Por que decidiu escrever um livro sobre o tempo em que está fora da vida política?
Estive 14 anos, mais seis de curso, ligado à Medicina. Estive posteriormente 22 anos na vida política a tempo inteiro. A passagem da Medicina para a política foi acidental mas assumida. A derrota de Setembro de 2013 [nas eleições à Câmara do Porto] foi numa lógica de tudo ou nada, empurrou-me abruptamente e sem retorno para uma outra vida. Foi o início de uma experiência intensa, muitas vezes bizarra e riquíssima do ponto vista humano e senti a necessidade de a exteriorizar.
Não sentiu falta da política durante estes anos?
Quando deixei a Medicina emocionava-me só com o sentir do cheiro do interior de um hospital. É normal que sinta, por vezes, a falta da adrenalina da vida política, pelo menos daquela que gostava de fazer.
Continua a ter contactos regulares com os amigos que fez na política?
Com muito poucos. Mais com amigos adversários tal qual a definição de Churchill.
O país é governado há quatro anos pelo PS com o apoio dos partidos de esquerda. Esta solução política conseguiu surpreender muita gente. Como vê a situação política do país?
Com sinais contraditórios. É muito positivo ver que o nosso sistema, e daí mérito dos partidos maioritários, continua imune às loucuras que já invadiram a Europa. De Le Pen a Orban. O problema é a ausência de reformas e uma governação sem estratégia e ao sabor dos ventos. Não existe uma visão para o Portugal europeu. Não existe um plano B caso a Europa venha a falhar. Nem uma ideia de governabilidade que, com realismo, compagine um crescimento exuberante com o Estado Social possível.
A estabilidade desta aliança inédita entre o PS e a esquerda surpreendeu-o?
Não. As meninas do Bloco são radicais para inglês ver. Acotovelam-se a caminho da modista tal o desejo de estrear o vestido de ministra. O PCP é o PCP. Pragmático e coerente. Este ciclo vital foi para salvar o seu principal sustentáculo, o ‘seu’ movimento sindical. Fez o sacrifício necessário e agora ‘a luta continua’.
As eleições europeias são daqui a uma semana. Como tem visto esta campanha?
Pobrezinha. De fora ficam as grandes questões. A Europa federal, a política económica alternativa à que a Alemanha impõe há mais de uma década, o futuro da globalização e a evolução do comércio internacional, a independência de uma política de Segurança e Defesa face ao isolacionismo americano. Salva-se o dr. Rangel e pouco mais.
As legislativas são em outubro. Acredita que o PSD está em condições de vencer António Costa?
É difícil, mas possível. O povo está a chegar àquela fase, a mesma que senti por dentro no final do cavaquismo, em que já não nos interessa o que vem a seguir, mas em que estes estão esgotados. A razoabilidade da economia não compensa as toneladas de asneiras políticas e sofríveis protagonistas.
Rui Rio poderá continuar se o PSD não conseguir um bom resultado?
Se o resultado for honrado e Rui Rio quiser pode ter a sua segunda oportunidade. Seria inédito em Portugal com a exceção do caso especial de Durão Barroso que chegou a líder a poucas semanas das eleições. Seria, contudo, pedagógico e sinal de maioridade democrática, tal como aconteceu em Espanha com (Mariano] Rajoy e [Pedro] Sanchez.
O atual líder do PSD não fechou completamente a porta a uma aliança com o PS a seguir às legislativas. Julga que o PSD deve estar a aberto a viabilizar um governo socialista ou deve aliar-se apenas com os partidos de direita?
O PSD nunca deve viabilizar um Governo PS. A situação do país não o exige e seria abrir de par em par a porta à loucura populista que está a envenenar as democracias europeias. Deve esperar, e será pouco, para derrotar o PS nas urnas e assumir uma alternativa maioritária.
Como vê novos partidos como a Aliança que saiu do PSD para fundar este projeto?
Ainda não será desta vez que haverá mexida substantiva na correlação de forças habitual, mas aproveito a circunstância para enviar um abraço de rápidas melhoras a Santana Lopes.
O atual presidente da Câmara de Gaia tem feito muitas críticas à sua gestão, nomeadamente por causa da dívida. Como responde a essas críticas?
Em 1998 herdei um subúrbio em estado pré comatoso. Investi e deixei uma grande cidade, contra ciclo. Investimos 1,5 mil milhões de euros e deixamos um passivo sustentado de 17% desse valor. Aliás isso foi em 2013. Desde 2015 que o milagreiro presidente diz que já tem as contas equilibradas. E tem, porque o desequilíbrio era o pavor de uma recandidatura minha forte.
Durante muitos anos teve uma relação difícil com o atual presidente do PSD. Rui Rio disse, numa entrevista à RTP, em 2013, que o dr. Luís Filipe Menezes ‘fez pior a Gaia do que o PS ao país’. Já estão ultrapassadas estas divergências?
Rui Rio e eu próprio protagonizamos anos de rivalidades que só beneficiaram os nossos adversários. Eu também fiz muitas vezes declarações infelizes como essa. Mas isso é passado. O partido julgou esse comportamento e escolheu-o para líder. Tem uma vantagem singular: é duro com as corporações, mesmo com algumas que gostam de se substituir ao poder político democrático. É intocável em termos de seriedade e esse é de momento o assunto do debate público.
Rui Rio tem sido alvo de muitas críticas internas. Como vê a situação atual do PSD?
Sempre que a certeza de vitória não é segura o líder sofre. Não tem sido perfeito? Não tem a equipa ideal? É verdade, mas também tem seguido um percurso de trabalho coerente. Só gostaria que fosse justo e abrangente na construção do novo grupo parlamentar, embora inovando-o.