Disse no Parlamento que, de 2008 a 2012, o presidente do BCP foi Joe Berardo. O que aconteceu?
Berardo era o presidente do conselho de remunerações e tinha como vogal Luís Champalimaud que era presidente do conselho geral de supervisão, o órgão social máximo de poder dentro de uma instituição. Luís Champalimaud foi presidente e dono da companhia de seguros Mundial Confiança, onde Carlos Santos Ferreira também foi presidente. Sabemos a maneira atrevida como Berardo fala, não tenho dúvidas absolutamente nenhumas de como falava em matéria de orientação do banco. Berardo falaria grosso nas reuniões das comissões de remunerações e Luís Champalimaud não é uma pessoa de enfrentar um interlocutor, portanto, ouvia e calava. Depois como presidente do conselho geral de supervisão, Champalimaud, falava com o presidente do conselho de administração executivo e dizia: ‘Olha que ele [Berardo] quer isto e nenhum deles – tendo em conta aquilo que me aconteceu por ter enfrentado Berardo – estava disposto a enfrentá-lo. A atuação pública de Berardo foi uma das razões pelas quais Carlos Santos Ferreira foi para presidente do conselho de administração executivo e Jardim Gonçalves foi afastado do lugar de presidente do conselho geral de supervisão, tendo sido substituído por Luís Champalimaud. Nenhum deles em condições normais jamais estariam naqueles lugares se não fosse o trabalho conjugado de Berardo e depois acima o Banco de Portugal, o ministro das Finanças e o primeiro-ministro.
Berardo disse várias vezes que era preciso afastar Jardim Gonçalves e os seus amigos do banco…
Exato. Quando aparece a lista liderada por Santos Ferreira surge a seguir uma lista liderada por Miguel Cadilhe. Na Assembleia-Geral de 15 de janeiro, Miguel Cadilhe foi aplaudido, ovacionado, mas acabou por ter 2 e pouco por cento, nem sequer chegou aos 3% dos pequenos acionistas que estavam na Assembleia-Geral porque Sonangol, EDP, Caixa Geral de Depósitos, etc. votaram todos na lista de Carlos Santos Ferreira que, aliás, era produto de eles todos.
E foi nessa altura que se começou a financiar…
Quando foi à Assembleia de 28 de maio de 2007, entre a fundação e a Metalgest tinha 3,88%, mas depois terminou esse ano com 7,001%.
Berardo conseguiu pôr grande parte da opinião pública contra a liderança do banco…
Ele tinha canal aberto na SIC Notícias e é evidente que tinha audiência. Sempre que ia à televisão tínhamos circo pela maneira como falava, pelas coisas que dizia, sempre com ar de escândalo sobre coisas que eram perfeitamente normais. Acho que Berardo foi a pessoa mais atraiçoada a par de Paulo Teixeira Pinto. Foram as pessoas mais atraiçoadas em toda a guerra do BCP porque claramente quem organizou o assalto utilizou-o como testa de ponte porque Berardo com aquela maneira de falar metralhava tudo. Já Paulo Teixeira Pinto tinha vários candidatos ao seu lugar, queriam que afastasse Jardim Gonçalves para que ficasse como autoridade máxima dentro do banco. Ou seja serviram-se dele para afastar Jardim Gonçalves só que Paulo Teixeira Pinto estava doente e afastá-lo seria uma coisa de meses e depois quem é que se sentava nesse lugar? Havia vários candidatos: Manuel Pinho, ministro da Economia da altura e administrador bancário, leia-se BES, António Mexia – estes dois eram candidatos claríssimos, João Pereira Coutinho que era um acionista importante e com o seu ego gostaria muito de ser administrador do banco em vez de ser administrador da SAG. Dentro do conselho, os meus colegas António Castro Henriques e Francisco Lacerda que alinhavam com Paulo Teixeira Pinto, eram reconhecidos como os mais sabedores de banca e Francisco Lacerda já tinha sido presidente do banco Mello. Havia imensos candidatos e toda a gente estava a empurrar Paulo Teixeira Pinto para ele dar a cara na esperança de uma vez sossegadas as coisas fizessem pressão sobre ele invocando o problema da doença. Estou convencido que ele próprio se afastaria invocando razões de saúde.
Em que estado estava o banco para ter havido esse ‘assalto ao poder’?
