Basílio Horta. ‘Quando olho para o CDS tenho tanta pena’

Basílio Horta concorda com Marcelo Rebelo de Sousa e considera que a direita está ‘numa crise profunda’. No rescaldo das europeias, o presidente da Câmara de Sintra prevê que os resultados apontam para uma maioria absoluta dos socialistas nas legislativas. Em entrevista ao SOL, o fundador do CDS defende o fim da ‘geringonça’ e conta…

Mais de 15 anos depois de ter saído do partido que fundou ao lado de Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa, é «com pena» que Basílio Horta olha para o CDS. «Tudo mudou», lamenta. Hoje, é presidente da Câmara de Sintra eleito como independente e com o apoio do PS, que diz ter a «delizadeza» de «nunca» o ter convidado para militante. Até porque «nunca» deixou de «ser democrata-cristão», assume. Em entrevista ao SOL, o autarca conta ainda como vê o aparecimento de novos partidos, como está a gerir o processo de descentralização – frisando que só vai funcionar se os autarcas tiverem mais poder de decisão – e recorda o episódio do cavalo de Madonna. 

Para o Presidente da República, os resultados das europeias são sinal de que o PS vai ganhar as próximas legislativas e de que a direita vai entrar em crise. Concorda?

O professor Marcelo Rebelo de Sousa tem razão na análise que faz. A direita está realmente numa crise profunda. Não sei se o devia ter dito, mas disse-o e com razão. Estas eleições demonstram que a direita, o PSD e o CDS, estão numa crise profunda. 

De quem é a culpa? 

Estão numa crise por erros próprios, alguns deles com gravidade, e que necessitavam de uma reflexão muito séria sobre o que tem sido o percurso destes dois partidos desde a formação do Governo do PS. Há ali uma amargura que nunca deixou de existir e isso reflete-se em muitas posições que foram tomadas. O CDS assume posições de um radicalismo que para um fundador do partido são excessivas e despropositadas. E o eleitorado manifestou-se. O fenómeno da abstenção também é preocupante e deve ser analisado.

Tendo em conta que é Presidente da República, viu ali algum excesso na forma como Marcelo pôs a questão?

O professor Marcelo Rebelo de Sousa nunca deixa de ser o professor Marcelo Rebelo de Sousa. É isso que lhe dá a popularidade que tem. Se fosse outro, não tinha a mesma popularidade. Nunca deixa de ser ele próprio. Tenho por ele uma grande estima pessoal e política. É uma das pessoas mais inteligentes que conheci na minha geração. 

Aprecia a forma como tem exercido o mandato? 

Sim, mas nestas questões, ainda por cima ditas em inglês, foi um bocadinho para além das competências. Temos de perdoar esses pecados. 

Recuando à abstenção. Por que foi tão alta?

Uma grande parte da abstenção está relacionada com a natureza da eleição, mas não sei se é só isso e se não há uma certa desilusão com os políticos e a política.

Com razão ou sem ela?

Com alguma razão. Creio que se discute muito a política e discute-se de menos os problemas dos portugueses. Isso afasta as pessoas da política. Há problemas que têm de ser discutidos. Desde o estado em que se encontra a saúde, a justiça, a mobilidade… Há muitos problemas que necessitam de mais diálogo entre os partidos. Estes políticos negam-se a esse tipo de trabalho. Rui Rio ainda tentou fazer isso, mas caiu-lhe tudo em cima. Assunção Cristas até faz do divórcio com o PS uma bandeira eleitoral. A imagem que se tem é que existe uma voz muito dura para discutir a política partidária, mas uma voz mais baixa para debater assuntos que interessam às pessoas. 

A qualidade dos serviços públicos foi preço a pagar pela ‘geringonça’? 

Essa é uma questão profunda. Um dos méritos deste Governo foi humanizar a política e apresentar à Europa contas certas. Isso é um aspeto positivo. Agora a pergunta é esta: é necessário ter superavit? O ministro das Finanças devia explicar se é necessário ter superavit quando há funções do Estado que têm de ser exercidas de outra maneira. Sou muito favorável a que o PS tenha uma maioria absoluta nas próximas eleições. Muito favorável. 

Não simpatiza com esta solução? 

Entendi esta solução porque estávamos perante um impasse parlamentar. A verdade é que os partidos que ganharam as eleições não conseguiram maioria no Parlamento. E houve dois partidos à esquerda, que não podem ser excluídos da vida democrática nem dos acordos parlamentares, que se dispuseram a apoiar o Governo. Era o que faltava que o Governo não quisesse esse apoio. Não faria sentido. Foi a realidade. 

