O que tinha começado como uma troca de argumentos entre militares nas páginas do jornal i terá acabado, doze dias depois, em vias de facto. Carlos Chaves, major-general do Exército e antigo conselheiro militar de Passos Coelho, acusa o tenente-coronel da Força Aérea João José Brandão Ferreira, seu antigo colega na Academia Militar, de o ter agredido com um soco na testa. «Foi uma agressão traiçoeira, maldosa, inqualificável», refere.
Na tarde de 30 de abril, por volta das 16h, Carlos Chaves estava a preparar-se para abandonar o estacionamento subterrâneo do centro comercial Dolce Vita, em Miraflores, quando foi surpreendido. «Estava a pôr o carro a trabalhar, para sair do estacionamento, e sinto alguém a bater-me ao vidro. Abri». Do lado de fora, descreve, estava Brandão Ferreira, que lhe terá dito:«Nunca mais te metas comigo». Ao que respondeu: «Ó Brandão, mas não sou eu que me tenho metido contigo, tu é que te metes comigo». No instante seguinte, relata o major-general, sentiu o impacto de um soco. Aquilo que esperava que fosse um diálogo mais aceso transformara-se muito rapidamente numa cena de pugilato.
«Através da janela do carro enfiou-me um murro e abriu-me a testa. Não sei se foi com um anel, mas fiquei com um corte», explica Chaves, que nos disponibilizou uma fotografia do ferimento. «Fiquei um bocado tonto e quando consegui sair do carro cruzei-me com um senhor».
Henrique Trindade, de 79 anos, proprietário de um talho, descreve-nos o que viu e ouviu. «Arrumei o meu carro e fui a pé aquele bocadinho, para subir ao Pingo Doce. Nisto, ouço uma pessoa a gritar: ‘Malandro, malandro, hás-de pagar’. E fui ter com ele. ‘Não me diga que ele lhe bateu no carro e fugiu’».
Não tardou muito a perceber que o problema era outro. «Ele não bateu no carro. Bateu foi na minha cara», respondeu-lhe Chaves. «Quando ele sai do carro, vejo o sangue a cair do lado esquerdo. Espirrava o sangue que parecia um touro. Tinha a camisa branca toda manchada de vermelho». Henrique Trindade revela que só viu o alegado agressor «de costas, a fugir». Contactado pelo SOL, o tenente-coronel Brandão Ferreira foi taxativo:«Não tenho comentários a fazer».
Carlos Chaves, por sua vez, entregou uma queixa-crime na Polícia.
‘Ficamos todos debaixode suspeita’
Na origem da situação terá estado uma entrevista concedida por Carlos Chaves ao diário i, e publicada na edição de 18 de abril. Quase no final, afirmava, a propósito do patriotismo (ou falta dele) dos militares, que «Brandão Ferreira sempre foi a antítese do militar». Crítica essa que suscitou um direito de resposta por parte do visado. «Ora será porventura fácil a quem lê, ser eu dado – estando citado no meio das frases – como exemplo de quem não interiorizou o juramento de bandeira e não o pratica no dia-a-dia; e, também, que as Forças Armadas, têm conseguido sobreviver apesar do meu (e de outros, dado que está no plural) esforços em contrário…», escreveu Brandão Ferreira. O oficial da Força Aérea acrescentava: «O agora entrevistado […] afirma perentoriamente, na entrevista, que ‘há muitos militares que não são patriotas’. Mas como não aponta o nome de nenhum nem o que sustenta tal desaforo, ficamos todos debaixo de suspeita… Não tendo sido definido, outrossim, quais as características (estereótipo, se quiserem), do que é um (bom) militar, depreendo, ser ele, ‘em tese’».
Na sequência deste direito de resposta, Carlos Chaves reiterou o que afirmara na entrevista. Num texto que será publicado no diário i da próxima segunda-feira, declara: «Viver em democracia é respeitar a opinião dos outros… por mais que isso nos custe face à mentira, à perfídia e à maldade… Foi o que sempre fiz em relação ao que, sobre a minha pessoa, este ‘colega’ sistemática e frequentemente foi praticando».
‘Dormíamos lado a lado’
Brandão Ferreira e Carlos Chaves conheceram-se em 1971, ano em que ambos entraram para a Academia Militar. «Dormíamos lado a lado», explica Chaves. «Estávamos num compartimento de seis alunos, eu era o 57 ele era o 59, o 58 era um rapaz açoriano que desistiu por alturas do Natal. Mas ele era da Força Aérea e eu era do Exército, não tínhamos aulas em comum, não tínhamos nada disso. Ele à noite chegava sempre tarde, nunca fomos íntimos um do outro. Como eu chumbei o primeiro ano da Academia e ele passou, depois nunca mais nos encontrámos». E continua:«Ele sempre foi um bocado indiferente para mim, porque sempre foi uma pessoa conflituosa, arrogante, autoritária. Na Academia todos temos um nome de praxe. Como é uma pessoa muito grande, o dele era Monstro, por isso é que o blogue dele é o Adamastor».
Mas porquê então a animosidade, se os seus destinos seguiram rumos diferentes? Carlos Chaves acredita ter uma explicação.
«Uma vez, quando eu trabalhava com o dr. Fernando Nogueira, encontrámo-nos à porta do Ministério [da Defesa], e ele explicou-me a situação em que estava. Eu disse-lhe que o diretor-geral de política precisava de gente e que ele podia ir para lá trabalhar. E para lá foi. Só que na altura ele escrevia no jornal O Dia sob o pseudónimo Adamastor uns artigos violentos contra os chefes militares. E os chefes militares, em conselho superior, várias vezes, instigaram o dr. Nogueira a tomar uma atitude».
Chaves, na altura porta-voz do ministro da Defesa, garante que nunca interferiu. «Até que há um artigo em que ele cita o nome do pai. E assim foi identificado pelo Chefe do Estado Maior da Força Aérea como o autor daqueles artigos. Foi sujeito a um processo disciplinar e punido, penso que até com pena de prisão. Ficou na cabeça dele a ideia de que tudo aquilo se tinha devido a mim, à minha intervenção junto do ministro». Por causa disso, julga o major-general, Brandão Ferreira terá ficado ressentido. «Passa a vida a dizer mal de tudo e de todos mas nunca apresenta solução para nada. Nos seus artigos está sempre a atacar-me e ao dr. Fernando Nogueira, acusando-nos de todos os males que se passaram na Defesa. Nunca respondi. A única vez que me referi a ele foi nessa entrevista».