A tensão entre o Paquistão e a Índia, duas potências nucleares, voltou a subir na noite de terça para quarta-feira. As forças armadas paquistanesas revelaram ontem que abateram dois caças indianos MiG21, detendo um piloto. Um dos aviões caiu em território paquistanês na região de Caxemira, enquanto o outro se despenhou em solo indiano. Nova Deli tem outra versão dos acontecimentos: confirma a perda de apenas um avião, mas garante ter abatido um caça paquistanês. Acusa ainda o seu vizinho de atacar instalações militares indianas. Islamabad encerrou o seu espaço aéreo até mais desenvolvimentos, com sete aeroportos indianos a serem encerrados e as forças armadas indianas a ficarem em alerta máximo.
“Nesse confronto aéreo, um caça da Força Aérea paquistanesa foi abatido por um MiG21 Bison da Força Aérea indiana. O caça paquistanês foi visto por forças terrestres a cair do céu no lado paquistanês”, afirmou o porta- -voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros indiano, Raveesh Kumar, explicando que esse confronto se deu depois de o Paquistão ter “usado a sua força aérea para atacar instalações militares” indianas.
Já as forças armadas paquistanesas divulgaram um vídeo em que aparece o piloto indiano capturado, o comandante Abhinandan, com roupas lavadas e feridas tratadas.
Na terça-feira, o diretor dos serviços de comunicação das forças armadas paquistanesas, o major-general Asif Ghafoor, tinha garantido que os militares paquistaneses estavam prontos para retaliar contra a Índia. “Estamos prontos. Chegou a altura de a Índia esperar pela nossa resposta”, disse.
Em causa está o bombardeamento, no lado paquistanês de Caxemira, de um campo de treino do grupo jihadista Jaish-e- -Mohammad (Exército de Maomé), no início desta semana. A organização terrorista foi responsável pelo atentado que vitimou 44 paramilitares no território indiano da região, no que foi o ataque mais mortífero de sempre.
A Índia acusa o governo paquistanês, principalmente os seus serviços secretos, de apoiar a organização terrorista na tentativa de expulsar as forças indianas da região maioritariamente muçulmana. Nova Deli encarou o bombardeamento como uma necessidade “preventiva” para evitar mais atentados e, ontem, anunciou ter entregue um dossiê com provas de que a organização preparava mais atentados terroristas contra forças indianas e de que a sua liderança residia no Paquistão, segundo o “Times of India”.
O bombardeamento desta terça-feira foi a primeira vez que caças indianos entraram no espaço aéreo paquistanês e dispararam mísseis em quase cinco décadas. Representou um embaraço para as forças militares paquistanesas, pois os caças indianos entraram três quilómetros no espaço aéreo do Paquistão, conseguindo disparar mísseis e regressar a território indiano sem serem intercetados – embaraço esse que terá motivado Islamabad a responder de forma célere contra Nova Deli, ainda que tenha sido liminarmente rejeitado por Ghafoor.
Na terça-feira, forças paquistanesas e indianas envolveram-se numa troca de tiros em vários setores da Linha de Separação, num sinal claro de que a tensão não iria parar de subir no futuro próximo.
“Esta não foi uma retaliação no verdadeiro sentido, mas para mostrar que o Paquistão tem essa capacidade. Podemos retaliar, mas queremos ser responsáveis, não queremos uma escalada, não queremos uma guerra”, lê-se num comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros divulgado pouco depois de se saber do abate dos caças.
O primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, seguiu a mesma narrativa e, num discurso televisivo, apelou à abertura de negociações entre Islamabad e Nova Deli para se evitar o aumento da tensão. “A História diz-nos que as guerras estão cheias de erros de cálculo. A minha questão é que, dadas as armas que temos, não podemos dar-nos ao luxo de cometer erros de cálculo”, garantiu Khan, acrescentando estar “pronto para cooperar”. “Sentemo-nos juntos para conversar e encontrar uma solução.”
A Índia reagiu ao apelo convocando o embaixador paquistanês para lhe exigir o imediato e seguro regresso do piloto capturado. Não se sabe se o primeiro–ministro indiano, Narendra Modi, pondera sentar-se à mesa com Khan.
Os dois vizinhos estão de costas voltadas desde 1947, quando a Índia se tornou independente da Grã-Bretanha, dando origem à independência do Paquistão. Desde essa altura que os dois Estados se envolveram em quatro guerras, três – em 1947, 1965 e 1999 – por causa de Caxemira, cujo território está maioritariamente sob controlo indiano. A Índia tornou-se uma potência nuclear em 1974 e o Paquistão em 1998, com a dissuasão nuclear a conferir baixa intensidade ao conflito.
As ondas de choque de um eventual confronto entre Islamabad e Nova Deli ultrapassam em muito Caxemira. Por um lado, ameaçam transformar um conflito já de si sensível num confronto armado entre duas potências nucleares, e, por outro, prejudicar as negociações de paz entre os talibãs, apoiados não oficialmente pelos serviços secretos paquistaneses, e o governo afegão, apoiado pelos EUA.
“A continuação de tal conflito vai afetar o processo de paz no Afeganistão”, avisou o porta-voz dos talibãs, Zabiullah Mujahid, alertando a Índia de que “não deve exercer mais violência” contra o seu vizinho por “a continuação do conflito ser muito prejudicial para a Índia”.
Os apelos à contenção e ao diálogo também não se fizeram esperar. O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, apelou às duas potências nucleares para “usarem de contenção e evitarem uma escalada a todo o custo”. Já a China, aliada de sempre de Islamabad, disse esperar “contenção” e “medidas eficazes que fortaleçam o diálogo”. A União Europeia e a Nova Zelândia também se juntaram aos apelos ao diálogo.