O convite feito por Marcelo Rebelo de Sousa ao jornalista João Miguel Tavares para presidir à comissão organizadora das comemorações do 10 de Junho deste ano gerou uma onda de críticas, sobretudo da esquerda. E até o próprio ficou surpreendido por ter sido o escolhido do Presidente da República.
Em causa está o facto de o jornalista ter um perfil diferente das outras personalidades que foram escolhidas para a função nos outros anos: tem menos idade e não possui um currículo político ou académico tão vasto. «Há 40 anos que existe um determinado perfil de presidente das comemorações do 10 de Junho e eu não encaixo nele nem a martelo», afirmou João Miguel Tavares ao Público.
Esta é também a opinião de Vítor Ramalho, que acompanhou Mário Soares em Belém durante dez anos. O antigo consultor da Casa Civil do Presidente da Republica salienta ao SOL que o 10 de Junho é «uma data simbólica» e que, por isso, sempre foram escolhidas personalidades «de referência» para presidir às comemorações, como Sobrinho Simões, António Barreto ou Elvira Fortunato. «São pessoas com um grande simbolismo, pelo seu percurso histórico ou pela sua atividade política, social ou profissional. E são pessoas muito conhecidas do país e das comunidades», defende.
Por essa razão, Vítor Ramalho confessa que a nomeação de João Miguel Tavares «foi uma novidade». «Não esperava que o Presidente da República escolhesse uma personalidade com estas características, ao arrepio de todos os seus antecessores, que nunca foram objeto de qualquer tipo de polémica», salienta.
Para o ex-dirigente do PS a escolha pouco consensual de Marcelo Rebelo de Sousa é sinal da mudança dos tempos. «Não esperava, mas eu sei que a realidade do mundo está em vertiginosa mudança, em todos os domínios. E Marcelo está sintonizado com essa mudança», justifica.
Mas, para Vítor Ramalho, a personalidade escolhida para presidir às comemorações do Dia de Portugal não é único ponto marcante nessa data. O teor da intervenção que fizer é fundamental. Com a escolha de João Miguel Tavares, o antigo deputado admite que o discurso será «diferente do usual», mas o antigo deputado está «expectante». Ainda assim, afirma que é fundamental que sejam abordados temas como a representação de Portugal no mundo e a relação com os países de língua oficial portuguesa.
João Miguel Tavares ainda não revelou pormenores sobre a intervenção que irá fazer, mas já garantiu que vai conter humor. «Tem de ser, não é? Por esse lado, pode ser uma dose de novidade. Acho que não vou resistir», contou à TSF.
‘Basta aparecer na TV’
Assim que foi conhecida a escolha de Marcelo Rebelo de Sousa, multiplicaram-se as críticas nas redes sociais. A antiga ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, recorreu à ironia e escreveu, no Facebook, que, depois da nomeação de João Miguel Tavares «qualquer um» pode ser presidente das comemorações. «Basta aparecer na TV. Talvez em 2020 seja a Cristina Ferreira», atirou.
A ex-deputada do PS criticou ainda que o membro do painel do programa da TVI Governo Sombra seja «catapultado para o mesmo nível de António Barreto, Sobrinho Simões, Sampaio da Nóvoa, Elvira Fortunato ou Silva Peneda», que já presidiram às comemorações do 10 de Junho.
Também Rui Vieira Nery, que foi secretário de Estado da Cultura durante o primeiro Governo de António Guterres, usou o Facebook para deixar duras críticas à escolha do Presidente da República. Num longo comentário, o musicólogo considerou que a coluna de opinião de João Miguel Tavares, publicada no jornal Público, «não passa de uma sebenta requentada de clichês neoliberais simplistas que remontam pelo menos ao consulado da Senhora Thatcher».
Ainda assim, Vieira Nery explicou que aquilo que o «perturba» não é «a opção por um autor conservador» nem mesmo «o princípio genérico do rejuvenescimento do perfil do orador». Para o também professor universitário, o que é preocupante «é a mensagem clara» deixada pelo Presidente da República «de uma desvalorização do estudo aprofundado e da reflexão fundamentada sobre as questões cruciais da nossa vida coletiva contemporânea, bem como do seu amadurecimento através de uma obra longa e consistente, muitas vezes longe da ribalta». Em vez disso, Marcelo Rebelo de Sousa escolheu alguém que tem uma «pequena coluna impressionista, feita de simpatias e hostilidades epidérmicas, ao sabor de fezadas ideológicas de momento e de uma cartilha de soluções simplistas para a complexidade dos problemas com que a nossa sociedade se defronta», criticou.
Os partidos mais à esquerda também não deixaram de mandar farpas. Do lado dos bloquistas, o deputado José Manuel Pureza partilhou a notícia de que João Miguel Tavares vai presidir às comemoração do 10 de Junho e escreveu: «Não faço nenhum comentário. Não é preciso». Já da parte do PCP, o antigo dirigente do partido Vítor Dias usou o seu blogue para deixar um recado a Marcelo Rebelo de Sousa: «Ditosa Pátria, valeroso Presidente, troco um quilo de afetos por 100 gramas de respeito».
10 de Junho em Portalegre
Desde que tomou posse, Marcelo Rebelo de Sousa optou por dividir as comemorações do 10 de Junho entre uma cidade portuguesa e outra estrangeira, onde exista uma comunidade lusa. Este ano, as cerimónias vão acontecer em Portalegre e Cabo Verde. E isso foi uma das razões para a escolha de João Miguel Tavares, uma vez que o jornalista é portalegrense. «Ele [Marcelo] acabou por me dizer que o 10 de Junho ia ser em Portalegre, que tinha falado com algumas pessoas, percebeu que eu era de lá e pensou: ‘Porque não?’», contou à TSF.
Além disso, nos últimos tempos, o Presidente da República tem procurado manter-se próximo da comunicação social. Ainda que não tenha falado diretamente da escolha do jornalista, na semana passada, em entrevista à Lusa, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que procura ter «proximidade física, estar o mais próximo possível das pessoas», bem como «proximidade comunicacional, estar próximo dos meios de comunicação social».