O Movimento 5 Estrelas (M5S), parceiro maioritário da coligação que governa Itália, ameaçou fazer cair o Governo, este domingo, caso a Liga não demita o secretário de Estado dos Transportes, Armando Siri, acusado de aceitar subornos de um empresário ligado à máfia. O escândalo surge a poucas semanas das eleições europeias, em que está previsto que os nacionalistas da Liga ultrapassem eleitoralmente os seus parceiros do M5S – algo que por si só já coloca o Governo sob tensão. O Executivo italiano vai reunir hoje para decidir como lidar com a situação.
No coração do escândalo está Siri, que é investigado por receber alegados subornos no valor de 30 mil euros de empresário da energia eólica, Vito Nicastri, ligado a Matteo Messina Denaro, considerado o padrinho da máfia siciliana. Terá sido a troco destes subornos que o secretário de Estado dos Transportes defendeu uma série de incentivos às energias renováveis, durante a discussão do Orçamento de Estado de 2018 – algo que beneficiaria diretamente Nicastri. Escutas telefónicas mostram Siri a discutir o negócio com o suspeito mediador, o empresário Paolo Arata, antigo deputado do Força Itália, o partido do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi.
Enquanto Siri nega todas as acusações, Salvini tem reafirmado ter “plena confiança” no secretário de Estado, salientando que os incentivos às energias renováveis acabaram por não integrar o orçamento, pedindo que a unidade de investigação anti-máfia termine o inquérito antes de demitir o seu colega de partido. Já o M5S mantém a regra estrita de não aceitar suspeitos de corrupção em cargos públicos, exigindo que a Liga faça o mesmo quando governam juntos. “Quando há máfia envolvida, não podemos esperar pelo julgamento para decidir”, considerou o líder do 5 Estrelas, Luigi Di Maio. Num comunicado assertivo, os populistas exigiram a Salvini: “Mostre que tem tomates no caso Siri e faça-o demitir-se”.
Contudo, os laços entre o Salvini e o secretário de Estado dos Transportes parecem ser demasiado estreitos para que este caia sem que a Liga dê luta. Num momento em que Salvini assume o papel de pivot entre a extrema-direita para as eleições europeias, Siri é considerado a ligação entre o Executivo italiano e Steve Bannon, o antigo conselheiro de Donald Trump que tem tentado reorganizar e financiar os nacionalistas europeus. Aliás, Siri terá sido o primeiro dirigente da Liga a reunir com Bannon, quando este começou a cortejar o partido de Salvini.
Face ao escândalo, o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, que tentava ser um mediador entre ambas as partes, já teve de alinhar publicamente com o M5S, exigindo a demissão de Siri. Até agora, o ministro do Interior recusou o ultimato do primeiro-ministro, desvalorizando as alegações de corrupção e afirmando: “Conte deveria desafiar-me quanto à política fiscal, no que toca a assuntos que interessam aos italianos”.
Contudo, poucas coisas parecem interessar mais aos italianos do que o combate à corrupção, num país consistentemente considerado dos mais corruptos da União Europeia – algo que custa a Itália uns impressionantes 60 mil milhões de euros por ano, segundo o Tribunal de Contas. Trata-se de um tópico sensível, a espinha dorsal do crescimento do 5 Estrelas, que fez da luta anticorrupção a sua bandeira. O caso Siri voltou a colocar o assunto na ordem do dia, após ter sido relegado para um plano secundário face à dura política anti-imigração da Liga – que tornou o Governo italiano um modelo para a extrema-direita europeia.
Esta viragem da disputa política para um terreno onde o 5 Estrelas tem a vantagem interessa pouco a Salvini, como relembrou Di Maio, que tentou desvalorizar o assunto. “Salvini é uma pessoa inteligente e preocupa-se com este Governo. Deixá-lo cair por causa deste caso parece-me forçado”.
Desde a tomada de posse do Governo que o M5S tem perdido eleitorado, como mostram as suas sucessivas derrotas em eleições regionais, que também revelam um grande crescimento da Liga. Apesar de os líderes de ambos os partidos partilharem o desejo de que o Executivo aguente o mandato completo, as relações entre ambos deterioraram-se ao ponto de até se deixarem de se seguir no Instagram. Mesmo que o Governo não caia hoje, com o caso Siri, uma fonte governamental do Politico não tem dúvidas: “A situação é muito tensa. Será muito difícil para nós [Governo italiano] sobreviver depois das eleições europeias. Simplesmente não é possível governar um país deste modo”.