O banco registou em 2005 e 2006 os maiores lucros da sua existência. Em 2007, apesar de toda a guerra que houve a partir de maio, ainda encerrou o ano com crescimentos de depósitos e de número de clientes, baixando ligeiramente os lucros. O banco estava muito saudável. Por outro lado, em agosto valia 15 mil milhões de euros porque em junho, julho e agosto a cotação das ações estava acima de quatro euros, como em dezembro a cotação ainda estava próxima dos três euros valia 10 mil milhões de euros. O BCP era muito apetecível e a mudança de controlo para quem venceu a batalha representou uma OPA sem ter de desembolsar dinheiro. Berardo dizia muitas vezes que se Jardim Gonçalves queria mandar no banco que lançasse uma OPA, mas depois veio ele mandar no banco sem ter lançado uma OPA. E quem perdeu foram os mais de 150 mil acionistas que o banco tinha na altura em dois momentos: primeiro porque o banco deixou de valer 10 mil milhões de euros para ter chegado a valer menos de mil milhões, apesar dos aumentos de capital que entretanto foram feitos e, por outro lado, por força da desvalorização continuada das ações. É preciso ver que o banco logo em 2009 teve de reconhecer perdas elevadíssimas na Grécia de mais de 2200 milhões de euros correspondentes a imparidades de crédito e ao hair cup da dívida grega. Se somarmos a isso os 800 milhões de euros pelo qual o banco estava a ser vendido no momento da passagem da administração para a equipa de Carlos Santos Ferreira que ele anulou o processo de venda, estamos a falar de 3 mil milhões de euros. Se repararmos, estes três mil milhões de euros são correspondentes às ajudas estatais que mais tarde tiveram de ser injetados no banco. Ou seja, todas as perdas, toda a desvalorização do banco é posterior a 2008, portanto, o apetite pelo banco não era por estar enfraquecido era por ser uma galinha gorda que era possível apropriar sem pagar por isso. Tudo isto se deveu à enorme ambição que um conjunto de pessoas tinham de controlar um banco que, nos últimos 22 anos, estava entregue a Jardim Gonçalves e às pessoas da sua confiança. Pensaram que poderiam mandar no banco porque o capital estava muito disperso e tinham assegurado um número de votos que superava a soma dos votos dos acionistas de referência fiéis a Jardim Gonçalves. Os fiéis eram a companhia de seguros Eureko que tinha à volta de 7% e a Teixeira Duarte que, no seu conjunto, tinha outros 7%. Mas era muito inferior à soma do grupo dos 7, mais a Caixa Geral de Depósitos, a EDP e a Sonangol. É preciso ver que a Sonangol não tendo intervenção ativa era o polo agregador daquela gente toda porque uma das razões para aquela gente se juntar toda era para tomar conta do banco sem despender um euro e, por outro lado, para poderem fazer negócios em Angola. Manuel Fino tinha a Cimpor e queria ter uma cimenteira em Angola, Berardo queria vender vinhos para Angola, João Pereira Coutinho queria vender carros em Angola.
Berardo chegou a dizer na audição que fez um favor aos bancos…
Na altura havia excesso de liquidez e os bancos queriam dar crédito e a afirmação de Berardo tem a ver com isso: ‘Naquela altura toda a gente oferecia-me crédito’. E o que ele diz é verdade, até fez um favor a ajudar a escoar os excessos de liquidez que os bancos tinham. Sendo certo que no caso da Caixa há uma particularidade muito importante. O líder dos bancos portugueses em depósitos era a Caixa com 23% de quota de mercado, o número 2 era o BCP com 22%, mas o líder em crédito era o BCP também com uma diferença de 1% em relação à Caixa. A CGD dispõe-se a emprestar a Manuel Fino, a Berardo e ao resto dos acionistas dinheiro não só porque fazia parte da sua estratégia de controlo do BCP, como também era muito conveniente à Caixa enquanto instituição porque todo o crédito que fosse dado, o BCP reduzia a sua posição e a Caixa aumentava. A Caixa fazia muita questão em ser o maior banco português: número 1 no ranking dos depósitos, número 1 no ranking de crédito, daí a facilidade que Berardo teve em obter crédito na Caixa.
Também disse aos deputados que pediu ao empresário para deixar o BCP em paz. Qual foi a reação?
