A PIDE exigia licença de isqueiro, o PAN quer 500 euros por beata

“Não sei se André Silva pensou em criar uma nova brigada de pides para andarem atrás dos perigosos criminosos, mas imagino que sonha com uma brigada de fiscais. Ou será que pretende aprovar também a proibição de se fumar na rua?”

No tempo da ‘outra senhora’, vulgo Estado Novo, havia licenças obrigatórias um pouco estranhas, sendo a mais conhecida a dos isqueiros. Sempre que alguém queria acender um cigarro tinha de olhar para o lado não fosse estar nas proximidades um zeloso pide, agente da polícia política da ditadura, e, pelos vistos, dos costumes. A multa da falta da famosa licença ficava em 250 escudos para o comum dos cidadãos, mas se fosse funcionário público ou militar a soma podia chegar aos 500 escudos, cerca de dois euros e meio atuais. 45 anos depois, o novo guru do Parlamento, André Silva do PAN, conseguiu fazer aprovar na Assembleia da República um projeto de lei que institui uma multa de 500 euros para quem for apanhado a deitar uma beata de cigarro no chão.

Não sei se André Silva pensou em criar uma nova brigada de pides para andarem atrás dos perigosos criminosos, mas imagino que sonha com uma brigada de fiscais. Ou será que pretende aprovar também a proibição de se fumar na rua? Irão as câmaras contratar milhares de zelosos funcionários? Onde é que irá acabar esta política  proibicionista? O Parlamento que aprovou este projeto de lei pensou, por momentos, quando será possível instalar nas cidades – calculo que no interior seja ainda mais complicado – equipamentos, leia-se cinzeiros, para os fumadores não deixarem as beatas no chão? 

Faz todo o sentido fazer grandes campanhas de sensibilização para que os fumadores evitem deitar as beatas no chão e que as empresas coloquem cinzeiros à porta dos edifícios onde os seus funcionários fumam. Isso é consensual, agora ‘criminalizar’ as beatas é próprio de um estado ditatorial, à semelhança do que se vivia em Portugal antes do 25 de Abril. Esta fúria proibitiva de André Silva não o levou a pensar propor idêntica multa para os donos dos cães que não apanham os dejetos dos animais? Como é do conhecimento geral, as imposições camarárias não têm tido qualquer efeito, mas o líder do partido Pessoas-Animais-Natureza preocupa-se mais em perseguir as pessoas – lá chegará o dia em que defenderá a proibição do consumo de carne –  do que querer disciplinar quem tem animais. Tudo em nome dos bichos – e, para que não fiquem dúvidas, adoro cães e gatos. E já muitos anos antes de existir o PAN os tratava com toda a dignidade. A sociedade não precisa de novos polícias de costumes e muito menos de candidatos a pequenos educadores da classe operária.

Mas a proposta do PAN só passou porque muitos outros deputados a votaram favoravelmente e são, por isso, tão ou mais responsáveis por esta proibição bacoca. Imaginemos então, o Zé das Iscas que ganha o salário mínimo, depois de fazer uma ginástica monumental para ter dinheiro para fazer face às despesas fundamentais como comer e dormir ser condenado a pagar 500 euros porque puxou do seu Provisórios ou Kentucky e deitou a beata no chão. Isto faz algum sentido? 

O país caminha numa direção proibicionista que arrepia. Não quererão também os deputados criar um projeto de lei que proíba as pessoas de saírem dos bares com uns copos a mais? Era fácil e dava milhões: zelosos ‘pidinhos’ munidos de testes dos balões a atacarem à saída das tascas, bares e discotecas conseguiriam, seguramente, muitos milhões de euros. Onde está a geração do é proibido proibir? Ainda vamos chegar à conclusão que o Estado Novo – com o devido respeito pelas vítimas da ditadura – foi menos proibitivo do que a atualidade. Já agora, quantos novos polícias vão ser precisos para multar os milhares de jovens que frequentam o Cais do Sodré ou as Galerias de Paris?

vitor.rainho@sol.pt