Como está a situação no terreno? Está a chegar ajuda suficiente?
A ajuda está a chegar aos poucos, mas ainda há dificuldades de distribuição, há zonas que ainda não estão acessíveis. É necessário haver um reforço principalmente dos canais de distribuição, que têm de ser mais eficientes. Como foram muitas pessoas que ficaram todas ao mesmo tempo sem comida, há muita ansiedade e violência.
Que tipo de violência?
Houve casos em que a polícia teve de disparar para o ar para controlar as pessoas, que lutavam para ter acesso à comida. Estamos perante uma situação em que as pessoas ficaram muito tempo sem comida. Agora sobrevive quem pode.
Têm ocorrido muitos roubos?
Foram reportados alguns casos, mas é preciso distanciar as instituições disto, das atitudes de algumas pessoas. São situações que, na minha opinião, são controláveis e acontecem esporadicamente.
Na semana a seguir ao ciclone houve muita ajuda. Com o passar do tempo e com cada vez menos notícias sobre o assunto, a ajuda tem diminuído?
Sim, eu estive na Beira na semana passada e não há aquela chegada desmesurada de aviões com ajuda. Diminuiu muito o número de voos que traziam ajuda alimentar. No entanto, é preciso referir que tem chegado muito apoio no que diz respeito à distribuição de medicação para a cólera.
E essa ajuda vem de onde?
Vem de algumas organizações europeias ligadas à ajuda humanitária. Falo, por exemplo, de uma organização alemã chamada Wings of Hope, que veio pessoalmente entregar medicamentos e suplementos alimentares.
E em relação à reconstrução de infraestruturas, existe um plano a longo prazo?
Sim, nós estamos a trabalhar num plano de reconstrução que irá iniciar-se dentro de pouco tempo. O Governo está a organizar uma reunião com os doadores, que vai decorrer no próximo mês. Nós próprios estamos a organizar uma conferência com doadores que irá decorrer um pouco antes desta, organizada pelo Estado. Os esforços viram-se agora para a fase de reconstrução.
Existem relatos de pessoas da Beira que dizem que os preços dos alimentos estão muito superiores em relação aos preços antes praticados.
Houve, de facto, um aumento, mas é preciso compreender que a rede comercial não estava a funcionar e aqueles que conseguiam ter os alimentos aumentavam os preços. Mas com a reabertura dos mercados, das lojas, esses preços já estão a descer.
O Governo tomou alguma medida para conter essa especulação?
Sim, o Governo foi muito forte nesse aspeto, mas são situações difíceis de controlar. Há uma diretiva do governo a dizer que irá punir severamente as pessoas que forem encontradas a aumentar os preços mas, até agora, não temos notícia de pessoas que tenham sido punidas.
Algumas construtoras dizem que os preços dos materiais também estão muito altos.
As casas na Beira costumam ter chapa de zinco na cobertura. Praticamente todas essas casas foram afetadas e a própria fábrica que as produzia foi destruída e, por isso, não havia como recuperar as habitações. Ou seja, os poucos que tinham chapas deste material começaram a vendê-las a um preço muito alto. No entanto, regressei à Beira na semana passada e vi que já há chapas disponíveis, vindas de Maputo e de outros pontos de Moçambique. Isso vai ajudar a estabilizar os preços.
O dia-a-dia das pessoas afetadas está a voltar ao normal?
Sim. Vai demorar algum tempo até que tudo volte a ser como era, pois eventos como estes têm um grande impacto psicológico. Mas, aos poucos, as pessoas regressam à vida normal. A vida comercial já está a funcionar, o setor energético também e o abastecimento de água já foi restabelecido.
O que podem fazer os europeus para continuarem a ajudar?
Podem ajudar na reconstrução das casas e da rede sanitária, e também no fornecimento de bens alimentares. Os campos agrícolas e as culturas que existiam foram todos destruídos, por isso, a falta de alimentos será a próxima grande crise que iremos enfrentar.
E já há medidas para lidar com essa situação?
Estão a ser distribuídas sementes para a próxima época de cultivo mas, enquanto não chegar a colheita, vamos ter muitos problemas.