O que são os subsistemas de saúde públicos?
São responsáveis pela prestação de cuidados de saúde aos membros de certas profissões ou organizações, independentemente do regime de proteção social em que estejam enquadrados, desde que paguem as respetivas quotizações e cumpram os requisitos definidos em regulamento aplicável a cada caso concreto. Foram criados como forma de compensar os baixos salários da função pública. Um dos subsistemas públicos de saúde mais importantes é a ADSE, que existe há mais de meio século. Foi criada em 1963 e, no início, abrangia apenas os funcionários públicos no ativo, mas foi sendo alargada aos dependentes, cônjuges e aposentados. Mas há outros. É o caso da Assistência na Doença aos Militares da Forças Armadas (ADM), dos Serviços de Assistência na Doença – Polícia de Segurança Pública (SAD-PSP) e dos Serviços de Assistência na Doença – Guarda Nacional Republicana (SAD-GNR).
Como funcionam?
Os beneficiários da ADSE pagam 3,5% sobre o seu salário ou pensão e, a partir daí, podem ter acesso a prestadores de saúde privados a preços mais baixos (regime convencionado). Podem ainda optar pelo regime livre, sendo reembolsados mais tarde. Também os beneficiários do sistema de Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM) – assegurada pelo Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA) – descontam 3,5% do seu salário e têm acesso direto ao Hospital das Forças Armadas e a diversos centros de saúde espalhados por várias zonas do país. É o caso, por exemplo, de Coimbra, Tancos e Évora, entre outros. Há também parcerias com grupos hospitalares em que o beneficiário paga a consulta e depois é reembolsado. Mas ao contrário do que acontece na ADSE, a inscrição na ADM é obrigatória.
Quantos beneficiários têm?
A ADSE conta atualmente com 1,2 milhões de beneficiários, entre funcionários públicos no ativo, aposentados do Estado e familiares, sendo um sistema de saúde pago exclusivamente com os descontos mensais dos beneficiários titulares. Já o ADM contava, no final do ano passado, com 115 085 beneficiários, dos quais 58 967 titulares e 56 118 familiares.
Quais os custos suportados pela ADSE?
De acordo com o último relatório de contas publicado pela ADSE, o universo dos prestadores convencionados, em 2016, abrangeu 1613 entidades. E segundo o mesmo documento, cerca de 908 mil beneficiários procuraram a rede da ADSE, enquanto 475 mil optaram pelo regime livre.
Os custos com o sistema de financiamento de cuidados de saúde suportados diretamente pela ADSE totalizaram 538,8 milhões de euros em 2015, um acréscimo de 19,6% face ao ano anterior.
A faturação dos prestadores da rede convencionada aumentou 26,3% entre 2015 e 2016, para 405,3 milhões de euros.
Segundo o relatório, o custo médio de financiamento por beneficiário da ADSE no regime convencionado “tem vindo a aumentar substancialmente ao longo dos últimos anos”, tendo crescido 29,6% entre 2015 e 2016, para 331,45 euros. Já o custo médio por beneficiário em regime livre foi de 137,74 euros.
O que mudou nos últimos anos?
Em 2006, com o governo de José Sócrates, foram levadas a cabo várias alterações ao funcionamento e ao esquema de benefícios da ADSE. A inscrição na ADSE deixou de ser obrigatória e os beneficiários passaram a poder renunciar ao subsistema de saúde – no entanto, sem hipótese de regressar. O desconto aumentou em 2007 para 1,5% no caso dos funcionários no ativo e os aposentados passaram a contribuir com 1% da sua pensão, percentagem que foi subindo gradualmente até atingir 1,5%. Os descontos passaram então a constituir receita própria da ADSE. Durante a troika, este subsistema sofreu ainda mais alterações. O desconto dos beneficiários aumentou num primeiro momento para 2,5% e, menos de um ano depois, em maio de 2014, voltou a subir para 3,5%, valor que se mantém atualmente. Foi nessa altura que o sistema deixou de receber verbas do Orçamento do Estado e passou a ser suportado integralmente pelos descontos dos beneficiários.
Os preços atuais são mais vantajosos do que os seguros?
