«Enquanto cidadão sou contra, mas enquanto Presidente tenho de o respeitar».
Marcelo Rebelo de Sousa 2016, sobre o Acordo ortográfico
A saída do Reino Unido da União Europeia veio levantar problemas de diversa ordem, um dos quais é a política das línguas à escala europeia e mundial.
Trata-se de uma matéria que, sendo demasiado séria, tem estado afastada da ribalta mediática e da prioridade de muitos países, a começar por Portugal. O multilinguismo – no contexto da globalização vigente e da diversidade cultural e linguística num mundo aberto e cosmopolita – deve implicar políticas públicas que valorizem não só as línguas maternas mas também duas línguas estrangeiras por cada cidadão, independentemente da sua origem territorial, idade ou condição social.
Das cerca de sete mil línguas e dialetos que o mundo tem, duas mil e quinhentas estão em risco de extinção. E, para além destas, existem muitas mais ameaçadas e outras em situação muito vulnerável.
Tal acontece em vários continentes, sobretudo em territórios onde a desflorestação, através da destruição da fauna e da flora, está a contribuir para a extinção de línguas, muitas delas ancestrais.
Neste quadro de línguas em extinção, por um lado, e de línguas hegemónicas, por outro lado, os linguistas interrogam-se sobre o que fazer para salvar as primeiras.
Ora, há muita coisa que pode ser feita. Desde logo, criar as melhores condições para a efetiva regulação linguística à escala europeia e mundial. As línguas (nacionais e afins) são património cultural, educacional e social dos seus falantes e dos territórios de pertença.
No ranking das línguas mais faladas do mundo, o português, o inglês e o espanhol, enquanto línguas europeias, estão entre as quatro línguas mais faladas do mundo.
A saída do Reino Unido da União Europeia vai colocar um grande desafio à Europa, no que diz respeito à língua. De língua não oficial da União Europeia, o inglês transformou-se numa ‘língua dominante’ ou até ‘hegemónica’. De ‘língua franca’ (o latim dos nossos dias?), o inglês vai ou não perder poder e influência?
Note-se que o inglês é a língua materna de apenas 14% dos cidadãos da União Europeia. Dos outros 86%, só 8% são fluentes em inglês, e 17% dominam a língua bem ou razoavelmente. Feitas as contas, dois terços dos europeus não falam ou falam mal o inglês. Ora, para ser aprendida, a língua inglesa precisa de 15.000 horas de estudo e de prática…
Com o Brexit, o inglês ficará circunscrito a Malta (meio milhão de pessoas) e à Irlanda (cerca de 5 milhões). Ou seja, o Brexit não poderá deixar de se aplicar ao ‘inglês’, com as consequências que daí advirão, política, económica e socialmente. Poderá ou não continuar a ser a língua dominante e/ou hegemónica?
Os cultores do multilinguismo europeu devem estar atentos e ativos no reforço da democracia linguística europeia. Uma língua é também um instrumento de poder – e da sua manifestação externa resultarão impactos económicos, sociais e culturais positivos. Não é por acaso que, no seio da Academia europeia, existem cada vez mais movimentos a defender o reforço da latinidade e das línguas francófonas e latinas. Voltaremos a esta temática na próxima semana.
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