Quer compra um carro e não sabe o que escolher? Tudo depende do dinheiro que tem disponível e, acima de tudo, do uso que lhe vai dar. Se, até à pouco tempo, os carros a diesel eram os reis da estrada, agora o cenário mudou e o mercado parece ‘ameaçado’, não só com as restrições europeias quanto à sua circulação, mas também com a sua perda de valor comercial dentro de quatro ou cinco anos – tal como salientou o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, em declarações públicas que geraram polémica e cairam que nem uma bomba no setor.
Mas, afinal, o que escolher? Pondo de lado o investimento na aquisição e baseando-se apenas nos quilómetros feitos, a opinião dos especialistas é unânime: os carros elétricos são a melhor escolha para quem faz apenas 15 mil quilómetros por ano. Já para quem faz entre 15 a 35 mil quilómetros por ano então os veículos a gasolina são a melhor escolha, deixando os carros a diesel atrativos apenas para quem faz mais de 35 mil quilómetros anuais. Ainda assim, esta diferença entre carros a gasolina e a diesel tem vindo a perder terreno nos últimos anos face aos atuais preços dos combustíveis. A vantagem dos segundos face aos primeiros existia para quem fazia muitos quilómetros por dia e a diferença era significativa quando o preço do gasóleo era muito inferior ao da gasolina. Um cenário que tem vindo a esbater-se.
Vamos a números.
Na próxima semana, o litro da gasolina simples vai baixar para 1,408 euros por litro, em linha com o valor do início de janeiro. Já o gasóleo simples vai manter os mesmos valores da semana passada, ao fixar-se nos 1,345 euros por litro, o que corresponde ao nível mais elevado desde novembro. Desde o início do ano o gasóleo já aumentou perto de 6%, enquanto a gasolina ficou cerca de 2% mais cara.
A somar a estes argumentos, há que contar ainda com o imposto sobre circulação, com os custos de manutenção e com o imposto petrolífero – que no Orçamento do Estado apenas baixou para a gasolina em três cêntimos –, que, por norma, são mais caros no caso dos carros a diesel do que nos a gasolina. Neste campo, só os elétricos saem vencedores, uma vez que estão isentos destes impostos, que representam mais de 10% da receita fiscal total, excluindo o IVA associado, cujos valores não são divulgados. Mas algumas estimativas do setor apontam que a posse e uso do automóvel sejam responsáveis por 25% a receita fiscal.
A verdade é que estas isenções nos elétricos poderão ter os dias contados se começaram a ganhar uma quota relevante no mercado nacional. «Não tenhamos dúvidas, o ministro está a partir de uma base em que o carro elétrico não paga impostos mas se atingirem uma quota de mercado relevante não vão ficar isentos, porque estão em causa mais de quatro mil milhões de euros de receita», alerta a Associação Comércio Automóvel de Portugal (ACAP).
Mas, independentemente destas contas, as declarações de Matos Fernandes não caíram bem à associação, vendo isso como um ataque ao setor. «Estas declarações podem resultar de um desejo do ministro, mas não têm qualquer correspondência com a realidade», diz ao SOL o secretário-geral da ACAP. Hélder Pedro acusa ainda o ministro do Ambiente de «estar a interferir no dia a dia das empresas da indústria automóvel», lembrando o peso desta indústria, que é considerada a principal indústria exportadora em Portugal.
E os números falam por si.
Só no ano passado, foram produzidos em Portugal 294.366 veículos automóveis o que torna este o melhor ano de sempre na história da indústria automóvel nacional. Deste total, 97% dos veículos fabricados no mercado nacional têm como destino o mercado externo, contribuindo de forma significativa para a balança comercial portuguesa.
A Europa continua a ser o mercado líder nas exportações dos veículos fabricados em território nacional (91%) com a Alemanha (21,4%), França (15,4%), Itália (12,2%) e Reino Unido (10,7%) a liderarem o ranking.
Hélder Pedro garantiu ainda que não está prevista qualquer alteração de legislação, a nível europeu, que implique uma desvalorização dos veículos a diesel nos próximos anos.
Quota cai no diesel
Ainda assim, reconhece que o peso dos carros a gasóleo tem vindo a cair nos últimos anos, e com especial relevo para os últimos meses. A venda de ligeiros de passageiros com motor diesel em Portugal só ano passado caiu 10,4% face ao ano anterior, tendo sido registados quase 122 mil veículos com este motor.
