Os casos de avenças polémicas nas câmaras municipais alastram-se. E não tocam apenas a um partido. Além dos casos conhecidos nas câmaras de Lisboa e de Loures, que celebram contratos de avença a funcionários com quem têm ligações partidárias ou familiares, há agora outros casos na Câmara de Setúbal. A autarquia liderada pelo PCP, através de Maria das Dores Meira, tem, pelo menos, um contrato de avença com uma filha de um vereador do PS, Fernando Paulino. Contrato este que foi firmado um ano depois de o Executivo da câmara ter sido eleito, a 1 de outubro de 2017.
De acordo com o contrato publicado no portal Base, a 20 de outubro de 2018, o vereador do PCP Carlos Rabaçal estabeleceu um contrato com Sara Paulino, através de regime de ajuste direto, com uma avença para prestar «serviços para implementação da estratégia de organização de moradores», num programa específico da autarquia que se chama «Nosso Bairro, Nossa Cidade». O contrato tem prazo de um ano com um valor total de 18 mil euros, acrescidos de 23% de IVA, mais 4140 euros. No total, Sara Paulino vai receber 22.140 euros ou 1845 euros mensais.
Já antes de ser contratada pela Câmara de Setúbal, o percurso profissional de Sara Paulino esteve quase sempre muito próximo do percurso profissional do pai, o vereador Fernando Paulino. De acordo com a página LinkedIn, entre agosto de 2012 e maio de 2017, Sara Paulino teve funções como assessora de comunicação na União das Mutualidades Portuguesas (UMP), instituição ligada à Associação de Socorros Mútuos Setubalense, da qual o pai é presidente. Sara Paulino saiu da UMP cinco meses antes das eleições autárquicas para trabalhar como assessora de comunicação para o PS durante a campanha eleitoral de 2017.
Questionada pelo SOL sobre a contratação de Sara Paulino, a Câmara de Setúbal garante que «todas as contratações obedecem a princípios de transparência legalmente exigíveis». A autarquia acrescenta ainda que contratação de Sara Paulino se deve «à necessidade de reforçar a equipa deste programa» devido «ao acréscimo permanente de tarefas que o ‘Nosso Bairro, Nossa Cidade’ tem registado».
Outra avença
O caso de Sara Paulino não é único na Câmara de Setúbal. Já no anterior mandato, a autarquia celebrou dois contratos com Ana Mineiro, namorada do vereador socialista Paulo Lopes para a prestação de serviços jurídicos.
De acordo com os contratos a que o SOL teve acesso, o primeiro foi firmado com a sociedade de advogados de Ana Mineiro, a Fidalgo & Mineiro e esteve em vigor durante um ano, entre maio de 2013 e maio de 2014, com uma remuneração mensal de 1980 euros, mais 455 euros de IVA. O segundo contrato esteve em vigor durante dois anos, entre agosto de 2014 e julho de 2016, e foi celebrado diretamente com Ana Mineiro. A remuneração mensal manteve-se nos 1980 euros, acrescidos dos 455 euros de IVA.
Os contratos eram do conhecimento e foram autorizados pela presidente da câmara, segundo o mapa de prestações de serviços em vigor, na altura, assinado por Maria das Dores Meira – a que o SOL teve acesso.
Sobre as avenças de Ana Mineiro, a autarquia diz que «o primeiro contrato entre a Câmara de Setúbal e Ana Maria Mineiro foi celebrado ainda na vigência dos mandatos do anterior presidente, eleito pelo PS». Só em janeiro de 2016, Ana Mineiro «terminou, por mútuo acordo, a sua relação contratual com a câmara», explicou a câmara.
Tendo em conta que o PS perdeu a presidência da autarquia em 2001, Ana Mineiro teve contratos de avença durante, pelo menos, 15 anos com os autarcas eleitos pelo PCP: Carlos de Sousa e Maria das Dores Meira, ambos do PCP.
Sobre se tinha conhecimento das ligações familiares de Sara Paulino e de Ana Mineiro com vereadores socialistas da autarquia, fonte oficial diz que «não compete à Câmara Municipal investigar as relações pessoais dos seus funcionários e eleitos» e, «do ponto de vista institucional, não tem qualquer relevância para a presidente desta autarquia».
A Câmara de Setúbal acrescenta que é «regularmente alvo de inspeções e de auditorias» e que «nos procedimentos necessários à celebração destes contratos nunca se questionaram, formal ou informalmente, as pessoas sobre responsabilidades políticas passadas, presentes ou futuras de ascendentes familiares ou respetivas filiações partidárias».
O caso Judas
Já em 2018, a Câmara de Setúbal foi uma das autarquias que contratou por ajuste direto, Joaquim Judas, ex-presidente da Câmara de Almada. A contratação foi celebrada depois de Judas (PCP) +perder as eleições em Almada para Inês Medeiros do PS. O caso foi avançado pelo Correio da Manhã que, na altura, escreveu que além de Setúbal, Judas foi contratado pela autarquia do Seixal para exercer em ambas as câmaras serviços de médico especializado em medicina do trabalho.
Segundo o portal Base, o vínculo entre o ex-autarca comunista e a autarquia setubalense foi celebrado a 6 de fevereiro de 2018 diretamente com a presidente Maria das Dores Meira e tem a duração de dois anos, recebendo Joaquim Judas 2300 euros mensais.
Ao CM, a autarquia de Setúbal disse que Judas «foi prestador de serviços na área da saúde e medicina no trabalho» naquela autarquia «durante sete anos, entre 2006 e 2013», pelo que «retoma agora» essas funções.
Já a Câmara do Seixal tem dois contratos celebrados com Judas. Um através da empresa do médico, Miguel Judas – H.S.S, com sede no Monte da Caparica, durante um ano e cinco meses, com uma remuneração total de 73.416 euros, repartidos entre os anos de 2018, 2019 e 2020. O outro diretamente com Judas, com duração de cinco meses (terminou a 5 de julho de 2018) e previa o pagamento de 19 mil euros.
Desta forma, Joaquim Judas teve dois contratos em simultâneo com a autarquia do Seixal.