A teia é complexa, mas o esquema montado não é difícil de entender: Manuela Couto, mulher do presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso, conseguia que diversas entidades públicas lhe adjudicassem serviços de comunicação e marketing (sem que fosse aberto concurso público) e em troca pagaria com influências políticas. Não suas, mas do seu marido, Joaquim Couto, que é membro da Comissão Política Nacional do PS. Terá sido desta forma que empresas como a Make it Happen, a My Press, a Mediana, a SmartWin e a WGC conseguiram milhões, tanto com o Turismo do Porto e Norte (negócios investigados na Operação Éter), como com a Câmara Municipal de Barcelos e com o Instituto Português de Oncologia do Porto, cujos ajustes diretos são o ponto central desta Operação Teia. E é por isso que esta semana além de Joaquim Couto e Manuela Couto, foram detidos os presidentes da autarquia de Barcelos – Miguel Costa Gomes – e o presidente daquela unidade de saúde, Laranja Pontes.
Além dos negócios com as empresas de Manuela Couto, os investigadores estão a passar a pente fino as férias na Austrália e em São Tomé e Príncipe de Joaquim Couto, da sua mulher e da filha de ambos, por suspeitas de uso indevido de dinheiro da autarquia de Santo Tirso.
Primeiro vamos aos negócios celebrados com estas entidades, depois às contrapartidas que Manuela Couto prometia tanto a Costa Gomes como a Laranja Pontes.
Os negócios de milhões que estão no centro da teia
Consultando o portal Base.gov verifica-se a preferência que entidades como a Câmara de Barcelos e o IPO do Porto tinham por empresas ligadas à família de Joaquim Couto, nomeadamente as que eram unicamente detidas pela sua mulher. No portal da contratação pública, pode verificar-se que nos últimos anos a Make it Happen, por exemplo, conseguiu 306 422 mil euros em adjudicações a entidades públicas – sendo que 148 mil vieram do município de Barcelos. Quanto à My Press, as adjudicações ascenderam a 536 329 euros, sendo também a maioria (409 229 euros) proveniente de serviços prestados à Câmara Municipal de Barcelos.
Mas a empresa que mais lucrou com as entidades públicas foi a Mediana – entre 2008 e 2019 foram adjudicados serviços a esta empresa na ordem dos dois milhões de euros, sendo que destes 452 mil são do município de Barcelos e 359 mil do IPO Porto – ou seja, quase um terço da faturação total.
No que toca à SmartWin, esta sociedade não foi além dos 83 mil euros, sendo que se trata de adjudicações feitas em 2017 e 2018 ao Turismo do Porto e Norte de Portugal. Já a WGC – que faturou 176 118 euros – prestou serviços ao município de Barcelos na ordem dos 25 mil euros.
Tudo somado, estas empresas arrecadaram adjudicações (quase sempre ajustes diretos) de mais de três milhões de euros, dos quais perto de um 1,4 milhões são do município de Barcelos e do IPO do Porto.
As contrapartidas prometidas por Manuela Couto
Para os investigadores, Manuela Couto usava a influência política do seu marido para fazer promessas e facilitar contactos tanto a Laranja Pontes como a Miguel Costa Gomes. Terá sido com essa influência que este último chegou, por exemplo, à concelhia do PS de Barcelos e que ainda alimentou a ideia de conseguir a presidência da federação do PS de Braga.
A investigação conseguiu, em grande parte, através de escutas telefónicas reunir provas da relação entre Manuela Couto e o autarca de Barcelos, havendo conversas em que aquela o aconselhava e proporcionava contactos, muitas vezes com figuras de peso do partido.
Já em relação a Laranja Pontes, a principal contrapartida seria a sua manutenção no Instituto Português de Oncologia que pesava na hora de adjudicar serviços às empresas ligadas a Joaquim Couto.
No verão de 2018, o semanário SOL revelou a teia de negócios da mulher de Joaquim Couto com o Turismo do Porto e Norte. Nesse trabalho publicado eram já referidos diversos serviços adjudicados pela Câmara de Barcelos às empresas da família do autarca de Santo Tirso. A My Press, no que respeita ao setor público, apenas havia prestado serviços ao Turismo do Porto e Norte de Portugal e ao município de Barcelos. E sempre por ajuste direto. Dedicando-se ao marketing, à assessoria, à instalação de stands, à animação e dinamização, a empresa encaixou centenas de milhares de euros nos últimos cinco anos.
E o mesmo pode dizer-se da Make it Happen, que presta serviços de organização de eventos, comunicação e assessoria, e também está na esfera familiar direta do presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso. Neste caso, a empresa, além do Turismo do Porto e Norte de Portugal, forneceu serviços ao Turismo do Algarve e municípios como Lamego, Barcelos e Caminha.
A WGC, empresa recente e que se dedica à animação, à assessoria, promoção e comunicação, à parametrização e seleção de fontes de pesquisa, serviços de fotografia e vídeo e à instalação de stands, apenas foi contratada pelo Turismo do Porto e Norte de Portugal e pelo município de Barcelos, além da Presidência do Conselho de Ministros. Neste último caso, como nos restantes, tratou-se de um ajuste direto, feito em dezembro de 2017, com um valor superior a 64 mil euros. Este contrato era para «prestação de serviços de parametrização e seleção de fontes de pesquisa, definição de perfis de informação e disponibilização eletrónica de notícias».
Os crimes, as buscas e as dezenas de elementos envolvidos
A investigação a estes negócios está a cargo do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, havendo suspeitas da prática dos crimes de corrupção, tráfico de influências e participação económica em negócio.
Na última quarta feira, segundo confirmou a PJ, foram realizadas «buscas domiciliárias e não domiciliárias, em autarquias, entidades públicas e empresas». As diligências aconteceram no Porto, Santo Tirso, Barcelos e Matosinhos e nelas estiveram envolvidos «dezenas de elementos da Polícia Judiciária – investigadores, peritos informáticos, peritos financeiros e contabilísticos, bem como magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e representantes de ordens profissionais».
Tanto esta investigação como outras conexas vão agora continuar, sendo que o SOL sabe que o número de arguidos da Operação Teia poderá vir a crescer – não se descartando a hipótese de outros autarcas serem considerados suspeitos – e que Joaquim Couto está a ser investigado no âmbito de outras operações.
Ontem os arguidos começaram a ser ouvidos pelo juiz de instrução criminal, não sendo conhecidas ainda as medidas de coação.