Com esta redução também a quota de mercado sai beliscada e fica bem longe dos números passados. Com efeito, a quota de mercado dos carros a gasóleo caiu para os 53,25% em 2018, quando em 2017 os diesel novos representavam 61%. E há cinco anos três em cada quatro carros eram a gasóleo (76,8%).
Um cenário que não surpreende o secretário-geral da ACAP, que garante que esta tem sido a tendência europeia a que Portugal não fica alheio. «Há uma tendência europeia de abandono progressivo dos motores diesel na Europa e Portugal segue o mesmo padrão», revela.
Mas lembra que, ao contrário do que o ministro do Ambiente pretende, esta perda de quota do gasóleo vai para os carros a gasolina e não para os elétricos, que continuam a ter pouco peso no mercado nacional (ver caixa). Ainda assim, Hélder Pedro garante que a indústria automóvel está «fortemente empenhada na redução de emissões dos veículos. A prova deste compromisso é de que 40% dos novos modelos anunciados para 2021, já terão a opção da motorização elétrica. Todavia, esta transição irá ser feita de forma gradual».
Mais preocupante, para Hélder Pedro, é a necessidade de voltar a implementar o programa de incentivo ao abate de veículos como forma de renovar o parque automóvel. «O nosso parque automóvel de ligeiros de passageiros tem uma idade média de 12,6 anos, existindo em circulação 700 mil veículos com mais de vinte anos. É lamentável que o ministério do Ambiente tenha sucessivamente rejeitado a implementação deste programa», refere.
Restrições apertadas
A par da queda das vendas, os carros a diesel estão também a ser alvo de maiores restrições no que diz respeito à circulação. No entanto, segundo a ACAP, isso não significa o seu fim. E dá como exemplo o que está ser feito em termos de regulamentação europeia. «Desde 2018 todos os veículos a diesel passam por um teste de homologação mais rigoroso no âmbito da Norma Euro 6d-TEMP, que terá uma nova fase em setembro deste ano. O que prova que, no âmbito da regulamentação comunitária, a aposta é na redução das emissões dos veículos diesel a lançar no mercado europeu nos próximos anos», salienta.
A verdade é que os passos de abandono foram dados primeiro na Europa e a opinião é unânime junto dos especialistas: a tendência é para continuar a agravar-se. Um cenário que é refletido no relatório Cepsa Energy Outlook 2030, segundo o qual apenas 15% dos carros novos em 2030 serão a diesel. Nesse ano, os carros a gasolina deverão representar entre 30% e 35% do mercado, ainda assim, abaixo dos 40,3% verificados entre janeiro e abril deste ano. A ganhar terreno estarão os híbridos (35%) e os elétricos (15%). Quotas de que Portugal ainda está muito longe.
Da Europa tem chegado o mesmo aviso. Para a comissária europeia da Indústria, Elzbieta Bienkowska, «os carros a gasóleo estão acabados» e consistem numa «tecnologia do passado». A fraude que abrangeu 11 milhões de veículos de carros a gasóleo do grupo Volkswagen foi o ponto de viragem na perceção de Bruxelas em relação a estas motorizações.
Mas, enquanto Bruxelas se debate com formas de combater os carros a diesel, já há cidades europeias que deram o pontapé de saída nesta matéria. Hamburgo foi a primeira cidade a proibir parcialmente o tráfego dos veículos a diesel mais poluentes. A medida entrou em vigor a 31 de maio do ano passado e aplicou-se a zonas onde os níveis de dióxido de nitrogénio ultrapassaram os limites estabelecidos pela UE. Quem violar esta norma arrisca-se ao pagamento de uma multa no valor de 75 euros. As restrições não ficam por aqui. Copenhaga, na Dinamarca, pretende proibir a circulação de carros a diesel a partir deste ano. Madrid prevê restringir o acesso dos carros a boa parte de sua área central até 2020. Já Paris quer banir todos os veículos poluentes até 2030 e reservar algumas ruas apenas para a circulação de automóveis elétricos. Também Londres afinou pelo mesmo diapasão, ao cobrar uma taxa de 30 libras a quem entra no centro da cidade – medida que quer alargar ao resto da cidade.