A poucos quilómetros da fronteira entre a Venezuela e a Colômbia, milhares de voluntários da oposição ao Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, preparavam-se para hoje forçar a entrada de ajuda humanitária no país – chamam-lhe o ‘Dia D da ajuda humanitária’. Organizam-se em grupos, mas poucos são aqueles que sabem como o farão e ainda menos o que poderá acontecer se as forças armadas o impedirem. «Há uma grande preocupação sobre como irá [a ajuda humanitária] entrar no país», disse Danny Golindano, médico do partido da oposição Primeiro Justiça, enquanto a um conjunto de voluntários, citado pela Associated Press. São muitos os receios de que hoje possa haver confrontos que acabem por dar azo a uma intervenção externa.
É o último grande desafio à autoridade de Maduro pelo autoproclamado Presidente interino, Juan Guaidó, que se dirigiu para a fronteira na quinta-feira, com 80 deputados da oposição. Do lado colombiano, os Presidentes da Colômbia, Iván Duque, e do Chile, Sebastián Piñera, não esquecendo a comitiva do Partido Popular Europeu, liderada pelo eurodeputado Paulo Rangel, viajaram também para a fronteira para dar seu apoio a Guaidó e à ajuda humanitária.
A tensão na zona fronteiriça resultou ontem num incidente que terá provocado a morte de pelo menos uma pessoa (havia fontes que falavam em duas). Militares venezuelanos dispararam contra indígenas pemones que procuravam passar ajuda humanitária pela fronteira – Maduro ordenou na quinta-feira o encerramento da fronteira e do espaço aéreo venezuelano por tempo indefinido. O incidente causou ainda 15 feridos e os indígenas acabaram por sequestrar o comandante-geral da Guarda Nacional Bolivariana na província de Bolívar, José Miguel Montoya, em retaliação, segundo a jornalista da Univision Noticias e da Rádio Caracol Elyangelica González no Twitter.
É um episódio que indicia a tensão que se vive nas fronteiras da Venezuela e que, dizem os críticos dos Estados Unidos, poderá ser um pretexto para uma intervenção militar. «Impulsionados pelo seu vício em provocações, os nossos parceiros norte-americanos estão agora a preparar uma provocação clara e flagrante na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela para 23 de fevereiro», denunciou o vice-embaixador russo nas Nações Unidas, Dmitry Polyanski, citado pelo Sputnik. Também a China, desde sempre defensora da não ingerência nos assuntos soberanos dos Estados, avisou que a entrada de ajuda humanitária não deve ser forçada, garantindo opor-se a qualquer intervenção militar.
Sabe-se que Washington movimentou forças armadas para as proximidades da Venezuela. «Os EUA acumulam silenciosamente o seu poder militar perto da Venezuela», disse o jornalista britânico e especialista militar Tom Rogan ao Washington Examiner, explicando que «uma importante presença naval e marítima dos EUA está a operar perto da Colômbia e da Venezuela», dando à Casa Branca um vasto leque de opções.
Além das forças marítimas, Washington enviou também equipas de operações especiais para a fronteira da Colômbia e do Brasil com a Venezuela. «Esta mensagem é para os militares venezuelanos: serão em última instância responsáveis pelas vossas ações», avisou o almirante Craig Faller, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, esta semana, depois de uma reunião com o Estado-Maior das Forças Armadas colombianas. Aviso que antecedeu a declaração do ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, de que Maduro apenas seria derrubado por «cima dos cadáver» dos militares. As Forças Armadas continuam a ser o principal sustentáculo do regime venezuelano e não mostram sinais de brechas na sua cúpula.
O mesmo não acontece entre os oficiais subalternos, como evidencia a deserção esta semana do coronel Pedro Chirinos, assessor militar adjunto na Missão Permanente da Venezuela na ONU.
Sabendo que uma intervenção militar é uma possibilidade, Maduro enviou mísseis e infantaria para a fronteira com a Colômbia, não deixando de lado a hipótese de encerrar indefinidamente a fronteira. Ao mesmo tempo, forças paramilitares, outro sustentáculo do regime, têm-se preparado para um eventual conflito bélico e juraram lealdade ao Presidente. «O risco está na atuação das milícias paramilitares formadas no chavismo, muito apoiadas por Maduro, mas muito mais dificilmente controláveis», explicou disse ao SOL o eurodeputado Paulo Rangel (ver entrevista).
A ajuda humanitária transformou-se numa disputa política entre Guaidó e Maduro para a conquista da opinião pública mundial. A poucos quilómetros de distância, o Venezuela Live Aida, do lado colombiano, juntou mais de 30 artistas contra o regime para angariar 100 milhões de dólares em ajuda humanitária, enquanto do lado oposto centena e meia de artistas e bandas estavam anunciadas para o Hands Off Venezuela, contra a intervenção de Washington. Uma batalha de concertos que se teme poder anteceder uma batalha mais sangrenta.