O último concerto já foi há três anos e foi um último concerto perfeito. Gonçalo Tocha pediu-lhe mais um, de homenagem, para revisitar “Dinamite” – e fechar um ciclo
Nunca nos entrou na cabeça em crianças por que é que Dina cantava kiwi com u em vez de v. Também queríamos muito uns brincos iguais àqueles, de qualquer forma não foi para falar de “Amor de Água Fresca” que nos encontrámos com ela no São Luiz, em Lisboa, que em 40 anos de carreira cabe muito mais do que isso. É aqui que amanhã à noite Ana Bacalhau, B Fachada, Best Youth, Da Chick, D’Alva, Márcia, Mitó, Samuel Úria, Tochapestana, Manuel Dordio, João Pinheiro, David Santos e João Gil se juntam a Dina para revisitar “Dinamite”, o seu primeiro disco, “álbum seminal da música moderna portuguesa que passou despercebido no seu tempo”, num concerto que (juntamente com o de dia 24, no_Rivoli) marcará oficialmente o encerramento da sua carreira.
Quando olha para trás qual é o momento mais importante?
Houve vários. Desde 1980, quando participo no Festival da Canção e os próprios jornalistas que estão a cobrir o certame têm necessidade de criar um prémio. O prémio revelação foi criado pelos jornalistas, tenho lá em casa um papel do “Se7e”, do “Correio da Manhã”, dos jornais da altura. Tive vários momentos importantes. Valeu a pena? Valeu. Pena é que tinha vontade de continuar e não posso. Posso como compositora, como cantora está fora de questão.
Tem muitas músicas na gaveta. Alguma dessas merecia mais estar nalgum dos seus discos do que as que ficaram?
É sempre difícil responder a isso. Quando acabamos de gravar um disco já estamos insatisfeitos. Por que é que não fiz aquilo de outra maneira, por que é que fiz assim o disco, com esta faixa em vez de outra?
Depois dessa primeira participação no Festival da Canção grava “Dinamite”.
É o meu primeiro álbum. Estava a trabalhar só focada nesse álbum, não queria festivais nem nada disso. É um álbum que está repleto de coisas fantásticas mas passou um bocado ao lado, quase invisível, porque eu não sabia que podia dizer não.
Está a falar de quando foi pela segunda vez ao Festival da Canção.
Exatamente. Cantar duas canções do LP “Dinamite”, que na altura não queria mesmo. Ainda gravei o “Pássaro Doido” e depois o single “Há Sempre Música Entre Nós”, que era o que eu queria levar ao Festival da Canção – e aí, sim, acho que teria corrido bem, não sei o que aconteceu, se calhar perdeu-se nos corredores, se calhar ninguém a mandou, não me interessa. Para as pessoas a Dina é o “Amor de Água Fresca” e “Há Sempre Música Entre Nós”, mas tenho uma discografia mais vasta e bem puxada. Daí o Gonçalo Tocha ter pegado naquele disco, “Dinamite”, que ninguém sabe que existe – a não ser os curiosos.
Estava a dizer que não sabia que podia dizer não.
Se soubesse que podia dizer “não”, teria dito que não ia ao Festival da Canção. Concorreram com três canções do LP à revelia, sem eu saber. E quando chegaram todos entusiasmados a dizer “apuraram-te três canções”, fiquei zangada. Devia ter dito que não. Não se faz isto, mas aí foi a minha ignorância.
Era outra época.
Claro. Não gostei mesmo nada do que aconteceu, mas achei que não tinha saída. E_tinha, isto nos dias de hoje era impensável. Mas a partir daí nunca mais me endireitei. Ainda gravei o “Pérola, Rosa, Verde, Limão, Marfim” mas depois perdi o fio à meada, fiquei desmotivada e foi complicado retomar a confiança. Senti-me traída… Percebi anos mais tarde por que é que isso tinha acontecido.
Mas isso condicionou a sua carreira?
Não foi só isso. Tenho a certeza que fiquei aquém do que poderia ter sido, podia ter feito muito mais coisas. E a culpa aqui não é só disso, houve coisas que não soube gerir. Senti-me sempre um bocado isolada e houve coisas que fiz bem e coisas que fiz muito mal. Mas há uma coisa de que tenho a certeza: nunca defraudei quem gostou de mim desde a primeira vez, porque o trabalho é sempre muito… tem uma marca, tem um registo. E quando o Gonçalo Tocha fez o repto a toda esta gente [para o concerto], eles conheciam-me todos. Não tinham a noção de todo o meu trabalho, mas tinham alguma. Esta malta toda que vai cantar, podiam ser meus filhos. E para mim isto é uma honra, ficarei eternamente grata. Houve uma empatia muito grande quando o Gonçalo descobriu o disco e disse “giro, giro era tu gravares connosco”. Foi aí que tive que lhe contar que estava com um problema respiratório. E foi aí que ele disse: “Então vamos fazer uma celebração da tua música, já que não podes cantar”.
