A elevada abstenção nas eleições europeias é sempre um motivo de preocupação entre a classe política e de análise para os especialistas. O problema é crónico e em 2014 atingiu os 66,16%, a mais alta de sempre em Portugal.
Numa análise por concelho, existem dois extremos: Vila de Rei, no distrito de Castelo Branco, com 45,6% de abstenção, e Ribeira Grande, nos Açores, com 85,05%. No último ato eleitoral para o Parlamento Europeu, estes foram os concelhos com menor e maior abstenção, respetivamente.
Em Vila de Rei, com 3.449 habitantes, há 2.947 eleitores dos quais 1.603 não quiseram abdicar de exercer o seu direito. E, olhando para o histórico publicado no portal de eleições do Ministério da Administração Interna, a taxa de abstenção registada neste concelho fica, tradicionalmente, abaixo da média do país. Também em 2009, a taxa de abstenção ficou nos 43,57% – bem longe dos 63,2% da média nacional. Nesse ano, dos 3.206 inscritos, houve 1.809 votantes.
Ricardo Aires, presidente da Câmara de Vila de Rei, congratula-se com o facto de não ser só nas europeias que a taxa de abstenção fica abaixo da média nacional. «Nas diversas eleições que existem no nosso país, legislativas, autárquicas ou europeias, os munícipes têm tendência a ir votar e os níveis de participação estão acima da média do nosso país», diz ao SOL. Ricardo Aires acredita que o voto é valorizado, porque 40% da população tem mais de 65 anos e ainda viveu os tempos da ditadura: «Antes de 1974 as pessoas de Vila de Rei eram muito fragilizadas» e «a privação do direito ao voto levou a que as pessoas valorizassem mais o voto».
No entanto, a afluência às urnas não se traduz numa participação dos habitantes do concelho em iniciativas de campanha, como arruadas, jantares ou almoços-comício. «A esse nível, as pessoas são mais recatadas» e, apesar de haver alguma mobilização, «não há daquelas massas motivadas».
A abstenção nos Açores
Ribeira Grande, da ilha de São Miguel, nos Açores, tem o histórico de ser o concelho onde se registam números mais elevados de abstenção. Em 2014, foi mesmo o campeão da abstenção, com 4.099 votantes num universo de 27.411 inscritos. Apenas votaram 14,95% e a abstenção situou-se nos 85,05%, num concelho com 32.112 habitantes. Há várias razões que podem explicar estes números, da falta de proximidade com o Parlamento Europeu à mensagem que não passa, mas também, e sobretudo, uma coincidência de datas entre as eleições europeias e uma das maiores festas religiosas locais.
O presidente da Câmara de Ribeira Grande, Alexandre Gaudêncio, explica que a abstenção registada naquele concelho nas europeias pode estar relacionada com esse fenómeno muito local. É que a data das eleições coincide com «uma grande festa religiosa que acontece na ilha, por ocasião das grandes festas do Santo Cristo dos Milagres». De acordo com o autarca, esta é a maior festa da região «e o facto de ser no mesmo dia das eleições europeias, faz com que muita gente não esteja no local de residência para votar», até porque «esta festa religiosa é no concelho de Ponta Delgada, há muita peregrinação e as pessoas pernoitam no santuário do Santo Cristo dos Milagres».
Também alguns dos habitantes do concelho, ouvidos pelo SOL, apontam a festa como uma das razões para a menor afluência às urnas. Mas existem outras. É o caso da proximidade (ou a falta dela) ao Parlamento Europeu. Adélia Miranda, uma comerciante de uma loja de roupa na Ribeira Grande, sintetizou o problema: «Não percebemos o que estão a fazer no Parlamento Europeu. A mensagem não chega». E mais não diz porque o trabalho assim obriga. A casa comercial está aberta e entram clientes.
Gaudêncio reconhece que, avaliando o histórico de outros atos eleitorais, o cenário não é igual. «Se fizer a comparação com as regionais e com as autárquicas, o cenário é completamente diferente. Estaremos a falar de candidatos que estarão mais longe, no caso das europeias (…) Também é uma questão de proximidade», admite para explicar os números de outras eleições.
Para o politólogo Carlos Jalali, professor da Universidade de Aveiro, as eleições europeias «são historicamente vistas como eleições nacionais de segunda ordem, no sentido em que têm sido dominadas – do ponto de vista histórico – por temas nacionais nas campanhas, e pela avaliação do desempenho governativo. Além disso, são eleições que são percecionadas como não determinando as políticas públicas do país, com uma influência mitigada nas políticas públicas do País, ou seja no rumo que o País vai ter». Dito de outra forma: há a perceção de que este tipo de eleições pode contar menos. E « não é um problema exclusivamente português. A participação em eleições europeias é um problema transversal na União Europeia», concluiu o politólogo.