Apesar da retórica vitoriosa com que anunciou a sua campanha para as eleições de novembro de 2020, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, carrega o peso de nunca ter conseguido a confiança de mais de metade dos eleitores norte-americanos em qualquer ponto do seu mandato, segundo as sondagens da Gallup.
Enquanto se dirigia aos 20 mil apoiantes que se juntaram na Florida para o primeiro comício, Trump sabia que, ainda no início deste ano, cerca de 56% dos eleitores inquiridos pelo Washington Post e pelo ABC disseram que nunca considerariam votar nele. Este facto poderá forçá-lo a manter uma estratégia semelhante à que usou em 2016, garantindo a sua base eleitoral com ataques a um inimigo comum – sejam os imigrantes, a China ou o Irão. Mas se Trump quer ser reeleito, também terá de capitalizar com os 69% dos norte-americanos satisfeitos com a economia, segundo uma sondagem da NBC e Wall Street Journal (ver texto ao lado).
Como seria de esperar, Trump foi rápido a colar as isenções fiscais que ofereceu às grandes empresas e agregados familiares mais ricos com os índices positivos, que mostram a economia norte-americana a crescer uns surpreendentes 3,2% no primeiro trimestre de 2019. Contudo, alguns analistas alertam que nem tudo é o que parece. Como é o caso do economista chefe da Moody’s, Mark Zandi, que escreveu na CNN, «ao invés de assinalar um salto no ritmo de crescimento, o PIB do primeiro trimestre é consistente com o ritmo que a economia teve desde que começou a expandir», a partir de 2009, após o crash de 2007.
Zandi alerta ainda que, para conceder as isenções, «o Tesouro pediu emprestados centenas de milhares de dólares». Apesar de algum desse dinheiro ter sido investido, o crescimento foi sobretudo momentâneo – deixando para trás uma dívida muito mais alta. As promessas de Trump de eliminar por completo a dívida norte-americana ficaram na gaveta, acabando por aumentá-la no seu mandato nuns astronómicos 5,088 biliões de dólares.
Não é claro que estes gastos em isenções fiscais tenham resultado na melhoria das condições vida dos norte-americanos – à exceção dos multimilionários. Ainda que durante os últimos quatro anos, a maioria dos indicadores económicos tenha seguido a tendência dos últimos anos do mandato de Barack Obama – incluindo a taxa de desemprego, que continua a descer ao mesmo ritmo. Mesmo que as estatísticas do Governo Federal sejam representativas da realidade, é difícil atribuir a atual taxa de desemprego de 3,9, a mais baixa da última década, exclusivamente às medidas de Trump sem ter em conta a conjuntura financeira internacional.
Guerra comercial com a China Há muito que ameaça chinesa é uma constante no discurso do Presidente dos EUA – já vem desde a sua campanha de 2016. As palavras passaram a ações com a declaração de guerra económica à China, no ano passado. Depois de meses de negociações falhadas, a guerra continua sem fim à vista, com ambos os lados a dificultar as exportações – aumentando tarifas de importação em centenas de milhares de milhões de euros.
Segundo a Bloomberg, caso se mantenha o impasse, o PIB global poderá encolher 600 mil milhões de euros até 2021. Apesar das taxas terem diminuído o peso das importações na balança comercial dos EUA, os norte-americanos não escaparam incólumes. Estima-se que em média o conflito custe mais de 2 mil euros por ano a cada família de quatro pessoas, segundo a Trade Partnership Worldwide. Algo que afetará sobretudo as famílias mais pobres, dado boa parte das exportações chinesas para os EUA serem bens de consumo de baixo custo.
As consequências para as classes mais baixas podem explicar o facto de, segundo uma sondagem da Quinnipiac University, citada pela NBC, apenas 39% dos inquiridos concordarem com as políticas comerciais do Presidente dos EUA. Nem nos estados da chamada Rust Belt – a antiga região industrial dos EUA, decisiva na eleição de 2016 – a política comercial de Trump tem agora o apoio esperado.
Conflito no Golfo O crescendo de tensões com o Irão – que parece caminhar para a guerra aberta – consegue ser tão ou mais impopular quanto a guerra comercial. Em maio, uma sondagem da Reuters/Ipsos mostrava que apenas quatro em cada dez norte-americanos estavam de acordo com a política externa quanto ao Irão – 64% defendia mesmo o acordo nuclear de 2015, assinado por Obama e rasgado por Trump. E já na altura mais de metade dos inquiridos estavam convictos de que haveria uma guerra entre os dois países num futuro próximo.
É provável que hoje em dia seja ainda maior a percentagem de norte-americanos a acreditar nesse cenário. Sobretudo, tendo em conta o recente envio de mais mil militares para o Médio Oriente, bem como o abate de um drone norte-americano no Golfo, esta quinta-feira. O New York Times avançou ontem que a retaliação norte-americana foi cancelada pelo Presidente dos EUA, quando já estavam aviões no ar, prontos a atingir instalações militares iranianas. Para já desconhecem-se as razões que levaram Trump a abortar o plano.