Mas vai cantar pelo menos uma?
Vou, tem que ser.
Qual?
Não digo! [risos]
Tem aquela coisa de num dia lhe apetecer mais uma que outra?
Não, tem mesmo a ver com os problemas respiratórios. Por exemplo, os dias mais húmidos são extremamente complicados. Levanto-me e já terminou o dia para mim. Imagine o que é estar o dia todo dentro de um colete de forças, sempre apertado.
Como é que foi quando descobriu que tinha fibrose pulmonar?
Sabe que os pulmões são um órgão muito emocional e em 2006 perdi dois irmãos, um em março, outro em julho. Perder os pais é uma coisa de que não estamos à espera mas faz parte da vida, os irmãos… eles crescem connosco. E eu sentia aqui um peso, pensei que era angústia, porque não conseguia respirar, fui ao médico e como não sou fumadora ele não viu grande coisa mas disse “vamos fazer uma TAC”. E na TAC não houve sombra de dúvidas. Mas ainda conseguia andar de bicicleta quando ia a Carregal do Sal, sentia-me cansada mas não tanto.
Então quando percebeu que tinha que deixar de cantar?
Há três anos dei o último concerto, na Figueira da Foz. Entretanto perdi outra irmã, em 2012, foi muito complicado gerir porque tive dois meses e pouco para me preparar para isso, desde que ela adoeceu. Mas conseguia fazer os concertos. A 22 de setembro faço esse concerto e parecia que havia ali uma magia qualquer. O casino estava cheio, eu, duas guitarras e um piano. Fantástico. Nem me senti cansada. No dia seguinte estava de rastos. E depois, nos ensaios, percebi que já não conseguia. Não conseguia afinar. Uma pessoa tem que ter pulmão para aguentar a nota. Depois foi piorando e não consigo, não consigo mesmo.
Acha que podia ter sido outra coisa?
Gostava de ter sido médica mas médias, xau, mas gostei sempre muito de música. A primeira vez que peguei numa guitarra, aos 14 anos, comecei logo a tentar compor as minhas coisas, não queria cantar as dos outros. Comecei, logo em duas cordas, a querer fazer aquilo que ia na minha cabeça, portanto acho que mais cedo ou mais tarde aquilo ia revelar-se.
Como é que veio para Lisboa?
A minha irmã mais velha veio cedo para Lisboa trabalhar. Eu vinha de vez em quando, mas definitivamente vim em 1977, 78, para o Senhor Feliz e o Senhor Contente. A minha irmã conhecia bem o João Soares Louro, que nessa altura era presidente da RTP e havia [no “Nico no País das Maravilhas”] uma rubrica para dar lugar aos novos. Fui aos livros lá de casa, encontrei um poema do António Gedeão que musiquei e foi isso que levei ao programa. Depois saiu uma crítica do Mário Castrim, que dizia mal de toda a gente e de mim disse maravilhas. Apresentei-me na Polygram a cantar umas canções num inglês mal amanhado, o Tozé Brito ouviu e disse “tens quem te faça a letra?” Tinha o Eduardo Nobre, que fez o “Guardado em Mim”.
E a história do CDS?
A história do CDS é mais tarde, em 95. Portugal estava num marasmo, mas sempre me estive a borrifar para a política, juro. Só que o Manuel Monteiro sabia que, para fazer passar uma mensagem, era preciso um discurso articulado. E conseguiu passar-me a mensagem: entrarmos no Tratado de Maastricht, deixarmos de ter a nossa moeda, temos que ser questionados em relação a isto. Daí a fazer-lhes o hino foi um passo. Nem cobrei. Mas não estou filiada em lado nenhum.
Já estamos sem tempo, mas não queria que nos despedíssemos sem falar do “Amor de Água Fresca”…
Principalmente para vocês que eram miúdos. Depois do lançamento do “Pérola, Rosa, Verde, Limão, Marfim” lanço o álbum “Aqui e Agora”, que não agitou muito. Então foi aí que pensei: “Tenho que fazer uma canção para ganhar”. E fiz uma canção, pus nos auscultadores da minha filhota, ela cantou, e pensei “está feito”. A Rosinha [Lobato Faria] pôs-lhe o cocktail das frutas e ganhei com uma diferença…
E foi à Suécia.
E fui. A Malmö.
[entrevista originalmente publicada no jornal i a 21 de março de 2016]