E agora?  

Agora é diferente porque não estamos na mesma situação. É muito provável que o PS ganhe as eleições e há uma nova realidade. O problema que se coloca a todo o eleitorado, não só ao PS, é saber o que se deseja dos próximos quatro anos. Será que o eleitorado quer estabilidade ou prefere instabilidade?

Mas prefere o fim da ‘geringonça’?  

Com certeza. O fim da ‘geringonça’ não significa o fim do diálogo à esquerda. Ou à direita. Até lhe digo mais… a maioria absoluta do PS não vai trazer poder absoluto. Traz, sim, responsabilidade absoluta porque deixa de ter desculpa para não tomar decisões que têm de ser tomadas ou para fazer reformas que têm que ser feitas. Espero que o PS, em nome do país e para merecer a maioria, entre nestas eleições anunciando as reformas que vai fazer e como as vai fazer.

E se o PS ganhar sem maioria? 

Se o PS ganhar sem maioria absoluta, vamos ver o que vai acontecer. Se formar Governo minoritário ocorre-me logo a situação de Guterres com o pântano. Estava no Parlamento nessa altura e assisti a esse momento. Na altura foi o queijo Limiano, agora começo a ouvir o PAN. 

Nesse cenário, que papel deve ter a direita?  

O PSD terá de refletir se vai manter a situação em que está de não falar com o PS e de não se disponibilizar para um acordo parlamentar com o PS. Também o CDS deve pensar se vai manter a posição de dizer que em condição nenhuma se disponibiliza para um acordo parlamentar com o PS. Será que os únicos partidos que se disponibilizam é a esquerda e a esquerda da esquerda? É isso que o eleitorado quer? É essa a missão dos partidos do centro e da direita?

Mas Rui Rio abre a porta a algum diálogo… 

Tem dias. E quando abre a porta cai-lhe tudo em cima. 

Qual é a sua opinião sobre Rui Rio? 

É um homem sério e bem intencionado, não tenho dúvidas. Mas não sei se tem jeito para o que está a fazer. Na política há a questão do jeito e da capacidade de intervenção e isso não sei se tem. Mas essa é uma questão menor face à seriedade de propósitos. Também não sei se tem partido que o apoie, isso é fundamental. Não tem tido e os resultados estão à vista. Mas a reação que teve a este mau resultado também não foi a melhor. 

As europeias abriram a porta à maioria absoluta  do PS? 

Foi um sinal de que o PS pode atingir a maioria absoluta. Mas tem que o fazer em nome do país e não só em nome do partido. Se disputar as eleições só em nome do partido não conseguirá a maioria. Mas acredito que quem não é do PS pode olhar para a situação política e para o que vem aí e votar no partido, que é o meu caso. Sou democrata-cristão, nunca deixei de o ser.  Vem aí um quadro internacional não tão favorável como o que passámos, com problemas  económicos. O ritmo de crescimento económico do país é bom mas é insuficiente. 

O PS já percebeu isso?

O PS tem que admitir isso. Temos que olhar para a economia muito seriamente e não apenas para as finanças. Temos de olhar para a competitividade externa e para a política de crédito e fiscal. É fundamental falar bem com os empresários porque a melhor maneira de fazer política social é a criar emprego. Não se iludam sobre isso. Mas será que os projetos necessários ao país são aqueles que o BE ou o PCP pode apoiar? Tenho dúvidas que o faça. 

Mas tem sido possível.

Até agora têm conseguido um equilíbrio notável. Se Pedro Nuno Santos tiver o mesmo êxito no Ministério [das Infraestruturas e Habitação] que teve na Secretaria de Estado vai ter um grande futuro político. Imagino o trabalho que deve ter tido para conseguir o equilíbrio a nível parlamentar. Foi um trabalho excecional. 

Mas algumas medidas estruturais não avançaram por falta de acordo. 

Sim. Mas e verdade é que o PS, não obstante ter tido este apoio à esquerda com valores antagónicos aos do partido, nunca perdeu o discurso próprio. 

Além da reforma fiscal e no crédito, é necessário mais investimento público?  

Sim. Mas há que ter um grande cuidado para perceber onde é aplicado, porque estamos a gerir dinheiro dos contribuintes. Percebo bem a posição do ministro das Finanças e o cuidado enorme que tem.  Aqui em Sintra, desde o primeiro dia, tenho três princípios e não me afastei um milímetro deles: controlar a despesa, aumentar o investimento e diminuir os impostos. Foi o que fiz. Diminuí seis pontos no IMI e cortei mais de 70 milhões de euros na despesa corrente.

