Na semana passada, a Argentina foi abalada por um caso pungente, que comoveu tudo e todos, envolvendo uma menina de 11 anos que engravidou depois de ser violada pelo companheiro da avó.
A menina apareceu no hospital com dores de estômago e os médicos acabaram por constatar que estava grávida de 19 semanas. Após uma acesa polémica, que durou um mês, em que uns defendiam o aborto e outros a continuação da gravidez, os médicos acabaram por fazer uma cesariana, retirando do ventre da menina um bebé de 600 gramas, com poucas possibilidades de sobreviver.
A menina argentina tornou-se uma arma de arremesso. Um delegado de Saúde da zona de Tucumán, no norte da Argentina, onde ocorreu o caso, afirma que ela exprimiu a vontade de ir para a frente com a gravidez, mas outras fontes afirmam ter ela dito: «Quero que tirem de dentro de mim o que o velho lá pôs».
As organizações feministas agitaram-se, indignando-se por os médicos salvarem o bebé desrespeitando a vontade da mãe.
Mas outras pessoas tiveram dúvidas: deveriam os médicos respeitar o que alguns diziam ser a vontade da menina e matar o feto, ou tentar salvá-lo, como acabaram por fazer?
Na Roma antiga, os pais eram verdadeiramente proprietários dos filhos. Se estes cometiam algum ato considerado desonroso para eles ou para a família, os pais tinham o direito de os matar. Vários generais romanos foram mortos pelos progenitores por terem perdido uma batalha.
Mas na nossa civilização não é assim. Os filhos não são propriedade dos pais nem das mães. Estes não os podem maltratar e muito menos matar. Por isso, quando as defensoras do aborto dizem «A barriga é minha», estão a laborar num equívoco. A barriga é evidentemente delas. Podem comer ou beber o que quiserem. Mas quando transportam no ventre uma criança, o caso é diferente: a barriga é delas mas o bebé não. Não podem fazer dele o que quiserem. Ninguém pode dizer que um ser humano, seja em que fase da vida for, é propriedade sua e tem sobre ele direitos de vida ou de morte.
E assim voltamos ao caso da menina na Argentina. Não sabemos verdadeiramente o que ela desejava, porque os testemunhos são contraditórios e a posição de uma criança de 11 anos pode mudar de um momento para o outro – e consoante a pressão a que é sujeita.
Mas mesmo que a vontade firme da criança fosse desfazer-se do bebé, a obrigação dos médicos era outra: era fazerem o que estivesse ao seu alcance para lhe salvar a vida. Em nenhuma circunstância os médicos poderiam matar o bebé dentro da mãe ou tirá-lo com vida e matá-lo a seguir.
Pura e simplesmente não podiam fazê-lo.
Embora o caso da Argentina seja deveras invulgar, custa-me muito perceber a militância constante das organizações feministas a favor do aborto, como se a maternidade fosse uma coisa indesejável, uma escravidão, e não uma libertação. Tendo começado por ser uma luta a favor da despenalização do aborto, as feministas passaram para outros patamares e o aborto tornou-se uma ‘causa’: há organizações que fazem campanhas incentivando as mulheres a abortar.
E quando se fala em aborto, é difícil não recordar Cristiano Ronaldo – cuja mãe, segundo a própria confessou, fez tudo para o abortar. Porque era o quarto filho, porque vivia com muitas dificuldades, porque o pai da criança tinha problemas de alcoolismo. Ora, as dificuldades transformaram-se em abundância. Toda a família vive hoje à sombra de Ronaldo. D. Dolores é uma figura planetária por causa do filho. O que seria daquela família se aquele menino de ouro não tivesse nascido?
E quantos Ronaldos não se terão perdido daquele modo? Claro que a humanidade também se pode ter livrado de muitos patifes. Mas uma coisa é certa: nunca encontrei nenhuma mãe arrependida de ter tido um filho. Mas vi algumas arrependidas e traumatizadas por terem abortado. Quantos filhos indesejados se tornaram depois adorados pelas mães e pelos pais?
Se o bebé da Argentina sobreviver, um dia mais tarde saberemos se a menina violada o ama ou o detesta. E se está ou não grata aos médicos por o terem salvo.