Perguntou-me qual era o prémio e eu respondi que não havia. Na altura, a cotação das ações andaria pelos 2,90 euros, mas a partir do momento em que ficasse tudo arrumado e deixasse de haver a disputa pelo controlo do BCP, a cotação iria descer. Disse-lhe isso, a conversa foi ao almoço e à tarde ligou-me a perguntar se podia receber uma pessoa que o representaria. Ligou-me logo a seguir o corretor Francisco Marques Pereira da Lisbon Brokers que foi ao banco falar comigo para dizer que na segunda-feira, a corretora iria lançar um papper a revelar o novo price target para as ações do BCP que seria de 3,53 euros. Ou seja, Berardo estava a dizer que venderia por aquele preço e quis saber quem seria o comprador. Respondi que era a Teixeira Duarte, Berardo desceu o preço para os 3,50 euros, mas a Teixeira Duarte não subiu para mais de 3,30 euros caso contrário teria de reconhecer imparidades com a descida das ações e não queria pôr em causa a estabilidade da empresa. Não houve negócio, mas cheguei a dizer a Berardo que, pelas minhas contas, estava a ter uma mais-valia de 150 milhões, ao que ele me respondeu ‘upa, upa’ e assim deixava uma guerra que fazia sempre vítimas de ambos os lados. Mas ele tomou outra decisão e em vez de ganhar os 150 milhões de euros perdeu mil milhões de euros.
Acusa também José Sócrates e Teixeira dos Santos de estarem envolvidos no ataque ao BCP…
A guerra desata-se em maio com a célebre proposta que Jardim Gonçalves fez para corrigir o modelo de governance do BCP para que funcionasse o modelo dualista puro, ou seja, em Assembleia-geral era eleito o conselho geral de supervisão e este nomeava a comissão executiva. Nessa altura, Paulo Teixeira Pinto começa a movimentar-se junto de forças que julga que o podem apoiar. Aliás, desde 2005, existia uma estratégia de confronto com Jardim Gonçalves porque, até por dignidade pessoal, queria afirmar-se como uma pessoa que mandava efetivamente. Paulo Teixeira Pinto, numa primeira fase, tenta resolver o assunto na base acionista, financiando acionistas que lhe eram fiéis para ter mais votos e arranjando maneira de serem financiados pela Caixa, convidando designadamente Américo Amorim, o coronel Luís Silva e José Roquete, creio também Ilídio Pinho, que eram antigos acionistas do BCP e que tinham saído do banco, para ter votos na Assembleia de agosto que é convocada pelo grupo dos 7 que tinham mais de 10% no seu conjunto e, como tal, podiam convocar AG com o objetivo de destituir os cinco elementos que eram hostis a Paulo Teixeira Pinto. Foi a finalidade dessa Assembleia só que essa estratégia falhou porque a relação de forças não era completamente favorável e, desde logo, o BPI com o seus 10% de votos votou contra a destituição dos administradores, levando o grupo dos 7 a retirar as propostas. Não tendo vingado a estratégia pela via acionista, Paulo Teixeira Pinto faz uma segunda tentativa que é resolver pela via política, começa a falar com frequência com José Sócrates – é preciso ver que Paulo Teixeira Pinto vinha da política e, por isso, tinha excelentes relacionamentos – e é a partir daí que começa a usar com mais intensidade Berardo para ir à televisão para desacreditar Jardim Gonçalves, a mim próprio e ao conselho de administração.
