O engenheiro ganha, mas pouco ri. Raramente sorri. O sorriso é próprio dos que ganham, mas o engenheiro é ensimesmado, retraído. Há imagens que se colam às pessoas e a ele colou-se uma imagem de tristeza, às vezes irritação. Eu conheço o engenheiro do tempo em que ria. Já lá vão o quê? Trinta anos? Mais? Estoril primeiro. Estrela da Amadora, depois. Ainda não entrara nos entas, ficava-se pelos intas. Não se ficava pelas meias-tintas, porque nunca foi homem para isso. Havia nele uma ideia, talvez. Um projeto, como é da vida dos engenheiros, sempre embrulhados em esquemas, em construções. O engenheiro projetou e construiu. E ganhou. E ganha.
O engenheiro chama-se Fernando Manuel Fernandes da Costa Santos. Nome comprido como uma ponte. Um dia foi chamado para o cargo de selecionador nacional e alterou a ordem das coisas. Portugal que nunca conquistava títulos, conquistou dois. Eles têm o seu nome lá escrito. Ninguém o apagará. E, apesar de tudo, há tanta gente que não gosta do engenheiro. Ele sabe disso, volta e meia faz-lhe referência com uma tirada de ironia. A ironia aproxima-se do riso que não costuma ser seu.
O engenheiro tem uma força estranha, como cantou Caetano Veloso. Uma força estranha que lhe vem da crença, quem sabe?, ele que é crente e tem Deus lá no alto velando por ele. O engenheiro ganhou cabelos brancos, mas ele já tinha alguns no tempo em que o via jogar, na Amoreira. «Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista/o tempo não pára no entanto ele nunca envelhece./Aquele que conhece o jogo, o jogo das coisas que são/É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão».
Não sei se o engenheiro tem envelhecido nestes anos de tantas vitórias. Ou se o tempo parou em seu redor. Sei que o engenheiro não se preocupa com a simpatia. Tem os planos desenhados sobre o estirador e debruça-se sobre eles à sua maneira e a sua maneira é contrária à de muitos de nós que procuramos pensar por ele.
O futebol que o engenheiro elabora não é um futebol feliz. É um futebol tão sisudo como ele. E ganha. As pessoas, essas, saem felizes para as ruas com as bandeiras agitadas e a pátria no coração, heróis do mar e nobre povo, nação valente também. Depois, no fim de tudo, puxa do seu cigarro, abusa do seu tique, esticando o queixo, e sente que cumpriu o seu dever.
De certa forma, cumpre também o nosso Destino.
Ou melhor, recusa o nosso Destino de perdedores compulsivos, sempre à beirinha de vitórias imemoriais que não passaram de devaneios e morreram como sonhos ainda por sonhar.
Quem olha para a seriedade do engenheiro, não lhe perspetiva nos olhos sonhos felizes. Mas os seus sonhos cumprem-se e, com eles, cumprem-se os nossos.
Se tivesse que dar um tom ao engenheiro, atribuía-lhe o cinzento. Há nele, subitamente, um soerguer de medos noturnos como os que povoam pesadelos. Há nele, surpreendentemente, a retração quando dele se espera o rasgo. O engenheiro contém-se. E a canção ouve-se ao longe, em eco: «É o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada, é o sol».
Um dia o engenheiro chegou e trouxe o sol das vitórias. Haverá vitórias melancólicas, enfadonhas? Acredito que sim. Mas depois das vitórias melancólicas, enfadonhas, a aflição desfaz-se em júbilo que não se controla no peito e nós vemos os homens e os meninos correndo e o tempo brincando ao redor desses homens e desses meninos.
O engenheiro gosta que o futebol seja sério, como ele. Não um divertimento. Não uma festa. A festa ficará sempre para depois porque, como escrevi na primeira linha, o engenheiro ganha.
O engenheiro não se interessa pelo que eu escrevo, pelo que vocês escrevem, não se interessa pelo que eu digo, pelo que vocês dizem. Está fechado em redor dos seus esquemas, das suas estratégias, dos seus propósitos. O engenheiro tem um desígnio.
O engenheiro esteve no fundo de cada vontade encoberta e essa é a coisa mais certa de todas as coisas.
O engenheiro eternizou-se. Não vai mudar nunca porque ele é uma daquelas pessoas avessa às mudanças bruscas. Não muda, mas adapta-se. Por isso essa força estranha no ar.
O engenheiro que nunca ri pôs um sorriso no Portugal do futebol. Em França, no Porto. E por toda a parte onde haja alguém que vista uma camisola vermelho-sangue com cinco escudos azuis no lugar do coração.
O sol ainda brilha na estrada pela qual acabámos todos de passar. Eu sei que o engenheiro tem coração e sabe que a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol.
O engenheiro escolhe a sombra e é, de vez em quando, sombrio como um futebol sem golos. Mas traz consigo uma força estranha, aquela força estranha que nos leva a cantar, porque cantamos todos nos momentos dos máximos triunfos.
O engenheiro ganha. Nós ganhámos com ele…