Há uns meses escrevi que Mário Centeno acabaria por ceder no braço-de-ferro com os professores.
Cumpre-me hoje reconhecer que errei.
Mea culpa!
Não cedeu e fez muito bem.
Marcou pontos.
Quanto à direita, deu um enorme tiro no pé.
Apresentando-se até há pouco tempo como a campeã da responsabilidade financeira, acusando o PS de irresponsabilidade – primeiro por causa dos desmandos de Sócrates, depois devido às reversões, designadamente as 40 horas na Função Pública -, a direita perdeu todos os créditos que tinha acumulado.
Ao votar a favor dos nove anos, quatro meses e dois dias que os professores reclamavam, negou tudo o que andou a pregar até há pouco e pôs em causa as políticas de austeridade por ela adotadas durante o tempo da troika.
Rui Rio defende-se dizendo que, simultaneamente com o reconhecimento do tempo, o PSD apresentava uma «cláusula travão», segundo a qual o dinheiro só seria pago se houvesse folga orçamental.
Chama-se a isto esperteza saloia.
Por um lado, satisfazia os professores, prometendo-lhes o tempo que exigiam; por outro, respeitava o orçamento, não pagando se não houvesse condições para isso.
A política exige escolhas – não é possível agradar a gregos e troianos.
E foi isso que Rio não teve coragem para fazer.
Claro que António Costa, com a sua conhecida esperteza, colocou-o entre a espada e a parede – e mostrou-lhe a careca, obrigando-o a recuar.
Também o PCP e o BE não saem nada bem desta questão.
É certo que já engoliram muitos sapos vivos (até tiveram de criticar greves, para alinharem com o Governo) e talvez não pudessem ceder mais uma vez.
Mas não é menos certo que, aquando da formação da ‘geringonça’, o PCP e o BE se comprometeram a votar ao lado do Governo nas questões essenciais.
Foi este o espírito do acordo.
Ora, juntando-se à direita para aprovar uma lei que o Governo considerava essencial, a esquerda violou o acordo.
E assim sendo, é quase impossível que ele venha a ser renovado.
Outra consequência desta crise foi, pois, o fim anunciado da ‘geringonça’.
Quando menos se esperava, desfez-se.
Num momento em que todos acreditavam que chegaria ao fim da legislatura, um obstáculo intransponível ergueu-se à sua frente.
Argumentam os apoiantes da causa dos professores que o aperto financeiro já passou e podemos voltar à normalidade.
Mas se formos reverter tudo quanto se fez no tempo da troika, se desfizermos todas as medidas tomadas nesse período, se todos recuperarem o que perderam, se voltarmos atrás e recomeçarmos a agir como se nada tivesse acontecido, é óbvio que rapidamente estaremos na situação em que estávamos antes.
Não haverá volta a dar.
Entretanto, se já sabíamos ser esta a posição que a extrema-esquerda defende, a novidade foi a direita tê-la acompanhado no primeiro momento.
E o facto de ter emendado a mão não resolveu o problema.
Na verdade, o recuo de PSD e CDS deixou-os numa posição fraquíssima.
Porque, das duas uma: ou tiveram medo da ameaça de António Costa ou reconheceram que na primeira ‘votação’ agiram de forma leviana.
Tudo somado, esta crise, para António Costa caiu do céu: a política estava a complicar-se, com sucessivas greves, problemas na esquerda e alguns casos, como as relações familiares na área socialista – e esta polémica veio dar novo fôlego ao PS e permitir-lhe recuperar a iniciativa política.
E mesmo o anúncio do fim da ‘geringonça’ não é uma notícia tão má como isso, pois ela já deu o que tinha a dar.
Constituída essencialmente por razões negativas – para impedir a direita de continuar no poder – já cumpriu o seu papel.
Daqui para a frente, a governação não pode ser pela negativa mas pela positiva – e aí o PCP e o BE terão pouco lugar.
Perante isto, as hipóteses para a próxima legislatura começam a estreitar-se.
A ala mais esquerdista do PS, liderada por Pedro Nuno Santos, quererá uma reedição da ‘geringonça’.
Mas julgo que Mário Centeno, pelas razões expostas, preferiria uma aliança com o PSD.
Aliás, cada vez mais António Costa vai ser colocado perante a opção de virar à esquerda ou à direita.
A economia tem vindo sempre a abrandar nos últimos meses, há que tomar medidas para a reanimar – sob o risco de voltarmos a crescimentos quase nulos -, e os partidos da extrema-esquerda não são os parceiros ideais para as mudanças que se impõem.
Quanto á hipótese de um Governo de direita, é hoje praticamente impossível.
Os partidos desta área têm feito tantas asneiras, que os eleitores cada vez menos confiarão neles.