Pedro Ferraz da Costa. “Os nossos salários são baixos? Muitas pessoas até ganham mais do que deviam”

O economista critica o fraco crescimento económico e garante que Portugal poderia crescer acima dos 4% se fosse essa a sua prioridade.

A economia portuguesa cresceu 2,1% em 2018, menos do que foi estimado pelo governo. Era expectável?

Era. É natural atravessarmos períodos de maior crescimento e períodos de menor crescimento. Tivemos trimestres consecutivos da economia mundial a crescer e era natural que se chegasse a uma fase de abrandamento, independentemente de haver algumas razões objetivas que ainda não estão resolvidas e são importantes. É o caso das discussões comerciais entre os EUA e a China, que têm peso no comércio mundial, e de algumas dificuldades europeias, como a tensão entre Itália e França, as tensões sobre o Brexit, a incapacidade da Comissão Europeia para terminar a União bancária, a persistência e, até diria a teimosia, em querer impor-se objetivos federalistas que depois encontram dificuldades em vários países. Evidentemente todas estas situações não são o melhor ambiente para o crescimento. Agora também é indiscutível que nunca na economia mundial as bolsas reagiram tão depressa de forma positiva a algumas más notícias. Parece que está tudo a desejar continuar em frente em termos de crescimento. Em Portugal a situação é ligeiramente diferente porque estamos a crescer muito pouco e também anda tudo muito amorfo.

O governo desvaloriza nos seus discursos esse fraco crescimento…

É natural. Qualquer governo faria isso. Acho que há uma estratégia geral de pouca exigência porque também se sabe que não se pode ter resultados muito diferentes. Não me recordo nesta legislatura de alguma vez ter ouvido um conjunto organizado de medidas com o objetivo de pôr o país a crescer mais. Isso foi um assunto que nunca foi referido e está completamente fora do radar. Não é uma coisa com que as pessoas se preocupem muito.

Porque não há grandes exigências?

Não há. Tivemos durante o período de ajustamento uma reação muito positiva dos exportadores, o que permitiu continuar a subir o peso das exportações no PIB. Não temos grandes dúvidas que o caminho de progresso da economia portuguesa passa por aí, mas isso nunca foi objetivo desde o 25 de abril. Não me lembro de nenhum governo que alguma vez tenha lutado muito por isso. Tivemos uma intervenção relativamente forte e em alguns aspetos positiva e influente nos governos de Cavaco Silva no processo de reprivatização de alguns setores, mas também foi um período de grande concentração nos setores dos bens não transacionáveis, contribuindo para criar um ambiente que não é positivo entre o Estado e essas empresas, o que fez com que, durante anos, as empresas viradas para o mercado interno crescessem mais do que as outras, que tivessem melhores resultados, ou seja, tinham todas as vantagens possíveis. Só a partir do segundo acordo com o Fundo Monetário Internacional, em 1983/85, é que foi restabelecido um balanço entre empresas exportadoras e não exportadoras. Hoje em dia temos setores que voltaram a ser importantes para a economia portuguesa, como é o caso do têxtil e do calçado, mas depois temos muitos outros, como a metalomecânica, motores elétricos e tudo o que se construiu à volta da Autoeuropa e que tem sido muito importante para o reequilíbrio da balança corrente. 

Há muitas empresas, nomeadamente do setor da metalomecânica que falam em falta de mão-de-obra…

Para lhe dar um exemplo próximo, nos últimos 20 anos a Espanha aumentou a sua população em 16%. Portugal aumentou 1,3%. Se não tivermos mais pessoas como é que conseguimos criar mais emprego? As pessoas também não estão muito interessadas em vir para Portugal porque as condições não são muito boas. Quando olhamos para o diferencial de salários entre o que ganha um médico em Portugal e o que é oferecido a um médico na Galiza ficamos com uma ideia clara do desnível que existe. As pessoas que podem emigram e depois é muito difícil com as condições atuais que oferecemos atrair muita gente. Depois há muitos cá dentro que conseguem não trabalhar por vários outros esquemas: rendimentos sociais de inserção, subsídios de desemprego, programas de formação, etc. Temos uma das taxas mais elevadas de jovens que não estudam nem trabalham. Como temos uma população ativa que não tem crescido, os setores que estão em expansão enfrentam essa dificuldade em recrutar. Há coisas que as empresas podem fazer individualmente, mas há muitas outras que têm de ser feitas em colaboração com o Estado e se quisermos atrair gente de outros países para trabalhar em Portugal vamos ter de ter formações específicas adequadas para isso e têm de ser enquadradas num projeto. O problema é que esse projeto não existe.

Não existe por falta de interesse ou por falta de estratégia?

Porque se faz muito pouco. Vivemos num clima do ‘deixa andar’. Demoramos anos para resolver qualquer assunto e as coisas arrastam-se. Isso não é muito atraente. E viu-se isso com a maior parte dos refugiados que atravessaram o Mediterrâneo e não estavam interessados em vir para cá.

No Orçamento do Estado deste ano, o governo apostou em atribuir benefícios fiscais aos imigrantes que quisessem regressar ao país. Foi insuficiente?

Acima de um certo nível de vencimento, os benefícios atribuídos não são suficientes para fazer ninguém voltar. E as pessoas não foram lá para fora só por causa das condições salariais. As pessoas foram lá para fora porque acharam que tinham possibilidades de lutar por uma promoção profissional e que cá é muito difícil porque uma economia que cresça abaixo dos 4 ou dos 5% não cria postos de trabalho de chefia. Os jovens entram e têm dois ou três andares de chefes à frente deles que não vão morrer tão cedo, ainda por cima, morremos todos cada vez mais tarde. As pessoas pensam ‘o que é que estou aqui a fazer?’ E vão-se embora.

Tem dito várias vezes que a economia portuguesa tem condições para crescer acima dos 4%…

Então não tinha? Se durante o período de ajustamento da troika conseguimos ganhar quota de mercado e foi um período de ajustamento extremamente difícil porque a economia europeia não estava a crescer, isso mostra que é possível. 

Então porque é que a economia não cresce mais?

Porque não se faz nada para isso, até se faz tudo ao contrário disso. Vimos a burocracia a reduzir-se ou os impostos a simplificarem-se? Não se vê nada. Nesses aspetos estamos rigorosamente no mesmo sítio em que estávamos. 

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