Isso não se tem aplicado no Governo?  

Não. E acho que se deve aplicar. Estou convencido que o PS partilha destes princípios, agora tem que ter maioria parlamentar para os executar. 

Alguma vez foi convidado para militante do PS?

Nunca fui. Têm essa delicadeza para comigo. Mas tenho tido do PS um apoio e solidariedade sem falhas. Nunca me senti mal no partido. Tenho um grande gosto e uma grande honra em ser apoiado por este partido. É um grande partido. 

Como vê hoje o CDS?

Quando olho para o CDS tenho tanta pena.

O partido mudou muito?

Não mudou o nome nem a declaração de princípios. O resto mudou tudo. 

Houve uma fase em que mudou o nome… 

Pois foi. Até isso. Mas não gosto de me pronunciar sobre o partido que ajudei a fundar com o meu querido amigo Diogo Freitas do Amaral e com Adelino Amaro da Costa. Tudo teria sido diferente se ele não tivesse morrido. Se Adelino Amaro da Costa e Sá Carneiro não têm morrido tudo seria diferente em Portugal. Sofri imenso com essa tragédia. Foram duas grandes figuras da política portuguesa. 

Chegou a fazer parte do Governo de Sá Carneiro… 

Fui ministro de Sá Carneiro em todos os Governos dele. Foi um grande primeiro-ministro. Essa fase da vida política foi muito apaixonante. Foi a verdadeira democratização depois do 25 de Abril com a subordinação do poder militar ao poder político e da vitória clara da democracia representativa. Foi um grande momento. 

Esteve também no único Governo de coligação entre o PS e o CDS.

Também estive. Outro grande Governo. Quando estivemos no Governo, em 1978, o Estado não tinha dinheiro para comprar os alimentos da população. Era ministro do Comércio e Silva Lopes às quinta-feiras mandava-me um pequeno papel com os dólares que podia gastar na semana seguinte. Tivemos as senhas de racionamento feitas. 

Foram tempo difíceis? 

Foi um momento de extrema dificuldade e conseguiu-se ultrapassar. Vítor Constâncio, que foi um grande ministro das Finanças, foi ao BEI em Washington com uma carta de Mário Soares para ir levantar 500 milhões de dólares. Foi com esse dinheiro que conseguimos equilibrar as contas e recuperar. Nessa altura havia duas distribuições de bacalhau, uma na Páscoa e outra no Natal. Não havia mais. Mas as dificuldades foram ultrapassadas. E nessa altura não estávamos na Europa, não recebíamos os milhares de milhões que recebemos hoje. O povo português é um grande povo, tem é de ser bem gerido. 

Aceitou ser deputado independente apoiado pelo PS a convite de José Sócrates. Como viu todo o processo que o envolve? 

Surpreendeu-me imenso. A desilusão só será definitiva depois de ser julgado. Até agora, faço a minha análise. 

Qual é?

O engenheiro Sócrates tem dois momentos diferentes nos Governos e a diferença entre o primeiro e o segundo Governo é a ambição. No primeiro Governo, com maioria absoluta, foi um bom primeiro-ministro. Eu era presidente da AICEP, trabalhei com ele e nunca me fez um pedido, nunca me deu uma ordem e grandes interesses estavam ali em cima da mesa. Reuníamos em São Bento às sexta-feiras de 15 em 15 dias. Estavam também presentes os ministros da Economia, do Ambiente e eram vistos aí, um a um, os grandes investimentos que eram feitos em Portugal. Os grandes investimentos da Embraer, da Ikea, da Galp ou do papel de Pedro Queiroz Pereira foram todos decididos ali. O segundo Governo, sem maioria absoluta, foi diferente. 

Então? 

Já não era o mesmo primeiro-ministro nem era o mesmo programa. Foi um governo diferente. Mas isto não tem que ver com a pessoa. Enquanto estive em contacto com Sócrates nunca tive nada que apontar. Se outros tiverem…eu não tive. O que veio a lume é uma coisa espantosa. Nunca pensei que tivesse aquela ligação com o amigo dele. Não sabia e nem tinha que saber. Era uma coisa que estava completamente à margem.  Mesmo quando discordávamos na política, sempre foi de uma correção exemplar para comigo.