E José Sócrates entra no jogo…
Consegue unir o primeiro-ministro, o ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal e, até de certo modo, o próprio presente da CMVM que abre um processo de contraordenação contra o banco e seus administradores. Vítor Constâncio chama-me juntamente com Christopher de Beck, éramos os únicos elementos da lista anterior que integrávamos a lista a ser eleita a 15 de janeiro de 2008. Bem, não nos convidou objetivamente mas deu-nos conta dos enormes perigos que viriam para o banco caso as investigações que o Banco de Portugal estava a desenvolver conduzissem à retirada da nossa idoneidade, sendo certo que a retirada ou a manutenção da idoneidade estava na mãos do Banco de Portugal. É a partir daí que tudo se organizou mas já pela via política. Vítor Constâncio disse agora uma coisa que é falsa: que tinha ido falar com ele no dia 20 de dezembro a meu pedido. É falso, fui convocado não por ele, mas por Pedro Duarte Neves que era vice-governador para ir ao Banco de Portugal. E meia hora depois foi convocado o meu colega Christopher de Beck. Houve portanto duas conversas, não foi uma só. Não íamos os dois pedir para sermos recebidos em momentos diferentes. Além disso, convocou acionistas, não todos só aqueles que tinham mais de 2%. Sabia que Pedro Teixeira Duarte que estava ao lado de Jardim Gonçalves não ia por razões de saúde – estava a ser intervencionado a um problema vascular – e também não convocou Goes Ferreira que era amigo de Jardim Gonçalves. Convocou a Eureko, mas o presidente só falava inglês e holandês, quis levar um intérprete, mas Vítor Constâncio proibiu e disse que lhe traduziria o que se passasse na reunião, claro que Vítor Constâncio traduziu à vontade dele e com a intenção que teve. Agora na televisão, Vítor Constâncio disse: ‘Não tive nenhuma interferência na ida dos administradores da Caixa Geral de Depósitos para o BCP. O Banco de Portugal não teve nenhuma interferência e nem podia ter tido porque isso é matéria de acionistas’. Se o Banco de Portugal não teve nenhuma interferência então quem teve interferência foi o ministro das Finanças e o primeiro-ministro porque todos sabemos que a nomeação e a destituição da administração da Caixa Geral de Depósitos como banco público tem sempre a concordância do primeiro-ministro. Ninguém pensa que o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, iria aceitar a saída de três elementos do conselho de administração da Caixa e depois iria escolher quem os iria substituir sem se articular com José Sócrates. Isso era totalmente impensável. O governador atuou com abuso de poder nítido quer quando me ameaçou e ao meu colega Beck relativamente aos possíveis danos para o BCP se nos fosse retirada a idoneidade – sendo certo que quem decidiria sobre a inibição ou não de funções era o próprio Banco de Portugal, portanto não havia dúvidas nenhumas que íamos ser inibidos – e abusa do poder quando convoca os acionistas para nos substituir por uma equipa liderada por Carlos Santos Ferreira.
E qual foi o papel de Teixeira dos Santos?
É preciso ter em conta que era ministro das Finanças e ex-presidente da CMVM. Tinha telhados de vidro na supervisão e o primeiro julgamento que houve na opinião pública era tentar saber o que é que o Banco de Portugal e a CMVM estiveram a fazer nesse tempo todo e deixaram que isso acontecesse no BCP. Teixeira dos Santos fez, naquela altura, uma declaração pública muito infeliz, quando todos estavam a condenar os supervisores. Disse ‘quando há um roubo deve-se perseguir o ladrão e não o polícia que persegue o ladrão’. Eu era presidente do BCP e fizemos um comunicado a condenar essa declaração porque dizia ao mercado que no BCP houve um roubo e quem lá estava era ladrão. Isto é a pior imagem que se podia passar ao mercado.
Constâncio acusa-o de ser ‘uma pessoa sem qualquer credibilidade’ e classifica as suas declarações como ‘calúnias’, admitindo processá-lo…
Gostava muito que Vítor Constâncio me processasse para dizer o que ainda não disse. E em matéria de credibilidade se o povo português avaliar a minha credibilidade fico a ganhar.
O que ainda falta dizer?
Direi na altura própria.
Na sua opinião qual era o interesse de José Sócrates e de Teixeira dos Santos?
José Sócrates já controlava a Caixa e o BES, ou seja, 23% mais 17%, ou seja, 40% do crédito distribuído à economia. Se controlasse o BCP; estes 40% passavam para 63%, isto é, dois terços do sistema bancário. Seria-lhe algo difícil controlar o BPI, assim como o Totta, mas se calhar bancos mais pequenos, como o Montepio, o Banif seriam sensíveis às palavras do Governo.
E ficaria assim a dominar o sistema financeiro…
Claro. É preciso ver que o Governo de José Sócrates quis controlar, por um lado, a comunicação social e basta ver as ameaças que eram feitas a quem não alinhava com eles e a tentativa de venda da TVI e, por outro lado, o sistema financeiro.
E daí ter escolhido Santos Ferreira e Armando Vara…
Penso que Carlos Santos Ferreira vai pela mão de Armando Vara. Mas a grande ligação era de Armando Vara a José Sócrates.
