“Não foi de ânimo leve”, mas foi. O governo aprovou esta quinta-feira com efeitos imediatos a requisição civil de enfermeiros, considerando que estes profissionais não estão a cumprir os serviços mínimos nos blocos operatórios. O executivo de António Costa fez ainda saber que esta decisão foi tomada “de forma proporcional e na medida do necessário, de modo a assegurar a satisfação de necessidades sociais impreteríveis no setor da saúde”.
A requisição vai funcionar em quatro centros hospitalares: Viseu, São João, Universitário do Porto e no Douro e Vouga. “Estando em causa, já em alguns casos concretos de algumas instituições que estão a ser afetadas pela greve, situações que são preocupantes e que revelam incumprimentos, a portaria será produzida o mais depressa possível, esta mesma tarde [de ontem], e a sua produção de efeitos é imediata”.
Também foi adiantado pelo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Tiago Antunes, que a requisição durará até ao fim do prazo que consta no pré-aviso desta segunda greve cirúrgica – ou seja, 28 de fevereiro.
Como resposta ao anúncio, a Ordem dos Enfermeiros decidiu convocar para uma reunião os sindicatos Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal e Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros de Portugal (ASEP), bem como o Movimento Greve Cirúrgica para uma reunião – para a próxima terça feira. “Estão também convocados os Enfermeiros Diretores dos centros hospitalares onde decorre a referida greve, no âmbito do acompanhamento que a OE tem vindo a fazer da situação”, lê-se num comunicado enviado.
Os serviços mínimos serão cumpridos, mas informalmente os enfermeiros já ameaçam faltar ao trabalho. Ao Expresso, Lúcia Leite, presidente da ASEP, explicou que essa hipótese está em cima da mesa: “Já ouvi que os enfermeiros colocam a hipótese de abandono dos serviços. Todos têm direito a faltar cinco dias seguidos ou dez intercalados. Portanto, se se organizarem nesse sentido não haverá sequer lugar a serviços mínimos”. Uma hipótese que também já é do conhecimento da bastonária, Ana Rita Cavaco.
Requisição civil, uma jogada poucas vezes usada
A requisição Civil é um mecanismo que prevê consequências para os profissionais que, em protesto, não vão trabalhar. O objetivo, de acordo com o decreto-lei 637/74, é claro: “Assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de setores vitais da economia nacional”. Na prática, é usada em último recurso quando não estão a ser respeitados os serviços mínimos. E, se depois da requisição civil, houver desobediência os funcionários podem mesmo ser sancionados – as consequências vão desde processos disciplinares à condenação pela prática do crime por abandono de funções.
Ao longo das últimas décadas, o recurso à requisição civil verificou-se sobretudo no setor dos transportes, mas também já foi aplicado em greves na justiça.
“A requisição civil das pessoas não concede direito a outra indemnização que não seja o vencimento ou salário decorrente do respetivo contrato de trabalho ou categoria profissional, beneficiando, contudo, dos direitos e regalias correspondentes ao exercício do seu cargo e que não sejam incompatíveis com a situação de requisitados”, refere o diploma.
A primeira (e longínqua) requisição civil
Esta é apenas a segunda vez que é decretada uma requisição civil no setor da saúde. Como o i noticiou esta quinta-feira, a primeira aconteceu em 1976, numa greve de enfermeiros.
Na altura, a decisão foi assinada pelos ministérios da Administração Interna, da Educação e Investigação Científica e dos Assuntos Sociais, este último titulado por Rui Machete. Contactado pelo i, Machete diz não recordar pormenores, lembrando a reivindicação por aumentos salariais. Quem recorda bem esses tempos é José Azevedo, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros, então presidente do comité central da greve.
A greve foi convocada de 12 a 15 de março. Perante ameaças e perseguições aos enfermeiros grevistas, estes ameaçaram abandonar os hospitais, recorda.