No caso das consultas, neste momento sai mais barato até do que ir ao SNS. Por consultas de clínica geral na rede convencionada, os beneficiários da ADSE pagam 3,49 euros. No SNS, a taxa moderadora por uma consulta no médico de família é 4,5 euros. Por consultas de especialidades hospitalares, a parte a pagar pelos beneficiários é de 3,99 euros. Nos hospitais do SNS paga 7 euros. Já por um atendimento médico permanente num hospital privado é cobrado aos beneficiários 19,55 euros. No SNS, uma ida às urgências ficará mais barato: custa 18 euros (mas se for encaminhado pela Saúde 24 não paga). Nas análises e exames, os preços são mais baixos do que os que são garantidos pelos seguros. Por exemplo, para os beneficiários da ADSE, uma TAC terá o custo máximo de 18 euros (o valor depende da zona do corpo), mas por uma TAC feita com credencial do SNS, o custo máximo é de 15 euros. Com um seguro, dependendo da franquia, é possível fazer por 20 euros.
O que diferencia este subsistema de um seguro?
Os seguros de saúde são mais limitados do que a ADSE. E isso verifica-se na cobertura. Um plano privado apresenta limitações relacionadas, nomeadamente, com exclusões (por exemplo, hemodiálise, quimioterapia, fisioterapia), períodos de carência, franquias e limites reduzidos (por exemplo, estomatologia), entre outros. Não se esqueça que há determinadas especialidades que são pagas à parte, ou seja, não estão contempladas na cobertura-base. É o caso, por exemplo, de estomatologia e partos. Além disso, como tem uma duração anual, não é garantido que continue a poder usufruir da sua cobertura nos anos posteriores. Conte ainda com períodos de carência e, apesar de já existir alguma oferta sem essa exigência, a maioria continua a ter essa condição em vigor, que é de 90 dias. Outra limitação diz respeito à idade. A maioria das companhias de seguros não aceitam novas adesões de quem tenha mais de 55 anos e, geralmente, não renova o seguro quando se chega aos 65 anos.
O que provocou esta rutura da ADSE com alguns grupos hospitalares?
As novas tabelas de preços que a ADSE apresentou ao setor privado motivaram fortes críticas do setor, tendo a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) considerado que os valores representavam “perdas incomportáveis” para os privados e punham em causa o acesso dos beneficiários aos cuidados de saúde. Mas o braço-de-ferro entre as duas partes ganhou novos contornos quando, no final do ano passado, o conselho diretivo do instituto público comunicou aos hospitais e clínicas privados que estes teriam de devolver 38 milhões de euros devido a excessos de faturação efetuados entre 2015 e 2016.
A decisão da ADSE teve por base um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), que surgiu na sequência de um recurso à justiça por parte da APHP em que contestava as regularizações.
Qual é a sustentabilidade destes subsistemas de saúde?
Sendo totalmente sustentados pelos descontos dos beneficiários, estes subsistemas sobrevivem melhor quanto maior for o número de adesões. De acordo com um estudo da Deloitte feito para a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, entre 2012 e 2017, o número de beneficiários da ADSE caiu em média 1,9% ao ano, prevendo-se que a este ritmo o subsistema tenha 1,118 milhões de beneficiários dentro de cinco anos. Para que em 2022 se atinja de novo o atual valor de 1,2 milhões de beneficiários, o estudo sugere que é preciso que entrem no sistema 82 mil. Já em relação à ADM, o Tribunal de Contas alertou recentemente para o elevado nível de dívidas deste subsistema de saúde. Entre 2016 e 2017, a dívida contabilizada do IASFA aumentou a um ritmo de cerca de 1,3 milhões de euros por mês, e em 31 de dezembro de 2017 ascendia a cerca de 76 milhões de euros, dos quais 69 milhões (91%) estavam relacionados com a dívida a prestadores de cuidados de saúde da ADM.
Estes subsistemas poderão ser alargados a outros beneficiários?
O conselho geral e de supervisão da ADSE aprovou, no ano passado, um parecer que deu luz verde ao alargamento a novos beneficiários, mas ainda não entrou em vigor. Numa primeira fase iria abranger os funcionários com contrato individual de trabalho e os “arrependidos” (funcionários que renunciaram à ADSE e que, à luz das regras em vigor, estão impedidos de regressar).
Com a entrada dos CIT e dos arrependidos, a ADSE poderá ganhar cerca de 60 mil novos beneficiários. Em suspenso ficou a proposta de um alargamento mais vasto. Recorde-se que nas propostas iniciais chegou a ser admitida a entrada dos cônjuges dos beneficiários.