Sócrates já reagiu e falou em ‘velhaca maledicência’…
Só usa insultos quem não tem argumentos. Como José Sócrates não tem argumentos e sabe que o que disse é verdade recorre ao insulto.
Já Vara disse que os empréstimos para financiar ações do BCP foram ‘coincidência’ e que não conhecia Berardo….
A verdade é que Berardo o propôs meses depois do crédito concedido para administrador do BCP. É difícil imaginar que em agosto não se conhecessem e em novembro estivesse a propô-lo para administrador do BCP.
Não tem dúvidas que foi tudo engendrado para o tal assalto ao BCP?
Não tenho dúvida nenhuma em relação a isso. Foi uma operação meticulosamente preparada que teve os seus cérebros e para mim os cérebros assentam no triunvirato primeiro-ministro, ministro das Finanças e Banco de Portugal e depois teve os seus executores à frente dos quais vejo António Mexia, Rafael Mora e a Ongoing, Berardo e Fino.
Se não houvesse esta comissão de inquérito à Caixa acha que isto nunca se iria saber?
Teria sido varrido para debaixo do tapete. Este assunto conseguiu ser varrido para debaixo do tapete desde 2008. Só agora é que se fala e as pessoas começam a ver o que realmente se passou. É preciso ver que o próprio assalto ao BCP no final de 2007 foi muito atirado para a comunicação social e estiveram a favor dos assaltantes a máquina de organização e de comunicação do Governo que sabemos que era fortíssima, mais a agência de comunicação da Caixa e da EDP. Eram três máquinas de comunicação a caluniar Jardim Gonçalves e a sua equipa, a levantar problemas, a apresentar como irregularidades coisas que eram perfeitamente normais e que estavam de acordo com a lei e que ainda hoje não estão todas esclarecidas. E ao mesmo tempo, a proclamar as virtudes dos processos que foram abertos para punir os desmandos que o excesso de poder de Jardim Gonçalves e da sua equipa tinham causado.
Os processos foram arquivados?
Fui absolvido, mas é preciso ver que Vítor Constâncio acusa-me com argumentos falsos. Por um lado, diz que havia um plano para expandir o BCP para o exterior que exigia aumentos de capital e para isso o BCP criou sociedades offshore que financiou esses aumentos de capital. Primeiro não houve plano nenhum e o Banco de Portugal acabou por desistir dessa acusação porque era preciso um plano. E quem é que fazia parte do plano? Quem o desenhou e quem foram os executores? E, por outro lado, também se provou em tribunal que as offshores não ocorreram a nenhum aumento de capital. É com acusações falsas que o Banco de Portugal acusa o BCP e os antigos administradores. Depois o caso BCP também foi muito útil aos acusados na Operação Furacão que vinha desde 2005. Toda as pessoas que eram alvo da operação Furacão também ajudaram à festa junto da comunicação social a empolar o caso BCP para tapar a Operação Furacão, de tal forma, que nunca mais se falou dessa operação. Quem foi alvo foi regularizando as suas dívidas fiscais, os problemas foram todos arquivados.
Mas Vítor Constâncio continua a aludir à sua condenação pelo BdP, pela CMVM e pelo Tribunal Criminal…
Se Vítor Constâncio fosse fiel à verdade teria dito aos deputados que o BdP condenou porque é juiz em causa própria. Porém, as pessoas condenadas pelo BdP recorreram e o Tribunal de 1.ª Instância decidiu arquivar o processo. O BdP recorreu e o TRL mandou repetir o julgamento. Na repetição do julgamento fui absolvido. O BdP voltou a recorrer e o TRL manteve a decisão da 1.ª Instância num acórdão em que o BdP sai muito maltratado. O BdP recorre, não porque objecte aos fundamentos da 1.ª Instância, mas, apenas, porque esta não lhe deu razão.
