de o líder do PSD ser visto como uma alternativa ao líder do PS – é encarado como um seu potencial aliado.

O facto é que, com razão ou sem ela, Rui Rio é hoje olhado pelos eleitores como um possível parceiro de António Costa, caso a ‘geringonça’ não se repita. 

PARA ser uma verdadeira alternativa ao PS, que se posiciona à esquerda, o PSD tem de posicionar à direita.

Para ser uma verdadeira alternativa ao PS, que se posiciona ao lado do PCP e do BE, o PSD tem de se posicionar ao lado do CDS e da Aliança.

Para ser uma verdadeira alternativa ao PS, que privilegia o Estado e o funcionalismo público, o PSD tem de privilegiar a sociedade civil e a iniciativa privada.

NÃO sei se Montenegro seria o homem certo para protagonizar este projeto.

Mas uma coisa sei: a sua candidatura agitou o PSD, fez acordar algumas figuras e talvez contribua para evitar a catástrofe anunciada.

Porque ninguém tenha dúvidas: o PSD caminhava para a completa irrelevância.

 

P.S. – Esta semana, o Correio da Manhã publicou – e o SOL desenvolve – uma notícia muito embaraçosa para António Costa. Segundo o jornal, António Costa vendeu uma casa de 320 m2 em Sintra, onde vivia, por 350 mil euros, e comprou uma cave de 74 m2 em Benfica, onde passou a viver, por 327 mil euros. Assim, o primeiro-ministro quase não pagou mais-valias.

Sucede que, tendo em conta os preços praticados nas respetivas zonas, os valores seriam muito diferentes. A casa de Sintra valeria cerca de 480 mil euros (e não 350 mil) e a de Lisboa valeria 245 mil euros (e não 327 mil). Ou seja, havia uma diferença de 235 mil euros entre as duas transações, sobre a qual António Costa pagaria imposto. 

Há outro indicador: a casa de Sintra foi avaliada pelas Finanças em 293.456 euros e a de Lisboa em 61.172 euros. Mesmo tendo em conta as discrepâncias entre avaliadores, as diferenças são enormes – e é estranho que as casas tenham sido alienadas por um valor semelhante. 

O primeiro-ministro, para sua defesa, deveria explicar cabalmente esta situação.