O presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, autoproclamou-se presidente interino da Venezuela e prestou juramento perante dezenas de milhares de opositores ao regime de Maduro, em Caracas. Poucos minutos depois, como se a movimentação estivesse concertada, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconheceu Guaidó como chefe de Estado. “Hoje, estou oficialmente a reconhecer o presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela”, lê-se numa nota da Casa Branca a que o “Washington Post” teve acesso.
Organização de Estados Americanos, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Costa Rica e Canadá também reconheceram Guaidó. Resta saber se a União Europeia o fará. O i tentou saber a posição do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, mas tal não foi ainda possível.
No entanto, Portugal, junto com Espanha, França, Itália e Holanda, pediram à chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, para que a União Europeia constitua um grupo de contacto para conseguir encontrar formas de solucionar a crise na Venezuela.
Solução que pode chegar tarde, tendo em conta os últimos acontecimentos no país. Ontem, a contestação ao regime de Nicolás Maduro voltou às ruas de Caracas. Dezenas de milhares de manifestantes protestaram em cidades de 23 distritos do país, numa tentativa para obrigar Maduro a abdicar do seu segundo mandato presidencial que começou no dia 10.
Na noite de terça para quarta-feira, confrontos entre opositores e as autoridades em cerca de 60 bairros da capital resultaram na morte de quatro pessoas, prenunciando o regresso de protestos violentos. O Museu Robert Serra, perto do Palácio Presidencial de Miraflores, em Caracas, foi incendiado. “Não há espontaneidade na violência noturna. Isso é parte de um plano para ‘aquecer a rua’, gerar subjetividade e combiná-la com as declarações que chegam dos EUA”, explicou Marco Terrugi, sociólogo e analista político argentino radicado na Venezuela.
No dia anterior às manifestações, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, apelou à revolta dos venezuelanos e o grupo Perseguidos no Exílio, composto por opositores políticos a residir nos EUA, pediu “ajuda militar humanitária” a Washington – hipótese nunca afastada.
Nas ruas, e com slogans como “Quem somos? Venezuela! O que queremos? Liberdade”, os manifestantes, empunhando bandeiras do país, marcharam contra Maduro. No centro da cidade, na Praça Venezuela, as medidas de segurança eram fortes, com blindados ligeiros munidos com canhões de água e unidades de intervenção. Ao final da tarde, os manifestantes envolveram-se em confrontos com a polícia, com esta a disparar granadas de gás lacrimogéneo.
A poucos quilómetros de distância, uma outra marcha, também com dezenas de milhares de pessoas, desta vez em apoio ao governo e convocada pelo Partido Socialista Unido da Venezuela, decorria. Foi uma medição de forças entre a direita e a esquerda, mas, principalmente, uma prova de fogo para uma oposição que até ontem estava cercada e cuja estratégia passava por movimentações nas ruas – inclusive violentas -, conquistar o apoio dos militares e a ajuda internacional baseada, por um cordão sanitário ao regime, por ingerência na soberania da Venezuela ou apoio financeiro.
Desde os violentos protestos de julho de 2017 que a oposição tinha perdido capacidade de mobilização e, na última manifestação por si convocada, a 11 de janeiro, apenas 300 pessoas compareceram no bairro de Altamira, a leste de Caracas. Uma fraca mobilização que não prenunciava o que aí vinha contra o regime do sucessor de Hugo Chávez. No entanto, os militares são o pilar do regime venezuelano e tudo dependerá deles.
Guaidó sabe-o e não têm sido poucos os apelos para que os militares “restabeleçam a democracia no país” – leia-se golpe de Estado – e adiram, segundo ele, à vontade do povo venezuelano. A lealdade dos militares fez com que o golpe de Estado de 2002, contra Hugo Chávez, patrocinado por Washington acabasse por fracassar, ajudando, na altura, a fortalecer o governo.
O momento destas movimentações também não é desprovido de simbolismo: é o aniversário da revolta que derrubou a ditadura militar de Marcos Pérez Jiménez, em 1958. E a estratégia começou a ser delineada há algumas semanas atrás, antes da tomada de posse de Maduro, a 10 de janeiro.
Depois de anos de bloqueio e pressões económicas contra Caracas, de apoio à oposição e aos seus grupos armados, incluindo militares desertores, Washington parece ter optado por uma nova estratégia: apoiar a Assembleia Nacional e o seu recém-eleito presidente, cujos poderes foram retirados pelo Supremo Tribunal. Para isso, Mike Pompeo, secretário de Estado dos EUA, fez um périplo pela América Latina, reunindo-se com chefes de Estado, entre os quais o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, para recolher apoios contra Caracas.
Nos dias anteriores à tomada de posse de Maduro, foram muitas as vozes a não reconhecer o seu segundo mandato. OEA, UE e Grupo de Lima alinharam com os EUA, ainda que com algumas nuances, como foi o caso de Bruxelas. O líder venezuelano ficou isolado no palco internacional e apenas 50 Estados enviaram delegações para marcarem presença na cerimónia de juramento, entre os quais apenas seis chefes de Estado.