A pressão contra Joe Berardo aumenta. O empresário madeirense está na lista de grande devedores da Caixa Geral de Depósitos, indignou os deputados no passado dia 10 de maio, com uma audição na II Comissão de Inquérito à Caixa, por ter afirmado não ter qualquer dívida, e, agora, tem as suas condecorações presidenciais em risco. Ao SOL, Joe Berardo afirma:«Eu não me pedi nenhuma condecoração, se quiserem levar [as condecorações], levem».
Numa curta declaração, Berardo começa por dizer: «Eu não pedi nenhuma condecoração. Eu não tenho só essas, eu tenho nove (… ). Não pedi nada disso, nem tive influência [ no processo]. Eles deram-me por serviços à comunidade. Se eles quiserem…olhe, é um descanso». O desabafo refere-se à avaliação do Conselho das Ordens Nacionais, presidido por Manuela Ferreira Leite, que ontem esteve reunido e decidiu avançar com um processo disciplinar contra Berardo, por violação dos deveres de defender e prestigiar Portugal, ou de falhar na conduta de «virtude» e de «honra». Está assim aberta a porta à retirada da condecoração atribuída a Joe Berardo em 2004. Na prática, os membros do Conselho das Ordens Nacionais deram por válido o parecer da Assembleia da República, crítico da atitude de Berardo no passado dia 10 de maio. As declarações de Berardo foram feitas antes do desfecho da reunião.
Ora, a polémica que marcou parte da agenda política desta semana resultou de uma audição de Joe Berardo no inquérito à CGD em que o visado assegurou não ter dívidas «pessoalmente». A grande dúvida é a de saber se a sua vasta coleção de arte de contemporânea, avaliada em mais de 300 milhões de euros pela leiloeira Christie’s, em 2006, pode ser arrestada para saldar parte das dívidas aos bancos. São três ao todo: Caixa Geral de Depósitos, Novo Banco e BCP.
As três instituições avançaram com ação executiva a 20 de abril para tentar recuperar 962 milhões de euros em dívidas. Problema? Berardo só tem uma garagem em seu nome, no Funchal, conforme consta nos registos do banco público quando tentou uma ação executiva contra o empresário para saldar as dívidas acumuladas.
O que se passou no dia 10 de maio no inquérito à CGD indignou deputados e comentadores, mas não mereceu uma reação imediata do Parlamento. Esta só chegou cinco dias depois, com o anúncio do presidente da comissão de inquérito, Leite Ramos (PSD), de que iria pedir a transcrição da audição para enviar para o Ministério Público. A informação foi avançada pelo Público na passada quarta-feira e confirmada pelo i, mas nem todos os deputados dispunham desta informação na altura. Só no dia seguinte, com uma reunião de urgência de coordenadores do inquérito, se definiu a estratégia da comissão. E isto, após um pedido do CDS ao Presidente do Parlamento. Ferro Rodrigues solicitou depois a intervenção da comissão de inquérito, entidade que considerou competente para se pronunciar. O número dois do Estado chegou a dizer ao Expresso que não tinha visto a audição, mas «não gostou» do que leu na imprensa e viu nas televisões.
Ora, o também antigo presidente da AR Mota Amaral, parafraseou Ferro Rodrigues ao repetir o SOL a mesma frase: «Não vi e não gostei». Um sinal de que aquele dia foi penoso para o Parlamento.
Apesar do tema ter merecido um coro de críticas, a conferência de líderes não abordou o assunto, no passado dia 13, horas antes do debate quinzenal, o mesmo em que o primeiro-ministro, António Costa considerou que o país tinha ficado «chocado» com o Joe Berardo.
Seja como for, todo o processo está agora nas mãos do Ministério Público. Que, ao SOL, se limitou a dizer que «não deixarão de ser analisadas todas as questões consideradas criminalmente relevantes». Por responder ficou a pergunta sobre se já foram constituídos arguidos no âmbito do processo de investigação da Caixa aberto em 2016. Paralelamente, o Governo tem três Ministérios – Cultura, Justiça e Finanças- a trabalhar em conjunto para garantir que as obras da coleção do empresário se mantêm acessíveis ao público. No Parlamento, os partidos querem ainda ter acesso a toda a documentação da associação de Berardo e o PCP questionou, entretanto, o Ministério da Cultura para saber se o Estado vai exercer o direito de compra das obras numa altura em que é pública a intenção de penhora para pagar dívidas. Mais, a deputada Ana Mesquita quer saber o que foi feito nos últimos dois anos para garantir a não alienação das obras.
Os ex-presidentes que deram títulos ao empresário
Joe Berardo é o alvo de todas as críticas, mas tanto o PSD como o CDS apontaram o dedo também a José Sócrates, primeiro-ministro e líder do PS em 2007. Isto porque as dívidas de Berardo à CGD resultaram de um empréstimo para comprar ações do BCP nesse mesmo ano. A dívida, disse o líder do PSD, Rui Rio, foi «para um fim nada nobre, (bem pelo contrário), que é o banco público emprestar dinheiro a alguém para, com esse dinheiro, a pessoa ir comprar ações, neste caso do BCP, e fazer um assalto político ao BCP». O assalto de que Rio falava era o da entrada de figuras como Armando Vara na equipa de gestão do BCP.
O empresário madeirense enfrenta agora a contestação pública, mas nem sempre foi assim. Em 1985, Berardo recebeu o título de comendador pelas mãos do então Presidente da República, Ramalho Eanes. Em 2004, Berardo foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, por Jorge Sampaio.
O SOL contactou o gabinete do ex-Presidente da República Jorge Sampaio, que não comentou o caso, mas lembrou que, em 2004, a condecoração surgiu no contexto da inauguração do Museu da Presidência, no 5 de outubro, e teve por base não só a dedicação do comendador à Cultura, mas também « a divulgação da Cultura e das Artes». Ramalho Eanes não quis fazer comentários.