Olhar para o interior

A escassez de trabalho operário (pequena indústria que não se modernizou), exploração do subsolo por empresas estrangeiras e cujos lucros ficavam nos respetivos países, taxa elevada de analfabetismo e pouca literacia, ensino superior e secundário, meios de transporte e vias de comunicação quase inexistentes

A sinopse histórica de Portugal inicia-se com a sua fundação de 1143 a 1910, período que corresponde a 767 anos de monarquia e 108 anos de República. A capital nem sempre esteve no litoral, mas nunca esteve em causa a divisão territorial. No entanto, quando a capital de um país se encontra no Interior, o país torna-se mais equitativo e isso acontece com a maior parte das capitais dos países mais desenvolvidos da Europa (Madrid, Paris, Roma, Berlim) e noutros continentes, exemplo o Brasil que mudou a capital para o Interior edificando uma cidade de raiz, Brasília.

Portugal é uma exceção e quando Lisboa se torna capital o desenvolvimento urbano e económico passou a estar concentrado no litoral com todas as infraestruturas. Este facto foi uma das causas que contribuíram para a desertificação do Interior, com muita migração para a capital.

A escassez de trabalho operário (pequena indústria que não se modernizou), exploração do subsolo por empresas estrangeiras e cujos lucros ficavam nos respetivos países, taxa elevada de analfabetismo e pouca literacia, ensino superior e secundário, meios de transporte e vias de comunicação quase inexistentes. Com todas estas dificuldades, viver no Interior para a maioria das pessoas era viver com fome e sem objetivos de futuro. A emigração foi o único meio de melhorar as condições de vida, pelo que surge um grande fluxo emigratório no século passado. Primeiro para os países Sul-Americanos (Brasil, Argentina e Venezuela) e Províncias Ultramarinas (Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e mais tarde a partir dos anos 50 para a Europa (França, Alemanha e Suíça).

Com o Golpe de Estado de 1974 (Revolução de 25 de abril) deu-se o processo de descolonização e consequentemente a independência dos Estados Africanos sob administração portuguesa, o que originou um grande fluxo de deslocados para Portugal (talvez mais de um milhão). Sendo na sua maioria originários do Interior do País, com surpresa verificaram que as condições de vida e o progresso estava praticamente igual ao que deixaram muitos anos antes e mais uma vez se fixaram no litoral. Mas tudo é passado, hoje o Interior tem ensino superior, secundário, primário e infantil de excelência, habitação moderna, rede rodoviária e ferroviária ligada a toda a Europa, centros de congressos dos mais modernos, hotéis e restauração de qualidade, património natural, cultural e imaterial e recursos endógenos de superioridade e mais do que tudo tem Recursos Humanos de competência. Todavia o Interior não poderá sobreviver com o decréscimo populacional que se está a assistir.

Portugal Continental é um país de pequena dimensão, com um comprimento máximo de 561 Km entre Melgaço no Minho e o Cabo de Santa Maria no Algarve, com 18 distritos e 9 852 657 habitantes. Da população total, 71% (6 977 396) encontra-se concentrada em apenas quatro distritos situados no litoral (Lisboa, Porto, Setúbal e Aveiro), pelo que a regionalização não se justifica. Não é viável nem de interesse público “Governos Regionais” porque não gerem receitas suficientes para serem autónomos, é aceitável alguma descentralização se incidir na desconcentração de serviços, mas insuficiente para a sustentabilidade económica e social do Interior.

Descentralização visa a transferência de poderes e competências do Poder Central para o Poder Local, ou seja, dispersa por todo o país as administrações e organismos que se encontram agrupados no mesmo lugar e caracteriza-se quando um poder absoluto passa a ser repartido por outros organismos, nomeadamente Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais. O Estado atua indiretamente, os serviços públicos são prestados por terceiros mas o controlo e fiscalização é exercida pela Administração Central.

Desconcentração é um procedimento interno, significa a substituição de um órgão por dois ou mais com o objetivo de acelerar a prestação do serviço. Na desconcentração o serviço é centralizado e continua centralizado, dado que a substituição apenas se processa internamente. As atribuições administrativas são outorgadas aos vários órgãos que compõe a hierarquia, criando-se uma relação de coordenação e subordinação entre um e outros, é feito com o intuito de dispersar do centro um grande volume de atribuições, confiando o poder de decisão aos agentes do Poder Central residentes na localidade para permitir o seu mais adequado e racional desempenho. A desconcentração de serviços públicos é a medida mais eficaz e eficiente, para que o País se torne mais equitativo e moderno, beneficiando do desenvolvimento tecnológico que trouxe inovação, proximidade aos centros de pesquisa envolvendo Serviços Públicos e Autarquias.