No Parlamento também disse que Paulo Macedo e Miguel Maya ofereceram o seu lugar na lista do BCP porque Vara e Santos Ferreira tinham de entrar…
Manuel Fino esperou-me às 8h45 no dia 3 dezembro, uma segunda-feira, à entrada do BCP para me dizer que Berardo não faria a denúncia no Banco de Portugal – não sei se foi enganado ou se me estava a querer enganar – se integrasse Carlos Santos Ferreira na minha lista, caso contrário, a minha lista não passaria. Nesse dia iria ser formalizada, mas na semana anterior já tinha ido perguntar ao ministro das Finanças se havia alguma objeção que disse que não, ao Governador do Banco de Portugal que também disse que não, ao presidente da CMVM e a dois dos acionistas institucionais: EDP e à Caixa Geral de Depósitos. A lista era liderada por mim, tinha como vice-presidente Christopher de Beck, tendo três diretores que ascenderiam à administração e duas pessoas de fora. Apenas António Mexia e Carlos Santos Ferreira levantaram objeções ao sugerirem que fizesse uma lista de pessoas das duas fações. No fundo, era continuar a luta. Expliquei-lhes isso e disse que não era isso que o banco precisava. Mas quando sou abordado por Manuel Fino, o tema das offshores e a denúncia de Berardo ao Banco de Portugal já tinha sido publicado no sábado, dia 1 de dezembro, no jornal Expresso e Público e Berardo fez a denúncia no dia 28 de novembro ao Banco de Portugal. Não acredito que Manuel Fino me mentisse, o que pretendia é que eu e o Christopher de Beck saíssemos pelo nosso pé para entrar Carlos Santos Ferreira e para não ser necessário que Vítor Constâncio corresse connosco, como veio a acontecer no dia 20 de dezembro.
O plano estava feito…
Foi a casca de banana que me foi estendida. Nesse encontro com Manuel Fino disse-lhe que já tinha convidado as pessoas todas e que não iria quebrar a minha palavra.
Miguel Maya desmente que isso tenha acontecido…
Miguel Maya e Paulo Macedo terão posto o lugar à disposição para serem substituídos por outras pessoas. Quando eu e o Christopher de Beck saímos da lista saem também os dois elementos de fora que tinham sido convidados: Manuel Alves Monteiro que tinha sido presidente da bolsa e Rui Horta e Costa que estava na União de Bancos Suíços. Saímos os quatro para entrarem Carlos Santos Ferreira, Armando Vara, Vítor Fernandes da Caixa, Nelson Machado e Luís Pereira Coutinho. Carlos Santos Ferreira terá dito a Miguel Maya que não podia entrar porque na cabia, mas ficou como chefe de gabinete. Miguel Maya ascende ao conselho quando sai Armando Vara após o escândalo da Operação Face Oculta. A presença de Paulo Macedo, José Guilherme e Miguel Maya no conselho de administração são inteiramente justificadas pela competência e pela imagem que tinham dentro do banco, daí tê-los convidado. O que Carlos Santos Ferreira fez foi aquilo que me tinha aconselhado a fazer que era uma espécie de sociedade das nações, ter elementos de um lado e ter elementos de outro, daí ter escrito no meu livro que a lista que foi eleita era um conjunto de três tendências: Caixa, Carlos Santos Ferreira, Armando Vara, Vítor Fernandes; Pinhal, Paulo Macedo e José Guilherme; e Paulo Teixeira Pinto, Luís Pereira Coutinho e Nelson Machado.
Se não fosse essa denúncia de Berardo não teria recuado?
Não é possível gerir um banco contra o supervisor e regulador. Falo com Vítor Constâncio no dia 20 de dezembro, no dia 21 Constâncio reúne-se com os acionistas, no dia 22, a reunião do Banco de Portugal continua na sede da EDP e é aí que saem os títulos nos jornais a dizer que Carlos Santos Ferreira era o novo presidente do BCP. A conversa de Vítor Constâncio comigo e com os acionistas foi cirurgicamente marcada numa véspera de quatro dias em que a banca estava fechada, os acionistas que faziam parte do conselho superior do banco estavam a gozar o seu descanso de Natal e muitos deles estavam fora de Portugal. E, na reunião na EDP, os assaltantes estavam livres para se movimentarem. Nesses quatro dias é constituída a lista, são feitos os convites e passam-se as notícias para a comunicação social. Quando a banca reabre a dia 26 já todos os nomes eram conhecidos.
Qual era o interesse de António Mexia?
