Os pescadores portugueses só podem regressar ao mar para apanhar sardinha a partir de 3 de junho. A data é publicada hoje num despacho do Ministério do Mar, depois de esta atividade estar suspensa desde setembro em nome do aumento do stock. Os profissionais vão concentrar assim a sua atividade mais próximo dos Santos Populares, altura em que a sardinha é a rainha da festa. Ainda em suspenso está a quantidade de captura que vai ser permitida.
A proposta em cima da mesa fixou-se nas 10 799 toneladas para este ano – um valor que terá de ser repartido entre Portugal e Espanha, o que já provocou o descontentamento dos pescadores dos dois países ao considerarem este montante “manifestamente insuficiente”.
Ainda assim, o coordenador da comissão executiva da Federação dos Sindicatos do Setor da Pesca (FSSP) lembra ao i que “Portugal fica com a grande maioria desta quota a ser partilhada com Espanha”. Mas João Almeida não tem dúvidas: “Qualquer dia há muito peixe, não há é pescadores”.
Também a Associação das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco (Anopcerco) garante que “as 10 799 toneladas não vão garantir as condições mínimas para a sobrevivência, ajudando desta forma ao declínio e eventual desaparecimento do setor da pesca de cerco em ambos os países”.
A verdade é que este número fica aquém do que tem vindo a ser pedido pelas associações de pesca, que defendem uma uma quota anual de 15 425 toneladas a dividir pelos dois países. Esta posição, enviada já aos Governos de Portugal e Espanha, foi assumida tendo em conta “os bons resultados científicos obtidos em 2018 pelos cruzeiros de investigação científica” ao apontarem para um aumento de 70% da biomassa de sardinha com mais de um ano, entre 2017 e 2018.
As 15 425 toneladas correspondem a 10% da estimativa de stock existente, fixada em 154 254 toneladas no último parecer do Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES na sigla em inglês) para 2019.
No entender das organizações, se o mínimo de capturas anual não for fixado nas 15 425 toneladas, isso pode pôr em causa a sustentabilidade económica e social do setor, uma vez que entendem que a sustentabilidade do recurso não está nesse patamar.
Garantir sustentabilidade
A ministra do Mar já veio garantir que as negociações entre Portugal e Espanha quanto à quota da sardinha estão a decorrer “em perfeita sintonia”, salientando a necessidade de encontrar “um ponto de equilíbrio”. Aliás, Ana Paula Vitorino acredita que é possível aumentar a quota após a análise dos resultados dos cruzeiros científicos – promovidos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera – que estão a ser realizados este mês e cujos resultados serão conhecidos até final de junho.
A ministra do Mar tem vindo a alertar para a necessidade de avançar com estas proibições por considerar que a sardinha é um recurso de “interesse estratégico” para a pesca portuguesa, para a indústria conserveira e para as exportações de produtos de pesca do mar, assumindo uma particular relevância em termos socioeconómicos para várias comunidades piscatórias.
De acordo com Ana Paula Vitorino, a exploração da pesca de sardinha deve ser feita de modo a garantir, no longo prazo, a sustentabilidade ambiental, económica e social, dentro de uma abordagem de precaução, definida com base nos dados científicos disponíveis, procurando-se simultaneamente assegurar os rendimentos da pesca e dos seus profissionais.
Recorde-se que Portugal optou, através de um acordo concertado com Espanha e com a Comissão Europeia, por atribuir 960 euros a cada pescador pela paragem da captura – um valor considerado baixo por João Almeida ao lembrar que, apesar de receberem do Fundo Europeu de Pescas, os profissionais “passam grande parte do ano sem rendimentos”.
Profissão em risco
O responsável não tem dúvidas em relação à incerteza deste setor. Os salários, as regras na pesca e as mudanças constantes nas quotas acabam por prejudicar o futuro desta atividade. E isso é visível pelos dados da Pordata: em 2017 existiam em Portugal 17 642 pescadores. Entre 2001 e 2017, o número caiu 56%.
Portugal é o quarto país fornecedor de sardinhas do mercado nacional, apesar de ter o maior mar da Europa. À frente surgem Espanha, Marrocos e França. E os números falam por si: para combater a falta de sardinha tem vindo a ser necessário recorrer à importação e, por isso mesmo, mais de 60% da sardinha consumida em Portugal – não só à mesa, mas também nas fábricas de conservas – é importada, e a maioria que chega ao nosso país é congelada.
Espanha tem-se destacado como o principal fornecedor de sardinha fresca – sempre mais de 98% do valor total importado. Na sardinha congelada, Espanha está também em primeiro lugar, representando 69,9% do valor total das importações, enquanto Marrocos ocupa a segunda posição, com um peso superior a 23%.
A Associação Nacional dos Industriais das Conservas de Peixe (ANICP) admite que, nos últimos anos, a indústria conserveira tem vindo a abastecer-se de sardinha em Marrocos, França e no sul de Inglaterra para satisfazer as necessidades da produção. E se o limite de capturas sempre avançar para as 14 mil toneladas em 2018, ele não será suficiente para abastecer esta indústria. Aliás, este setor têm vindo a diversificar a sua produção com outras espécies em resposta a estas limitações. É o caso da cavala e, mais recentemente, do carapau. A ANICP garante que já trabalha com 16 espécies diferentes. Ainda assim, reconhece que falta cativar o público para este tipo de produtos alternativos, como o carapau.