Após semanas de emergência, devido à devastação causada pelo furacão Idai, Moçambique tenta voltar a um mínimo de normalidade. Apesar de algumas pessoas continuarem presas em áreas de difícil acesso, na região de Sofala, apenas recebendo esporadicamente os bens mais básicos, na cidade da Beira já reabriram muitos dos serviços, e já se veem alguns esforços de reconstrução das estruturas afetadas.
«As entidades públicas foram muito rápidas a restabelecer as infraestruturas – as estradas, a eletricidade e luz – muito mais do que toda a gente teria pensado», assegura ao SOL João Alberty, diretor de uma empresa de construção na Beira. Já no que toca às habitações de particulares, o processo é mais lento, tendo sido recuperadas sobretudo as coberturas das casas, na sua maioria de chapas de zinco.
Esta recuperação de habitações tem sido dificultada pela especulação galopante, que afeta tanto produtos básicos como materiais de construção. «Senti isso ontem», conta ao SOL Inácio Alberto, que de momento tenta reconstruir a sua livraria na cidade da Beira. Relata que tem visto uma grande procura de «chapas de zinco, ferro para construção e madeira transformada» – materiais baratos mas pouco adequados para construir habitações seguras e capazes de resistir a um novo desastre natural. Muitas testemunhas do ciclone Idai contam que as chapas de zinco de muitas casas terão voado a velocidades assustadoras durante o ciclone, acabando por provocar inúmeras mortes.
Muitas das obras de reconstrução estão a ser levadas a cabo por empreiteiros chineses, que têm um grande peso no país – tendo sido notado que muitas estruturas feitas por essas empresas, apesar de recentes, foram as mais danificadas pelo ciclone. «Do ponto de vista dos materiais de construção, Moçambique é muito dependente do mercado chinês», nota João Alberty, que considera que esse facto se deve à falta de recursos e à pobreza do país. «O preço do metro quadrado é muito inferior, por isso a qualidade dos materiais no geral é diferente», explica.
O Governo parece incapaz de impor regras de segurança na reconstrução, também porque sabe das dificuldades que teria em implementá-las. Seria muito complicado exigir a uma população que enfrenta uma necessidade de abrigo imediata que pensasse no próximo desastre. Os moçambicanos querem voltar às suas vidas normais, ter um teto sobre a sua cabeça agora.
Outra questão premente é a da alimentação. Apesar de organizações humanitárias, como a Cruz Vermelha (ver caixa ao lado), assegurarem que a comida continua a chegar, nota-se também alguma diminuição da ajuda internacional, à medida que a crise de Moçambique vai saindo do radar mediático. Algo que ganha contornos preocupantes se pensarmos que a crise alimentar no país veio para ficar, dado que entre as regiões mais afetadas pelo furacão Idai estão algumas das províncias mais produtivas do país – ainda para mais quando a tragédia se deu pouco antes da altura mais produtiva do ano.
Oportunismo, especulação e açambarcamento
Apesar de o Governo moçambicano já ter iniciado a distribuição de sementes, adubos e equipamentos agrícolas – num esforço para diminuir a dependência de ajuda humanitária – as primeiras colheitas só estão previstas para o final do ano, no início da nova época das chuvas. Entretanto, também os produtos agrícolas são alvo de grande especulação, à semelhança dos materiais de construção.
«O preço dos alimentos tem aumentado. Há uma tendência de oportunismo e especulação de preços, a nível de todos os produtos», descreve Inácio Alberto, que diz que o fenómeno ganha outra dimensão devido ao «aumento da procura, dado que as pessoas que vêm das áreas rurais também estão cá [na Beira]». A cidade foi utilizada como zona segura durante os resgates na área circundante, que ficou ainda mais afetada que a capital de província.
Além das distribuições por parte das organizações humanitárias, destinadas à pessoas em centros de acolhimento, muitos moçambicanos dependem da economia paralela – que normalmente já tem grande peso no país, que tem crescido ainda mais com a tragédia. Muitas vezes «vê-se a compra de produtos que deveriam ser entregues às pessoas mais afetadas, fora da cidade da beira», critica Inácio.
Face à escassez de alimentos, «há pessoas que tomam a iniciativa de trazer produtos de Maputo, para vender com um preço especulativo». O Governo de Moçambique tem tentado impedir o açambarcamento e a especulação, colocando no terreno vários fiscais da Direção Provincial de Comércio no terreno para multarem comerciantes com más práticas.
Apesar disso, o mercado paralelo «está à vista de todos», assegura Inácio. Pode ser encontrado à beira da estada e até subdividido em secções consoante os produtos disponíveis. Ainda assim, muitas das pessoas que podem deslocar-se preferem ir fazer compras a Chimoio – a mais de 200 quilómetros de distância.