Foi um ativista a desempenhar uma função muito grande de assoprar notícias para a comunicação social. António Mexia sempre foi um homem muito interventivo junto das redações e, por outro lado, ajudou a arrumar as pessoas nos diferentes órgãos sociais. Não há dúvida que era uma das pessoas com mais experiência em governo de sociedade. Quem vai para a comissão executiva, quem vai para o conselho geral de supervisão, quem fica no conselho de remunerações e quem fica na comissão de auditoria. Não tenho provas porque não estive nas reuniões, mas não tenho dúvidas que foi tratado entre Carlos Santos Ferreira e António Mexia.
Acha que Santos Ferreira tinha a ambição de ir para o BCP?
Estou convencido que Carlos Santos Ferreira foi fazer não digo um frete ao Governo, mas foi fazer um jeito, embora também estivesse próximo de fim de mandato da Caixa e chegou a dizer aos jornais que não era vontade dele continuar na Caixa. Posso dizer que numa conversa que tive com Carlos Santos Ferreira manifestei a minha deceção e o meu desapontamento por o conselho de administração estar a tomar atitudes hostis relativamente às pessoas que tinham estado no conselho de administração do BCP e ele respondeu-me: ‘Pinhal, eu aqui não sou mais do que o feitor que está a tomar conta da herdade até o patrão vir tomar conta dela’. Quem era o patrão? Com toda franqueza não sei, mas desconfio, mas como não quero voltar a ser processado não vou dizer.
Como avalia a gestão de Santos Ferreira e Armando Vara no BCP?
Não quero falar de pessoas, mas a verdade é que o mercado puniu francamente a nova gerência porque é nessa gerência que as ações do BCP, apesar de todos os aumentos de capital que foram realizados, a cotação caiu de próximo dos 3 euros, em 31 de dezembro de 2007, para 20 cêntimos e chegou a estar a seis cêntimos. O julgamento é do mercado, não é meu.
Acha que Jardim Gonçalves foi injustamente afastado da liderança do banco?
Já vi um artigo escrito na imprensa a dizer ‘quando é que pedem desculpa a Jardim Gonçalves’, eu subscrevo o título desse artigo.
Mas tudo isto aconteceu com a saída de Paulo Teixeira Pinto, considerado delfim de Jardim Gonçalves, mas que depois mudou de comportamento…
Paulo Teixeira Pinto quando é escolhido por Jardim Gonçalves olha-se para essa escolha como sendo perfeitamente natural. Primeiro porque estava no banco há 10 anos, em que os últimos cinco esteve como secretário da sociedade, onde assistiu a todas as reuniões do conselho de administração, sempre a par dos assuntos que estavam a ser tratados. Em alguns momentos era o único jurista presente na sala e Jardim Gonçalves pedia a sua opinião como jurista e como secretário da sociedade e sempre revelou estar completamente a par dos assuntos e a contribuição dele era sempre altamente positiva. Por outro lado, para se ser presidente de um banco é preciso ser um bom coordenador de equipa e a equipa de gestão do BCP era tão forte que, mesmo uma pessoa com menos experiência bancária contava com uma equipa com pessoas com mais de 60 anos que iriam saindo paulatinamente cada um no seu ano, sendo substituídos por pessoas de grande categoria que havia no BCP. Saíria Alípio Dias que tinha nessa altura 63 anos, a seguir Christopher de Beck que tinha na altura 61 anos e a seguir sairia eu que tinha 60 anos. Seríamos substituídos por Paulo Macedo, Miguel Maya e José Guilherme. O rejuvenescimento da equipa aconteceria naturalmente ao longo de cinco anos depois de Paulo Teixeira Pinto ser eleito e o BCP ficaria com uma equipa com todos na casa dos 40 anos.
Internamente não poderia ter havido uma escolha mais natural?
Muitas pessoas disseram-me que deveria ter sido eu a suceder. Mas, primeiro não tinha nenhuma vontade de suceder a Jardim Gonçalves, depois estava com 60 anos e sempre que me falavam disso respondia que não queria ser um presidente a prazo.
Acha que a tentativa de compra do banco na Roménia e depois a OPA ao BPI ditaram o fim de Paulo Teixeira Pinto?