Defender a coesão do território é um assunto de importância Nacional. Não tem a ver com interesses faciosos, mas sim estabelecer um pacto com todos os Líderes Partidários, Governo, Presidente da República e outros Órgãos do Poder que terão de se reunir, debater e assumir o compromisso do que cada um pode contribuir para o seu desenvolvimento/progresso.

Alguns exemplos são mencionados de como se pode desconcentrar serviços da Administração Central e contrariar a desertificação do Interior.

Ministério do Planeamento e Infraestruturas

Um dos maiores problemas na deslocação de pessoas tanto a nível profissional como de lazer é o custo das portagens. Assim, o pagamento das portagens das SCUT (autoestradas e vias rápidas) deve ser feito através de um selo magnético de leitura imediata nos pórticos, em três prestações com um valor fixo anual.

As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional  (CCDR) considerados serviços desconcentrados da Administração Central encontram-se desadequados e com pouca dinâmica não estando a contribuir com as funções para as quais foram constituídas, pelo que a sua missão deve ser reajustada e ter uma dinâmica proativa.

Todo o Património do Estado, que se encontra afeto a cada Ministério, deverá ser gerido por um único Organismo contribuindo assim, para uma utilização e manutenção mais eficiente evitando os enormes gastos suportados em rendas pelo Estado e a degradação dos edifícios.

Ministério da Saúde

A Prestação de cuidados de saúde deve ser igual para todos, daí ser necessário que os organismos de saúde sejam capazes de atrair e fixar médicos em todas as áreas necessárias com equidade em todo o território. Deve ser elaborada legislação em relação à sua colocação, referindo a obrigatoriedade de permanência mínima de 3 anos. Médicos recém – licenciados e médicos que terminam a especialidade devem ser colocados pelo Serviço Nacional de Saúde num concurso a nível Nacional. Caso recusem a colocação, devem ser penalizados. Não deve haver qualquer subsídio de fixação ou de deslocação, dado que qualquer cidadão tem o dever de prestar serviço onde é colocado, independentemente do lugar ou distância.    

Ministério da Administração Interna

Todos os serviços e comando sobre a alçada da Proteção Civil devem sair de Lisboa e passarem para o Interior.

Comando e efetivos da GNR devem passar para o Interior, dado que, as atribuições que lhe estão conferidas dizem respeito às zonas rurais e o serviço de patrulhamento e de fiscalização na capital são da responsabilidade da PSP.

Ministério da Defesa 

Os Quartéis militares com Centros de Instrução sediados em Lisboa devem passar para outras regiões do país.

A Academia Militar deve estar localizada numa cidade do Interior, tal como noutros países nomeadamente, em Espanha que se encontra em Saragoça.     

Ministério da Justiça

O Tribunal Constitucional passar para uma cidade fora da capital onde se ministre o curso de direito. Outros países da europa já fizeram essa opção nomeadamente, a Alemanha.

O Centro de Estudos Judiciários e o Centro de Formação de Guardas Prisionais devem também ser deslocados.

Ministério da Agricultura

Todos os Institutos Públicos e Direções de Serviços deste Ministério devem ser deslocalizados para cidades do Interior onde predomina a sua ação.

Ministério da Economia

Diligenciar junto da EDP uma redução do custo da eletricidade e contribuir com uma percentagem dos lucros anuais para o desenvolvimento do Interior. O mesmo procedimento se deve exigir à REN.

Colocar a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) ao serviço do território com delegações sediadas no terreno, junto de Instituições de Ensino Superior e Autarquias, divulgando e promovendo o investimento empresarial junto de embaixadas e dos embaixadores de países investidores.

Ministério da Segurança Social e do Trabalho

O Instituto de Emprego e Formação Profissional e a Inspeção-Geral das condições de trabalho, também devem ser desconcentrados.  

Se estas e outras medidas forem implementadas a coesão do território torna-se uma realidade.

Ester Amorim, Professora Universitária de Gestão e Economia