Cada hora que passa sem energia elétrica na Venezuela traz mais caos a um país já à beira do colapso. Os sucessivos apagões que deixaram às escuras mais de metade do país vão no quarto dia consecutivo, dificultando as comunicações e obrigando ao fecho de escolas, negócios, bancos e multibancos. A comida apodrece nos frigoríficos e os hospitais estão a funcionar com geradores de emergência, que têm sido insuficientes para responder às necessidades dos doentes, o que já terá causado a morte de pelo menos 17 pessoas, segundo a oposição.
Durante a madrugada de ontem, num dos breves momentos de regresso da eletricidade, uma explosão num transformador elétrico em Baruta, no município de Caracas, encheu de chamas o céu noturno. O incêndio foi filmado por habitantes locais, como Catarina Molina, que em declarações à France Press, descreveu o cenário como semelhante “a um filme de terror”.
A explosão, que levou a mais um apagão na cidade, terá sido causada por um sobreaquecimento dos condutores elétricos na barragem de Guri – uma das maiores do país – segundo Winston Cabas, presidente de um sindicato de técnicos elétricos, em declarações à Associated Press.
A escuridão facilitou as pilhagens de supermercados por parte dos mais pobres e desesperados. Um repórter da BBC testemunhou um desses episódios, em que foram detidos dezenas de habitantes locais, enquanto as suas mães, esposas e filhas berravam com a polícia. “O que é suposto fazermos? Os nossos netos estão a morrer de fome”, gritou uma das mulheres.
Enquanto a situação se agrava o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, tem descrito os apagões como “o pior ataque imperialista contra o país em 200 anos”, considerando-os uma “guerra elétrica”, através de “ataques cibernéticos”, orquestrada pelos Estados Unidos juntamente com a oposição.
Apesar das alegações do presidente, a rede elétrica venezuelana sofre há anos de baixo investimento e falta de manutenção. As restrições às importações impediram as compras de muitas peças necessárias ao funcionamento da rede, que ficou ainda mais subfinanciada com as sanções norte-americanas e a baixa do preço do petróleo, que perfaz mais de 90% das exportações venezuelanas.
O autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó, em entrevista à CNN, relacionou a situação com a “incompetência” do governo, acusando-o de “roubar das centrais elétricas” e considerando de “homicídio” as mortes causadas pelo apagão. Guaidó considerou que “a Venezuela já colapsou”, lamentando que o setor privado tenha sofrido pelo menos 400 milhões de dólares em perdas devido ao apagão.
Em resposta, o autoproclamado presidente interino entregou uma declaração à Assembleia Nacional para que decrete o “estado de emergência”. Segundo a Constituição, o estado de emergência pode ser decretado durante 30 dias e prolongado por mais 30 dias.
Mesmo que seja declarado o estado de emergência, dificilmente terá resultados práticos, dado a maioria das instituições do Estado, incluindo o exército, continuarem a apoiar o governo.
O que poderia ter efeito prático seria a aplicação do artigo 187 da Constituição, que permite à Assembleia Nacional autorizar intervenções militares estrangeiras no seu solo. Ainda na mobilização deste sábado, Guaidó gritou aos seus apoiantes: “Artigo 187 quando chegar a altura. Precisamos de estar nas ruas, mobilizados”. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não descarta a hipótese de uma intervenção militar norte-americana, mas este cenário foi afastado pelos países aliados de Guaidó na América Latina.