Foram atitudes relativamente apressadas, sem o estudo necessário e sem a ponderação da vida, mas eram operações vistas por Paulo Teixeira Pinto que lhe permitiriam reservar um lugar na história. Na altura, havia uma teoria que era a chamada linha de vida dos bancos, em que estes deveriam estar numa capitalização sustentada de 15 mil milhões de euros, o BCP em 2000 tinha atingido esse patamar e voltou a atingir em junho, julho e agosto de 2007, mas por força da especulação e pela luta de controlo do banco não voltou a acontecer quando Paulo Teixeira Pinto lançou a OPA sobre o BPI e tentou comprar o banco da Roménia. Nessa altura, a capitalização bolsista andava pelos 10 mil milhões de euros.
Provavelmente não estava à espera da resposta agressiva do BPI…
É muito difícil lançar uma OPA sem haver conversas prévias e sem haver algum tipo de recetividade da administração da empresa alvo, daí ter sido considerada hostil.
Se não tivessem acontecido estes episódios todos, o BCP seria hoje um banco diferente?
Seria completamente diferente, a cotação do banco nunca teria vindo para os patamares em que veio. O BCP era o banco tecnologicamente mais avançado, tinha a máquina comercial mais ativa e tinha uma reputação que permitia aumentar o número de clientes todos os anos. O BCP depois de ter adquirido outros bancos tinha três milhões de clientes em Portugal que é mais ou menos o número de clientes que a Caixa Geral tinha depois de mais de cem anos de atividade e com o estatuto de banco público.
Sente-se triste por tudo o que aconteceu?
Qualquer pessoa no meu lugar sentiria uma enorme tristeza porque tudo estava pronto para que o BCP continuasse a ser um grande banco e o caminho foi interrompido. Depois sinto uma grande revolta pela forma como fui injustiçado pelo Banco de Portugal e pela CMVM.
Continua a falar com Jardim Gonçalves?
Continuo. Todos os meses temos uma tertúlia e fazem parte dessa tertúlia pessoas da banca, mas sobretudo clientes do banco.
E falam sobre estes assuntos?
Jardim Gonçalves é muito reservado e não fala com a mesma frieza que eu falo sobre estes assuntos. Passei os últimos 12 anos da minha vida a tentar explicar ao país o que na verdade aconteceu em 2007 e 2008. Mas Jardim Gonçalves terá tido um choque muito maior do que meu porque foi o criador do banco.
Defende uma responsabilização para o trio?
Basta que haja um julgamento moral. Acho que um país que vive em litigância não vive descansado e não tem todas as condições de desenvolvimento. É evidente que isto é uma utopia, mas se neste momento todos os processos que existem nos tribunais portugueses fossem arquivados, o país respirava saúde e ganharia condições para o desenvolvimento, que não pode ter enquanto há guerras. A única coisa que esperava era que o país tivesse uma ideia precisa e rigorosa de qual foi o papel desempenhado pelo triunvirato que, no meu entender, organizou e concebeu o plano de tomada do BCP e do papel dos administradores do BCP, em que uns alinharam de um lado e outros de outro.
E falaria com Berardo?
Falamos com muita frequência porque costumamos ir ao mesmo restaurante. Ele cumprimenta-me sempre muito bem e eu não nego o cumprimento. Há duas pessoas que estiveram na minha oposição que não nego o cumprimento: ao Berardo que sempre me tratou corretamente e quem leu os meus livros verá que nunca o hostilizei e acho que ele foi mais vítima do que autor. Durante aquele tempo todo ele foi gozado de forma permanente pelos seus aliados. Só foi respeitado por Jardim Gonçalves, por mim, por Christopher de Beck e por António Rodrigues. Quem esteve do lado dele utilizou-o, instrumentalizou-o, gozou-o o tempo inteiro e ele é que investiu, é que contraiu créditos, os outros saíram lampeiros e nem sequer se dá por eles. Também continuo a encontrar-me sempre que é possível com Manuel Fino porque a idade dele não permite tanto, por uma razão muito simples: tínhamos relações pessoais antigas, corretas e boas. Conheço-o desde 1973. As duas pessoas a quem não estenderei a mão é a Vítor Constâncio e a Silveira Godinho, este último foi meu colega assistente no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras e não teve nenhum rebuço em assinar a minha condenação. Com tantos administradores no Banco de Portugal eu no lugar dele não assinaria. Não sei qual deles – Berardo e Paulo Teixeira Pinto – foi o mais traído, mais instrumentalizado. Até chego a ter pena de Berardo.