Amanhã, Arnaldo Matos completaria 80 anos e até sobre a possibilidade de se tornar octogenário, e da natural aproximação da morte, tinha posição muito própria. «Faço 80 anos em fevereiro. Sei que vou morrer, e não tenho medo. Sou comunista. Mas o simples facto de não saber quando irrita-me solenemente porque não sei se terei tempo para fazer todas as coisas que quero», disse ao Expresso há três meses. Não chegou a mudar de década e, possivelmente, a fazer todas as tais coisas que queria. O fundador – e líder em exercício – do PCTP-MRPP morreu ontem, vítima de uma crise cardíaca.
«É com uma profunda tristeza e um enorme vazio que vimos informar que faleceu há poucas horas o nosso querido camarada Arnaldo Matos, fundador do PCTP/MRPP e um incansável combatente marxista que dedicou toda a sua vida ao serviço da classe operária e a lutar pela revolução comunista e por uma sociedade sem classe», lê-se na nota emitida pelo partido. Foram 79 anos (com um hiato de três mornas décadas) de uma vida devotada à política e que lhe valeu o epíteto de «grande educador da classe operária», nas palavras de Natália Correia, granjeado nos tempos do PREC.
Nascido em Santa Cruz, na Madeira, a 24 de fevereiro de de 1939, cursou Direito. Tinha 31 anos quando fundou o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP), juntamente com Vidaúl Ferreira, João Machado e Fernando Rosas, que mais tarde (em 1976) se transformou em PCTP (Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses)/MRPP. Estávamos em 18 de setembro de 1970 e o partido, fundado na clandestinidade, depressa começou a ser conhecido entre os operários e a agregar militantes e simpatizantes. O grupo de fundadores foi-se posteriormente afastando do movimento até restar Arnaldo Matos, que se tornou o seu líder histórico.
Já no pós 25 de Abril, Arnaldo Matos era conhecido por ser «delegado do Comité Lenine», como era tratado no Comité Central do MRPP. Após o movimento ter sido legalizado, 18 de fevereiro de 1975, Arnaldo Matos foi preso pela primeira pelo COPCON, em Mirandela, e foi aí que o seu verdadeiro nome foi conhecido.
O jornal Luta Popular, fundado em 1971, é desde a sua primeira impressão o principal órgão do PCTP-MRPP. O partido marcou ainda o debute de nomes como Ana Gomes, Durão Barroso, José Saldanha Sanches, Maria João Rodrigues ou Maria José Morgado, entre outros, tendo alguns deles sido inclusivamente presos em maio de 1975.
Entre 1982 e 2015, Arnaldo Matos deixou a liderança do partido e cortou com a política. Justificou a saída por considerar que, à luz da vitória da contrarrevolução, o movimento tinha deixado de fazer sentido. Quando regressou, em 2015, sublinhou que tal justificação nunca tinha sido dada por si, e aventou um motivo muito mais prosaico para o afastamento: «Fui-me embora porque, na verdade, eu tinha de tomar conta dos meus filhos e eu não tinha outra forma de ganhar a vida, e não se pode ser secretário-geral do partido a tempo parcial». Durante este hiato de mais de três décadas, Arnaldo Matias de Matos foi advogado. E voltou rapidamente às declarações polémicas, ao considerar num editorial do Luta Popular que os ataques terroristas do Bataclan, em Paris, tinham sido «um ato legítimo de guerra».
Segue-se então uma luta interna no partido, em que acaba por afastar o amigo e António Garcia Pereira e voltar à liderança do PCTP-MRPP.
Se no início da sua atividade política se fez valer essencialmente dos jornais como instrumento de luta, desde setembro de 2017 que fazia do Twitter arma de arremesso, sendo muitas vezes criticado por atacar tudo e todos. Ora vejamos: o Bloco era um «putedo», a ‘gerigonça’ era «um putedo», PCP e Verdes idem. Tratava Daniel Oliveira por «o filho de Helberto Hélder», ou Álvaro Cunhal do «Barreirinhas Cunhal».
Manteve a mesma linha até ao fim. No dia 15 de fevereiro, por exemplo, escreveu: «Há três coisas que os estudantes não devem pagar: as propinas, os passes sociais de transportes públicos e as despesas de saúde. Unam-se e façam greve! Venceremos! Mostrem que o PS é uma merda! Mostrem que PS, PCP, BE e Verdes são tudo um putedo!»
Na quarta-feira passada, publicou o último tweet, deixando uma nota final muito mais doce: a fotografia do beijo do marinheiro «ousado» e da enfermeira em Times Square, em 1945, no dia que marcou o final da II_Guerra Mundial, em que dava conta da morte do protagonista.
Na hora da despedida, o Presidente Marcelo sublinhou que a «intransigente independência» de Arnaldo Matos «contribuiu decisivamente para enriquecer o debate democrático e para o pluralismo de opinião no seio da sociedade portuguesa».